Antropólogo britânico recorda o "Paradoxo FRETILIN" de 1975

Lisboa, 09 jan (Lusa) -- O antropólogo britânico David Hicks, conhecedor da realidade timorense, referiu-se hoje em Lisboa aos primeiros tempos da FRETILIN como um "partido paradoxo" e recordou quando previu a invasão indonésia num artigo que não foi publicado.

Lusa /

Na conferência "O Paradoxo FRETILIN", organizada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, David Hicks recordou os momentos cruciais do período entre 1974 e 1975 em Timor-Leste e concluiu que o partido que decretou a independência unilateralmente (28 de novembro de 1975) e que teve como origem a ASDT (Associação Social Democrata Timorense) demonstrou capacidades de governação que não foram compreendidas na época.

"A mim surpreendeu-me a forma como o Comité Central da FRETILIN `governou` Timor-Leste quando o governador português retirou para o ilhéu de Ataúro (11 de agosto de 1975). Este é o `paradoxo`: pareciam tão imaturos como militantes mas depois eram outra coisa. Tomavam conta dos órfãos, ocupavam-se da distribuição de alimentos e envolveram-se profundamente na questão política internacional, sobretudo com a Indonésia", considera Hicks, do Departamento de Antropologia da Universidade Stony Brook, Nova Iorque.

Na investigação sobre a FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente), o antropólogo refere que os líderes do partido comportavam-se como "verdadeiros políticos" mas como "militantes pareciam `pequenos che guevaras`".

"Cheguei à conclusão que a representação estava errada. Era uma ideia que afinal estava muito longe da realidade. Pessoas como Alkatiri, Ramos-Horta, Alarico Fernandes e Nicolau Lobato eram políticos em potência. Eram jovens com muito sentido de liderança apesar da falta de experiência", sustenta o académico.

David Hick recordou que os dirigentes da FRETILIN eram a "minoria instruída, já que mais de 90% da população era analfabeta, exceto a comunidade chinesa.

"Ver duas dúzias de pessoas sem experiência a chegar de Portugal e com uma vaga inclinação para a esquerda política foi complicado", afirmou referindo-se ao período que se seguiu à Revolução de 25 de Abril de 1974, em Portugal.

"Como podíamos ter esta pequena Cuba ao lado da Austrália e da Indonésia com pequenos movimentos separatistas no Ache e nas Molucas (Indonésia) e evidentemente se esta gente conseguisse a independência de Portugal outros podiam também aspirar à independência de Jacarta", sublinha o antropólogo.

"Na altura, eu punha-me no lugar de Shuarto, presidente da Indonésia, e do primeiro-ministro da Austrália (Gough Withlam) e via que a situação era complicada: uma antiga colónia em metade de uma ilha, com meio milhão de habitantes com a esquerda no poder", afirmou.

Depois do golpe de 11 de Agosto, levado a cabo pela União Democrática Timorense que defendia a presença de Portugal no território, e que provocou uma guerra civil com incursões militares indinésia na zona de fronteira, Hicks escreveu um artigo referindo-me às tendências esquerdistas da FRETILIN, às posições pró-Portugal da UDT e do alinhamento de outro partido timorense, a APODETI, com a Indonésia mas a análise foi recusada pelo Spectator.

"No fim do texto concluí que a Indonésia ia tomar posição e invadir mas o editor não publicou. Um dia depois da invasão (07 de dezembro de 1975) mandou-me um telegrama a pedir para atualizar o artigo, o que eu fiz e foi publicado. Mas eu gostava de ter tido o mérito de ter acertado numa previsão. Nas ciências sociais nunca se fazem previsões que acabam por realizar-se. Estão sempre erradas mas desta vez tinha sido verdade", recorda o antropólogo.

Com a passagem das décadas, o fim da ocupação indonésia e, sobretudo, depois da restauração da Independência da República Democrática de Timor Leste (20 de maio de 2002), a sigla do partido, refere Hicks, deixou de ser atual.

"O nome já não é apropriado mas entendo as pessoas que votam pela primeira vez na FRETILIN o façam como um gesto de agradecimento pelo que eles fizeram", concluiu.

David Hicks é autor de várias publicações e livros sobre Timor incluindo o trabalho "Tetum Ghosts and Kin: Fertility and Gender in East Timor" (1976), tendo permanecido na antiga colónia portuguesa entre 1966 e 1967 onde se dedicou à investigação sobre a vida de uma aldeia de Viqueque.

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