Bragança indiferente a alvoroço sobre "cemitério nuclear" na vizinha aldeia espanhola de Peque
A polémica sobre a eventual instalação de um cemitério nuclear em Peque passou ao lado dos habitantes de Bragança onde, apesar da proximidade geográfica, nem o nome da pequena aldeia vizinha espanhola se tornou familiar.
"Não ouvi nada", respondeu à Lusa com alguma surpresa, Ana Maria Silva, uma habitante de Bragança, quando solicitada a sua opinião sobre a disponibilidade do autarca da pequena aldeia de Peque, a 65 quilómetros da fronteira, para receber um cemitério de resíduos nucleares espanhóis.
Quando se fala em nuclear e Espanha nesta zona, não é o nome de Peque, tão referido nos últimos dias na imprensa espanhola e portuguesa, que surge, mas o de outra localidade espanhola, que há quase duas décadas lançou o fantasma do nuclear junto à fronteira e ao Douro Internacional.
Prova disso, é a interrogação de Álvaro Pinto mal ouviu falar em nuclear e Espanha: "Aldeadávila?".
O sexagenário de Bragança faz questão de contar que em 1998 se deslocou a Freixo de Espada à Cinta para participar, no lado português do rio Douro, na manifestação que juntou portugueses e espanhóis contra a intenção do governo de Espanha de instalar um cemitério de resíduos nucleares em Aldeadávila.
De Peque nunca ouviu falar, mas sempre vai adiantando: "não nos convém nada, isso é um veneno, que o façam lá para longe".
Está convencido que "ainda não se levantou nada", ou seja não há reacções em Bragança, "porque, para já são só boatos, mas quando for a sérioÓ" acredita que a população vai reagir como há alguns anos.
"Não há nada como o nosso ar puro", exclamou. O mesmo ar que leva Cláudia Carvalho a afirmar que discorda "de uma coisa destas".
Sobre a polémica de Peque ouviu "o presidente da Câmara de Bragança (Jorge Nunes) falar na rádio", embora não saiba muitos pormenores.
Não concorda porém, com um cemitério nuclear "aqui tão perto".
Já o pai, Gilberto Carvalho, não tem mãos a medir para fazer os trocos dos almoços no restaurante, mas há sempre tempo para um ligeira conversa com os clientes sobre os assuntos do dia.
Sobre Peque, nem ele ouviu falar, nem nenhum cliente "puxou conversa".
A questão parece não constituir, para já, motivo de preocupação também para algumas das principais associações ambientalistas portuguesas.
Para Carlos Costa, presidente da GEOTA "a notícia de Peque até é um pouco anedótica, não é uma questão para preocupar".
Carlos Costa encara a situação como "uma manobra política do poder local para conseguir receber alguma coisa".
"Mesmo que se tratasse de um projecto real, estou convencido que, pela distância e pelas características da região de Trás-os- Montes, não haveria perigo de contaminação", considerou.
O ambientalista entende ainda que esta polémica "tem a ver com pressões para colocar a energia nuclear na ribalta, dada a perspectiva do preço do petróleo cada vez mais elevado".
Para Susana Fonseca, da Quercus, a preocupação com o nuclear é geral e não específica em relação a esta questão de Espanha.
O facto de o problema se situar junto à fronteira e próximo de Portugal "preocupa sempre", na opinião da ambientalista, para quem esta deve ser uma oportunidade para reflectir sobre a questão do nuclear e um bom exemplo de que não se deve apostar nesta energia.
Segundo disse, por toda a Europa ainda não há destino para os resíduos que se vão acumulando nas centrais nucleares, sendo que o mais provável deverá ser a deposição em profundidade.
Relativamente ao caso espanhol, a Quercus só tomará posição quando for conhecido um projecto concreto com localização e estudos.
Mais preocupado mostrou-se o presidente da LPN, Eugénio Sequeira, para quem um cemitério de resíduos nucleares tem riscos. "E se houver problemas sobra para nós (Portugal)", comenta.
O ambientalista é de opinião qie "O cemitério tem que ficar em Espanha" mas não necessariamente na fronteira.
O presidente da LPN está contra esta solução e defende que "o governo português devia reclamar" junto de Espanha.
Disse ainda que lhe faz "muita aflição ver o autarca local pedir o cemitério nuclear".
Um outro autarca, mas português, não concorda, mas compreende a posição do "alcaide" de Peque, uma localidade com menos de 200 habitantes, envelhecida, despovoada e sem alternativas, semelhante a tantas outras portuguesas junto ao fronteira, que Paulo Xavier conhece bem na qualidade de delegado distrital de Bragança da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias).
Para este dirigente, que é também presidente da freguesia urbana da Sé (Bragança), a posição do autarca de Peque "é um alerta, um autêntico desespero e alguma frustração".
Discorda é da forma como o manifestou, "sem consultar as populações, embora entenda que "o que pretendia era mais para a sua terra".
Paulo Xavier é de opinião que "os governos têm de olhar mais para o interior", mas considera haver "outras formas mais pacíficas de chamar a atenção".
Admite, porém que "muitas vezes não são suficientes".
"São pelo menos uma válvula de pressão", afirmou.