Burlão bem falante prometia e pagou juros a 30 por cento ao ano

por Agência LUSA

Um pretenso herdeiro, hoje descrito no Tribunal da Boa Hora, Lisboa, como "inteligente, bem falante e educado", ter-se-á apoderado de mais de 500 mil euros, prometendo e pagando alguns juros a 30 por cento/ano, livres de impostos.

à excepção de uma, as vítimas eram todas pessoas com estudos superiores e acesso a informação económica, como hoje foi salientado no Tribunal, onde o arguido não compareceu.

Todas elas eram "amigos" ou familiares de "amigos" de Pedro Miguel Alcântara Duarte.

As suas motivações são uma incógnita. "O arguido acaba de nos deixar às escuras quanto a possível atenuantes", comentou o advogado de uma das vítimas, Francisco da Costa Oliveira, referindo-se à ausência do arguido, que se crê estar em Portugal.

O mesmo causídico sublinhou que aqueles cem mil contos, hoje 500 mil euros, dizem apenas respeito a cinco vítimas que apresentaram queixa, sendo possível que haja outras.

"Inteligente, bem falante e bem educado", acrescentou, ia a casa das vítimas e convencia os pais delas que era um herdeiro milionário.

"O vulgar cidadão que trabalha toda a vida não ganha" uma quantia tão avultada, salientou ainda o mesmo advogado de acusação, sublinhando que o arguido não mostrou qualquer arrependimento, pedindo para ele prisão efectiva "que não seja interrompida ao fim de dois anos e meio".

Uma outra advogada, Cristina Alfaro, salientou os danos morais causados às vítimas e sublinhou também a ausência de uma explicação para tais burlas.

A única explicação, segundo ela é a de que vivemos num país em que "o parecer é mais importante que o ser".

Mas, para um terceiro advogado, Bernardino Amaral, quem mais contribuiu para a conduta do arguido "foram os lesados" que o conheciam há longo tempo e eram na sua maioria pessoas com estudos superiores.

Ele, acrescentou, "era exibicionista, conduzia carros desportivos e fazia muitas viagens". Explicou este último facto, por o arguido ser filho de uma funcionária de uma companhia aérea, o que lhe proporcionava bilhetes gratuitos - pormenor que as vítimas desconheciam.

"É impensável" como as vítimas não procuraram informações sobre o arguido antes de lhe entregarem quantias tão avultadas, sustentou o mesmo causídico, que pediu que ele seja condenado, não por burla, mas "por se ter substituído à banca".

Nalguns casos, não em julgamento mas referidos num depoimento, há também um lado sentimental. O arguido terá tido uma noiva a quem tratava por «Formiguinha», levou a candidata à sogra a Paris e foi até comprar os móveis a Singapura.

Dias antes do casamento, revelou-se falido e terá mesmo simulado o próprio sequestro.

Numa queixa à Polícia Judiciária, a que a agência Lusa teve acesso, o advogado de um dos queixosos conta como ele travou conhecimento com um seu cliente, durante uma viagem de finalistas à República Dominicana e ao México.

Com o decorrer dos anos aproximou-se mais dele e do seu grupo de amigos.

"Em todas as ocasiões o arguido mostrava dispor de grandes meios de fortuna, fazendo grandes dispêndios, dizendo-se envolvido em operações de investimento muito avultadas e dizendo-se titular de rendimentos de capital aplicado no estrangeiro, nomeadamente na Austrália", refere a queixa.

A queixa continua: "O arguido referiu por diversas vezes ao queixoso e aos seus amigos que vivia de rendimentos de capital, desde que herdara uma grande fortuna do seu falecido pai e que era titular de um depósito bancário numa dependência off shore do Banco Espírito Santo, sita em Nassau, nas Bahamas, na qual tinha depositado para cima de um milhão de euros".

O alegado burlão convenceu os "amigos" a depositarem o seu dinheiro ali e a receberem juros de 2,5 por cento ao mês equivalentes a 30 por cento ao ano.

De facto, ele até pagou, pelo menos a um dos queixosos, os tais juros, durante algum tempo. Um deles ficou tão convencido, que até se recusou a receber os juros e lhe pediu que os depositasse junto ao dinheiro que lhe entregara.

Mas um dia, numa encenação espectacular, o alegado burlão convidou alguns dos seus "amigos" para jantarem num restaurante no Centro Comercial de Lisboa e contou-lhes a verdade: nunca tivera qualquer conta bancária no estrangeiro, nem fizera investimentos no estrangeiro. Para além do dinheiro que lhes pagara de juro, tinha gasto em seu proveito todo o dinheiro restante. Não tinha qualquer património.

"Depois desta confissão, o arguido ausentou-se da sua morada habitual e nunca mais foi encontrado pelo queixoso", refere a queixa.

Acusado de cinco crimes de burla qualificada, cometidos de 2001 a 2003, a leitura da sentença de Pedro Miguel Alcântara Duarte foi marcada para 19 de Julho, às 14:30.

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