A doença do professor solitário ou do técnico informático

por Agência LUSA

Timidez, perfeccionismo, falta de compreensão das regras sociais e dificuldade e fazer amigos são algumas das características de quem tem Asperger, uma doença que vai estar em discussão segunda e terça-feira em Santa Maria da Feira.

"O Mr. Bean tem tudo de Asperger, como um comportamento bizarro, uma fixação pelo seu ursinho e não compreende as dicas sociais, mas o Asperger também pode ser o professor solitário ou o homem do computador", disse à Lusa o neuropediatra Nuno Lobo Antunes, um dos especialistas que participam no primeiro Congresso Internacional de Síndrome de Asperger, no auditório do Europarque.

A iniciativa, da Associação Portuguesa de Asperger (APSA), realiza-se no ano em que assinala o centenário do nascimento do pediatra austríaco Hans Asperger, o primeiro a identificar a síndrome.

"Fala-se da Asperger em todo o mundo desde há pouco tempo, embora a síndrome tenha sido identificada nos anos 40 pelo pediatra austríaco Hans Asperger, que publicou as suas descobertas em alemão, acabando por ser então esquecidas devido à segunda guerra mundial", explicou Lobo Antunes, director médico e coordenador das áreas de Neurodesenvolvimento e Neurologia do CADin - Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil.

A síndrome de Asperger representa um conjunto de comportamentos que se inserem no espectro do autismo, embora mais leve e com melhores aptidões de linguagem e cognição.

"O padrão de dificuldades pode ser bastante diferente de pessoa para pessoa", afirmou o neuropediatra, acrescentando que "são crianças viradas para o seu mundo, com dificuldades de socializar e sobretudo de interacção social, de comunicação e empatia, muitas das quais estão mal diagnosticadas e são consideradas como tendo uma desordem psiquiátrica ou simplesmente classificadas como "estranhas".

"Fora isso têm uma inteligência normal ou até superior e uma linguagem superficialmente normal, embora com dificuldades na semântica do discurso", realçou.

Estas pessoas compreendem apenas o sentido literal das frases e expressões, têm dificuldade em pensamentos abstractos e sobretudo nos sentidos figurados.

"São ingénuos, muitas vezes gozados por levarem tudo à letra e nem sempre compreendem os problemas matemáticos, mas podem ser muito bons em cálculo", disse, exemplificando que atendeu "uma criança que perguntava se tinha ossos, só porque a mãe lhe chamava fofinho".

O especialista contou ainda à Lusa o caso de outra que entregou na escola uma redacção em branco porque o tema era `imagina- te um pinheiro` e nem ela tinha capacidade de se imaginar um pinheiro nem os pinheiros falam".

Os `Asperger` têm um conjunto pequeno de interesses que levam muito a sério e de forma muito intensa, estabelecem rotinas, comportamentos estereotipados e ritualizados.

"Socialmente são desajeitados e não são capazes de trabalhar em grupo ou em empresas, embora em termos das funções que desempenham haja de tudo, inclusive matemáticos famosos como por exemplo Jonh Nash ou o autista representado no filme Rain Man, até ao campeão de xadrez norte-americano Bobby Fisher", realçou.

Não se conhecem as causas da síndrome, mas pensa-se que pode haver um factor hereditário e sabe-se que atinge mais os rapazes, numa proporção de dez meninos para uma rapariga.

A síndrome não tem cura ou tratamento específico, mas pode ser atenuada com o ensino de habilidades sociais a quem é Asperger.

"Em primeiro lugar é preciso educar a sociedade para a existência de pessoas com estas diferenças, principalmente os professores e educadores", conclui Lobo Antunes, acrescentando:

"depois é preciso ensinar a quem é Asperger as regras sociais que para os outros são intuitivas, como por exemplo a olhar nos olhos quando apertam a mão a alguém".

O congresso de Santa Maria da Feira conta com as intervenções de Uta Frith, especialista em Desenvolvimento Cognitivo e directora- adjunta do Institute of Cognitive Neuroscience, Ami Klin, psiquiatra norte-americano e professor no Yale Child Study Center, e Christopher Gillberg, Professor de psiquiatria de crianças e adolescentes em Gotemburgo, Suécia, e na Universidade de Londres.

Além de Lobo Antunes, participam no Congresso os especialistas portugueses Carlos Filipe, coordenador da área de psiquiatria do CADin, Guiomar Oliveira, responsável pelo núcleo de autismo do Centro de Desenvolvimento da Criança do Hospital Pediátrico de Coimbra, e a neuropediatra Teresa Temudo, investigadora da Síndrome de Rett - uma anomalia genética que compromete as funções motoras e intelectual, exclusiva de crianças do sexo feminino.

Serão ainda apresentados testemunhos de dois Asperger e a visão de Nuno Líbano Monteiro, sócio fundador da APSA e pai de uma criança Asperger.

pub