Brasileiros chegaram há um mês, viram e estão "ádorando" (c/fotos)
As quatro famílias brasileiras que chegaram faz este domingo um mês a São João do Peso, Vila de Rei, estão apaixonadas pela sua nova terra. Um amor que parece ser correspondido pela população da aldeia.
"As pessoas são maravilhosas. São João do Peso é a nossa casa do coração" disse à Lusa Cecília Fraga, 42 anos, jornalista e antiga assessora de imprensa no Brasil.
Os 15 os brasileiros, adultos e crianças, que chegaram a Vila de Rei a 05 de Maio, foram os primeiros a integrar um projecto da câmara local destinado nomeadamente a inverter a tendência de desertificação do concelho.
Deixaram para trás Maringá, cidade do estado do Paraná com 320 mil habitantes, geminada com Vila de Rei e vivem agora em São João do Peso, uma aldeia com menos de 200 habitantes, a dez quilómetros da sede de concelho.
Uma pequena manifestação de elementos de extrema-direita vindos de fora da região, realizada a 13 de Maio em Vila de Rei contra "os colonatos estrangeiros", passou-lhes completamente ao lado.
Um mês depois da chegada, dizem gostar dos seus vizinhos de São João de Peso e das aldeias das redondezas, onde garantem já ter feito amigos.
"Quando vamos à missa no Domingo juntam-se pessoas de várias aldeias. E São João do Peso viu quase duplicar o número de crianças.
Tinha oito, agora tem quase o dobro", afirma Cecília.
A presidente da Junta de Freguesia local, Maria da Graça Silva, começou por ter dúvidas sobre o que ia acontecer com a vinda dos novos imigrantes, mas agora diz que abençoa "o dia em que eles chegaram".
Os novos habitantes de São João do Peso vivem em comunidade numa casa senhorial disponibilizada pela Câmara, à entrada da freguesia. Na fachada hastearam duas bandeiras, uma portuguesa e outra brasileira.
É final de Maio, e no alpendre da casa, a comunidade brasileira aproveita a aragem que sopra do morro onde se situa São João do Peso e corta o calor da tarde.
Enquanto falava com eles, a reportagem da Lusa observou que quem seguia na estrada, de carro, apitava para os saudar. Os que passavam a pé paravam para os cumprimentar e conversar um pouco.
António, senhor de idade avançada, vem a subir a rua, chapéu de palha contra o sol, na mão uma "podoa", espécie de antepassado "com bem mais de cem anos" das tesouras de podar, motivo de conversa com os novos vizinhos.
"Era a tesoura de podar do tempo do meu avô, falecido com 96 anos em 1939. Naquele tempo não existiam tesouras de podar" explica, respondendo à curiosidade de Pedro Oliveira, 49 anos e de Marcelo Duarte, 32.
Depois de 56 anos em Angola, o senhor António regressou à aldeia onde agora cultiva uma pequena horta e um terreno com mais de 200 oliveiras, paredes-meias com a moradia dos brasileiros, de quem diz: "são bons vizinhos, tenho muito boa impressão deles".
à porta da casa dos brasileiros, há quem deixe diariamente fruta, legumes, ovos, azeite, vinho. "Todos nos apoiam", contou à Lusa Pedro Oliveira, publicitário e professor, palavras corroboradas por Marcelo Duarte, técnico de informática.
"As pessoas ajudam porque querem, deixam à porta tudo", disse a presidente da Junta (tia Graça para os brasileiros), que agora faz de carteiro, recebendo a correspondência dirigida aos novos habitantes e comunica à população quais as necessidades, anseios e ideias dos recém-chegados.
Avisou os brasileiros que, ao princípio "é como o início de um casamento, tudo corre bem", mas recebeu como resposta, de um emocionado Marcelo, "lágrima no canto do olho", uma pergunta: "como vamos agradecer?".
Pedro Oliveira teve uma ideia: uma das formas de agradecer o acolhimento e o apoio será ajudar a formar gratuitamente os habitantes em diversas áreas.
Pedro quer ensinar teatro e organização de eventos, Adélia, sua mulher, cabeleireira, quer dar formação nesta área, Marcelo dispõe- se a dar aulas de informática.
"É um projecto para a comunidade de São João do Peso. Vamos ter o apoio da junta (de freguesia) para essa finalidade" assegura Pedro Oliveira. A presidente Maria da Graça confirma, mas vai avisando que "tem de ser com calma".
"Estão habituados a outro ritmo e o povo aqui é muito parado.
Não quer dizer que seja posto em prática já", refere.
No entanto, uma das componentes do projecto - na área da informática - poderá arrancar já na próxima quarta-feira, quando Marcelo começar a assistir à formação actualmente disponibilizada pela junta a alguns habitantes da aldeia.
A presidente da junta foi a primeira pessoa em São João do Peso a entregar-se aos cuidados da cabeleireira Adélia: "Já servi de cobaia, já me cortou o cabelo. Gostei muito, mostrou um à-vontade enorme" assegura.
Adélia pretende montar um salão em Vila de Rei e, segundo o marido, apostar em penteados brasileiros. "Os cortes lá são completamente diferentes, mais imaginativos, aqui são mais tradicionais", afirma Pedro Oliveira.
A formação em restauração que estão a receber numa unidade hoteleira de Vila de Rei terminou e este fim-de-semana começa o trabalho "a sério": "Ainda não estamos no ritmo normal" afirma Cecília Fraga, aludindo aos horários, por turnos, que os oito adultos vão cumprir em quatro estabelecimentos da região.
As maiores diferenças que os novos imigrantes observaram entre Brasil e Portugal têm precisamente a ver com a culinária: adoram a sopa portuguesa - "maravilhosa, no Brasil não há sopa assim", garante Cecília - mas estranham, por exemplo, a pouca utilização da beterraba.
Também estranham o modo de servir as refeições à mesa: "Lá separamos tudo. Há um prato só de ervilhas, só alface, só feijão, arroz, carne, fruta. Depois, cada um mistura no seu prato o que quer", explica Cecília.
Daniel Padilha, 25 anos, confeiteiro em Maringá (o equivalente a um pasteleiro ou padeiro português) assegura que com o tipo de alimentação usual dos brasileiros, a vida em Vila de Rei é barata.
Produtos como o arroz, massa, feijão e legumes, incluem-se no capaz de compras e Marcelo Duarte já fez as contas: "as compras por mês no Brasil chegavam aos 250 euros. Aqui vai tornar-se mais barato, cerca de 150", assegura.
A integração das crianças parece estar a correr bem na nova morada. Os mais pequenos, com idades entre os três e os 11 anos, já fizeram amigos na vila e aldeias vizinhas."Vêm cá a casa, fazem lição (estudam) ficam por aqui" conta Cecília Fraga.
Uma experiência diferente está a viver Rebeca, 14 anos, filha de Cecília, a única adolescente do grupo: frequenta o 10º ano na escola de Vila de Rei, estranha os horários lectivos.
"A escola é muito diferente. No Brasil entrava às 07:15, saía às 12:30 e tinha toda a tarde livre. Aqui saio de casa as 08:00 e só volto às seis da tarde. Fico a tarde inteira estudando, é estranho" diz.
Rebeca tem saudades de Maringá, sobretudo dos amigos e da família, saudades que serão agora atenuadas com um computador recém- adquirido e a ligação à Internet que a casa de São João do Peso já possui.Não tendo, em casa, ninguém da mesma idade, assume que o dia-a- dia é "um bocadinho complicado".
"Brinco com os pequeninos e converso com os grandes. De um lado parece que volto a ser criança, do outro que cresço mais depressa" observa.
Os brasileiros vão trabalhar em empreendimentos turísticos do empresário Carlos Marçal, concessionário da Albergaria D. Dinis, equipamento com 17 quartos e um restaurante, propriedade da Câmara de Vila de Rei e dono de dois restaurantes e um empreendimento turístico na Sertã.
Com um quadro de pessoal que chega às 130 pessoas "mais de 60 efectivos", Carlos Marçal assegura que contratar mais oito empregados "não foi fácil".
Acedeu ao pedido da autarquia de Vila de Rei, após esta ter concluído que a legalização dos recém-chegados "só se podia fazer em dois ou três sectores de actividade" sendo dois deles a hotelaria e construção civil.
Questionado acerca das qualidades dos novos empregados, que receberam formação no atendimento ao público, serviço de mesa, e hábitos e costumes portugueses, afirma que "tudo ainda é uma incógnita", mas que são pessoas cultas com boas possibilidades de adaptação.
Os brasileiros têm um contrato de trabalho de um ano renovável até três e vão receber, segundo Carlos Marçal, a remuneração estipulada para um aprendiz - "um nadinha acima do salário mínimo".
Um mês depois de se instalarem, e com o Mundial de futebol à porta e um campo improvisado no quintal para os mais pequenos, Cecília lembra que "brasileiro sem futebol não é brasileiro".
Os imigrantes asseguram que vão torcer tanto pelo Brasil como pelo seu novo país na competição da Alemanha.
"Se o Brasil ganhar vou vibrar e festejar com uma caneca de cerveja, mas se Portugal ganhar vamos festejar com uma taça de vinho" afirma Pedro Oliveira, enquanto Marcelo garante que é de Portugal "até onde a equipa for".
Se a selecção portuguesa chegar à final, aí os habitantes brasileiros da casa senhorial de São João do Peso já sabem como festejar: "comendo uma imensa pizza com ingredientes portugueses e tomando muito vinho".