País
As vidas que as vacinas prolongam há 60 anos
O Programa Nacional de Vacinação (PNV) foi criado há 60 anos e, defendem os especialistas em saúde pública, a melhor forma para sublinhar a sua importância é comparar o Portugal antes do PNV e após o PNV. Neste caso, os números são essenciais para desenhar as duas realidades.
Portugal passou de um cenário dramático de doenças infecciosas a um dos países com menor mortalidade infantil no mundo graças ao Programa Nacional de Vacinação, que só no primeiro ano permitiu proteger milhares de crianças da paralisia infantil.
Para esta diminuição o Programa Nacional de Vacinação (PNV) foi essencial porque erradicou doenças como o sarampo, esvaziou enfermarias de crianças com meningite e outras infeções graves.
O relatório anual 2024 do PNV mostra que 98 por cento a 99 por cento das crianças estão vacinadas no primeiro ano de vida.
Foto: Omar Lopez - Unsplash
O documento destaca que "as coberturas permanecem muito elevadas até aos seis anos de idade, atingindo ou ultrapassando, no geral, a meta dos 95 por cento". Portanto, Portugal mantém-se como referência internacional na vacinação.
Outra imagem que os números podem mostrar refere-se à esperança média de vida em Portugal. "Na década de 60 a esperança média de vida era de 60 anos. Hoje ultrapassa os 80", recorda Graça Freitas em entrevista à Lusa.
Foto: Kristine Wook - Unsplash
Por ocasião dos 60 anos do PNV, a antiga diretora-geral da Saúde não tem dúvidas quanto aos resultados positivos da vacinação. Eliminou doenças, reduziu mortalidade e internamentos e evitou sofrimento e sequelas. Depois do fornecimento de água potável, terão sido as vacinas que mais
contribuíram para criar "saúde para todos e prevenir muitas doenças" sublinha a especialista em saúde pública.
Graça Freitas assumiu a responsabilidade do Programa Nacional de Vacinação quando entrou para a Direção-Geral da Saúde, em 1996.
Foto: Fac. Medicina, Universidade de Lisboa
A mortalidade infantil era muito elevada e havia doenças graves, sobretudo na infância, e o grupo de profissionais decidiu criar um programa nacional de vacinação.
Entre os pioneiros do PNV, destaca-se Maria Luísa Van Zeller, a primeira mulher diretora-geral da Saúde, "uma política e uma defensora da saúde materno-infantil muito importante", que contou com o apoio de médicos como Arnaldo Sampaio.
O programa foi concebido para dar imunidade individual e coletiva e começou com seis vacinas. Entre elas a da poliomielite para a paralisia infantil e a vacina contra a varíola, que eram "doenças terríveis que matavam muita gente", recorda Graça Freitas.
Logo em 1965 foram administradas mais de três milhões de doses de vacinas contra a poliomielite a crianças até aos nove anos em Portugal. Estava dado um passo enorme que “permitiu que as pessoas vissem no espaço de um ano desaparecer a poliomielite em Portugal".
No entanto, Graça Freitas alerta que a vacinação não pode ser dada como adquirida: "As doenças não desapareceram, à exceção da varíola. Os vírus continuam a circular noutros países e podem regressar, sendo por isso fundamental manter elevadas taxas de cobertura e a confiança no programa".
O outro combate: desinformação
É a batalha contra a desinformação que especialistas e profissionais de saúde também estão a travar. Uma dessas vozes é a do antigo diretor de Pediatria no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, Gonçalo Cordeiro Ferreira. Para o especialista, os discursos antivacinação, alguns protagonizados por líderes políticos, "são feitos por pessoas que não tiveram experiência de ver crianças doentes".
Após quase 40 anos na pediatria do Hospital Dona Estefânia, Gonçalo Cordeiro Ferreira diz à Lusa que as epidemias de sarampo que têm acontecido no sul dos Estados Unidos, por exemplo, "já deviam ser suficientes para abrirem os olhos".
Após quase 40 anos na pediatria do Hospital Dona Estefânia, Gonçalo Cordeiro Ferreira diz à Lusa que as epidemias de sarampo que têm acontecido no sul dos Estados Unidos, por exemplo, "já deviam ser suficientes para abrirem os olhos".
Foto: BenMoses M - Unsplash
Em Portugal ainda impera "muito bom senso" por parte dos pais na vacinação dos filhos, ao contrário de outros países onde os movimentos antivacinas têm vindo a ganhar força.
Já Graça Freitas admite "bastante preocupação" com o crescente discurso antivacinas, inclusive por responsáveis políticos, como o presidente norte-americano, Donald Trump.
Numa analogia com os vírus, a especialista em Saúde Pública defende que "há uma espécie de um contágio relacionado com a má informação, com a desinformação, com a criação de medos e de mitos que não são de facto verdadeiros, não são sustentados na ciência".
Foto: maks_d - Unsplash
Portanto, a "única forma" de contrariar estes movimentos "é provar com transparência, com clareza, em diálogo constante com a sociedade, a vantagem das vacinas (...) que são vítimas do seu próprio sucesso". Porque assim que " deixamos de ter as doenças, também não há perceção do risco que elas constituem".
Para Graça Freitas, combater a desinformação passa também por reconhecer que "as pessoas têm medos e receios" e que "há mitos" e questões religiosas e filosóficas que exigem "um esforço bem feito por parte das autoridades de saúde e da sociedade" para garantir a continuação da vacinação.
Graça Freitas deixou ainda uma homenagem a quem tornou possível o Programa Nacional de Vacinação.
"Devemos uma gratidão imensa aos enfermeiros, que foram quem garantiu o acesso universal à vacinação, e às famílias que, geração após geração, mantêm a confiança neste programa. É um projeto da sociedade para o bem da sociedade".
c/ Lusa