Algumas mudanças continuam por concluir, quase 50 anos depois

Lisboa, 24 Jan (Lusa) - O fim do latim nas missas e uma nova posição do sacerdote na eucaristia foram as mudanças mais visíveis que resultaram da reforma do Concílio Vaticano II. Mas quase 50 anos depois grandes alterações então decididas estão ainda por concluir.

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célia Paulo © 2009 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A. /

No dia 25 de Janeiro de 1959, o Papa João XXIII "chocou o mundo" ao convocar o Concílio Vaticano II, que se veio a realizar três anos mais tarde e viria a terminar em 1965.

Habituados a missas em que eram meros espectadores, os católicos passaram a ouvir as orações, súplicas e leituras em vernáculo e o sacerdote, que até então estava virado para o altar, mudou de posição e voltou-se para os fiéis.

"Eu até me comovi quando celebrei pela primeira vez uma missa voltado para o povo e em português", disse à Agência Lusa D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal.

Na altura pároco na Igreja de Cedofeita, no Porto, D. Manuel Martins sentiu "uma grande alegria" e a emoção do povo ficou registada no livro do templo.

Segundo D. Manuel Martins, a mudança na liturgia foi a "mais visível". Até porque "algumas chegaram a operar-se a medo e outras voltaram para trás".

O Concílio tinha cinco grandes objectivos: a colegialidade, o ecumenismo, a liberdade religiosa, uma Igreja simples e a comunhão com o mundo.

Objectivos que, na opinião do antigo bispo de Setúbal, ainda não se alcançaram por completo.

"A Igreja devia funcionar colegialmente, por isso se instituiu o sínodo dos bispos. Mas todos que participam dizem que aquilo de colegialidade não tem nada, inclusivamente o sínodo não é deliberativo", disse.

Destacando o "grande passo" no que toca à liberdade religiosa, lamentou que ainda se proíba a liberdade de investigação teológica, bem como o facto da Igreja não ter conseguido tornar-se mais simples e que esteja "ausente do mundo".

"Muitas vezes a Igreja está ausente do mundo, vive muito voltada para dentro e sempre muito sensível a qualquer coisa menos boa que se diga a respeito dela", adiantou.

Passados 50 anos da convocação do Concílio e das reformas ali decididas, D. Manuel Martins remete um balanço para o título do livro "Igreja, que fizeste do teu concílio?", publicado em 1985.

"A Igreja tem na mão o grande fermento de transformação do mundo. Temos um tesouro que não exploramos minimamente", concluiu.

Para o sociólogo em religiões Moisés Espírito Santo, "pouco mudou", além das alterações nas missas, uma "certa abertura a outras religiões" e "pequenas mudanças ao nível da formação do clero".

A Igreja Católica está "muito agarrada a costumes e dogmas arcaicos de que não consegue sair", disse à Lusa o professor da Universidade Nova de Lisboa, considerando que a reforma "ainda não está concluída", tendo em conta que "a organização eclesiástica tradicional é muito difícil de abalar".

Exemplo da "grande rigidez" é a liturgia da missa - acto mais importante do catolicismo.

A liturgia "continua a ser um acto arcaico e eurocêntrico", uma vez que se "exige para a celebração pão de trigo e vinho", quando em certos países esta bebida não existe ou é proibida, explicou.

No entanto, nem todas as opiniões coincidem. Apesar de algumas reformas não estarem concretizadas, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X defende que o Concílio deveria ser repensado "à luz dos documentos verdadeiros da Igreja e não à luz de uma moda".

Em declarações à Lusa, o padre Daniel criticou que o Concílio se tenha adaptado aos "homens de hoje e à liberdade" e que nas missas o sacerdote não esteja virado para o altar.

"A missa é um culto de vida a Deus, então temos que nos virar para Deus. Quando oferecemos uma coisa a alguém viramo-nos para ela, é isso que pretendemos, que a Igreja reencontre a sua lógica do culto, do sagrado de Deus, em vez de mudar as coisas para se adaptar aos homens", disse.

Para o padre Daniel, a Igreja está "a renegar, até certo ponto, as suas raízes" com as teses aprovadas no Concílio em 1965.

Lusa/Fim


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