Auditoria de 2004 à Casa Gaiato apontava indícios de maus-tratos

Uma auditoria da Segurança Social à Casa do Gaiato realizada em 2004 indicava já indícios de maus-tratos psicológicos e físicos e descrevia o ambiente da instituição como sendo de "isolamento, repressão e clausura".

Agência LUSA /

O relatório final da auditoria, elaborado pela Inspecção-Geral da Segurança Social e divulgado pelo jornal Público, propunha que todos os internados na Casa do Gaiato que ainda não tivessem atingido a idade adulta fossem rapidament e retirados da Obra do Padre Américo.

Em alternativa deveriam ser colocados em famílias ou instituições de acolhimento de menores.

O jornal contava ainda que desde 1996 o Ministério Público instaurou contra à Casa do Gaiato de Setúbal 11 processos, que acabaram todos arquivados.

A auditoria da Inspecção-Geral foi contestada na altura pelo director nacional da Casa do Gaiato, padre Acílio Fernandes, argumentando que só realçava aspectos negativos e que não tinha sido ouvido enquanto ela decorreu.

Segundo o documento, a maioria das 482 crianças, jovens e adultos acolhida pela Casa do Gaiato - Obra do Padre Américo deverá viver em grande sofrimento por ter sido abandonada pelo família e por não gostar de viver na instituição, onde "abundam o trabalho, a disciplina e os castigos".

O relatório, que ficou terminado em Junho de 2004, criticava também o facto de a Obra continuar a fazer a apologia da pobreza, a praticar o assistencialismo e a caridade e a defender que devem ser os rapazes mais velhos a cuidar dos mais pequenos.

É prática corrente na instituição, adianta o relatório (elaborado com base em visitas aos estabelecimentos e em entrevistas a 286 rapazes), evitar a todo o custo os contactos entre os menores e a família de origem, que se fazem apenas no período do Ano Novo.

Em declarações à agência Lusa proferidas na sequência da divulgação deste relatório de 2004, o padre Acílio Fernandes, que hoje deu uma bofetada a uma criança de cinco anos enquanto desmentia à Lusa os maus-tratos na instituição, rejeitou o cenário de clausura, afirmando que, por exemplo, às 10:00 as crianças estão em escolas públicas e os mais velhos nos seus locais de trabalho.

A conclusão da auditoria de que os menores têm muito pouco contacto com as suas famílias foi também rejeitada pelo Padre Acílio Fernandes.

O texto referia ainda que a alimentação é de má qualidade, que os menores não têm roupa sua ou objectos pessoais e que no Natal recebem prendas desadequadas, além de lhes serem cortadas as guloseimas oferecidas pelos comerciantes locais.

Na sequência destes resultados e para que fosse dada uma "resposta alicerçada" às acusações da Segurança Social, o director geral da Casa do Gaiato disse à Lusa que encomendou um estudo à Universidade Católica para a avaliar como se inseriram na sociedade antigos internos da instituição.

Entretanto, o então ministro da Segurança Social, Fernando Negrão, assegurou que tinham sido tomadas medidas para salvaguardar os interesses das crianças da Casa do Gaiato e defendeu que o modelo de funcionamento da instituição deveria ser repensado.

Fernando Negrão disse também que o Ministério estava a trabalhar na construção de equipas de técnicos de Segurança Social e da Casa do Gaiato, para intervir.

Dois anos depois desta auditoria, a Casa do Gaiato é novamente notícia, desta vez pelo facto de o Ministério Público, segundo o Diário de Noticias, ter acusado o director da Casa do Gaiato de Setúbal, padre Júlio Pereira, da prática de quatro crimes de maus-tratos a crianças.

O Ministério Público acusou ainda dois funcionários, de 38 e 35 anos, e uma senhora de apoio à instituição, de 66 anos, por ofensas à integridade física das crianças, refere o jornal.

De acordo com o DN, em 2004, uma das vítimas, então com 15 anos, terá sido agredida com chinelos e paus de vassoura partidos ao mesmo tempo que recebia pontapés e chapadas na cabeça.

A esta vítima foi ainda exigido que fizesse 153 flexões depois do jantar e que permanecesse um dia sem comer com a obrigação de se manter em pé e de braços abertos, conta o Diário de Noticias.

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