Agências consideram "imoral" concessão capelas à Servilusa
A Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL) considerou hoje de "profunda imoralidade" a concessão de capelas da Igreja Católica à multinacional espanhola do sector funerário Servilusa, alegando que custo de funerais sofreu aumento de 500 por cento.
A ANEL manifestou-se hoje, em conferência de imprensa, "frontalmente contra a política desenvolvida pela Igreja Católica nos últimos anos, na cidade de Lisboa, de privatizar as capelas mortuárias, algumas em edifícios classificados como monumentos nacionais, entregando a sua gestão a uma multinacional espanhola (Servilusa) que as explora com despudorado intuito lucrativo".
O presidente da ANEL, Carlos Almeida, referiu que esse processo tem "a concordância dos respectivos párocos e do Patriarcado de Lisboa, em clara discordância com o princípio de caridade que devia presidir à prestação deste serviço".
"Em consequência deste `negócio` celebrado entre a Igreja Católica e a multinacional, o preço dos encargos relativos a um funeral tipo (despesas da Igreja e taxas de cemitério) subiu até mais de 500 por cento, em claro prejuízo das famílias, sobretudo das mais desfavorecidas economicamente", realçou Carlos Almeida.
Este "negócio" permitiu à Igreja, segundo o dirigente associativo, manter as receitas provenientes da ocupação das suas capelas mortuárias (60 euros por depósito de cadáver) e adicionalmente receber uma renda mensal fixa da empresa concessionária pelo aluguer das mesmas, transferindo para esta os encargos com a respectiva manutenção e conservação.
Numa das cinco capelas concessionadas em Lisboa, a Servilusa paga uma renda mensal de 3.500 euros "segundo consta", referiu o presidente da ANEL.
"Estas vantagens evidentes para a Igreja têm como contrapartida o exponencial aumento dos custos para o utilizador, na medida em que a sociedade concessionária naturalmente faz repercutir os encargos adicionais criados pelo protocolo, bem como a sua margem de lucro e encargos de exploração no preço final do serviço", afirmou também Carlos Almeida.
A ANEL diz que não está contra a melhoria das condições de acolhimento e conforto nas capelas mortuárias da Igreja, mas entende que existem "outras formas muito menos lesivas para o utilizador" de o conseguir.
O número de óbitos por ano em Portugal é de 109 mil aproximadamente e o valor actual da taxa de depósito de cadáver (nos centros urbanos) é de 60 euros.
"Considerando que a maioria da população portuguesa é católica, a receita média anual da Igreja, neste âmbito, está estimada em mais de cinco milhões de euros", referiu Carlos Almeida.
"Estas receitas já deveriam ser suficientes para permitir à Igreja a manutenção e conservação das capelas mortuárias em condições de conforto e segurança", frisou.
No entanto, como algumas capelas mortuárias "já chegaram a um estado de degradação que obriga a intervenções urgentes", a ANEL já propôs ao Patriarcado de Lisboa um aumento de 40 por cento na taxa de depósito de cadáver, para financiar as obras de melhoramento dos espaços.
Isso permitiria dotar as capelas mortuárias de "condições de conforto equivalentes às proporcionadas pela multinacional espanhola de forma muito menos onerosa e mais equitativa para os utilizadores", segundo a ANEL.
Porém, as propostas da ANEL não foram atendidas pelo Patriarcado de Lisboa, "sob a promessa de que não era sua política a via económica de gestão das capelas mortuárias", segundo Carlos Almeida.
No entanto, e "apesar de garantias em contrário" dadas pelo Patriarcado de Lisboa à ANEL, "a `tentação` da Igreja pela via económica, em detrimento da caridade, permitiu nos últimos dois anos que seis centros funerários situados em templos da cidade de Lisboa passassem para a gestão, com intuito lucrativo, de uma multinacional estrangeira", lamentou Carlos Almeida.
O dirigente associativo adiantou que está "em preparação a concessão de outros" centros funerários, o que leva a ANEL "a pensar se dentro de pouco tempo ainda existirão capelas mortuárias na capital não concessionadas a empresas comerciais".
"Há uma profunda imoralidade neste negócio, que afecta todos os utilizadores em geral e as agências funerárias portuguesas em particular", sublinhou Carlos Almeida, que deu conta de um "sentimento de revolta latente" nos profissionais do sector funerário, que ponderam a hipótese de realizar uma marcha de protesto com viaturas funerárias até ao Patriarcado de Lisboa.
Entretanto, a ANEL pediu hoje à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que se pronuncie pela legalidade, ou não, de uma multinacional funerária poder gerir espaços mortuários da Igreja Católica.