Cada vez mais jovens portugueses têm problemas auditivos irreversíveis

Cada vez mais jovens portugueses sofrem de problemas auditivos irreversíveis que podem levar a surdez devido à exposição prolongada a sons altos nas discotecas e festivais ou através de aparelhos de música portáteis, disseram hoje à Lusa dois especialistas.

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O culto pela música, a divulgação das tecnologias do som e de determinados hábitos de vida, nomeadamente a exposição a elevados níveis de som nas discotecas, concertos ou festivais de música, levaram a que a surdez, entre os jovens, seja actualmente considerada por especialistas, não só em Portugal, como "um problema de dimensões preocupantes".

O elevado nível de ruído destes espaços e as várias horas seguidas de exposição poderão estar a criar, de acordo com vários peritos no mundo inteiro, toda uma geração com problemas auditivos.

"Ultimamente tem-se verificado, especialmente nos jovens e jovens-adultos portugueses, um forte aumento de traumatismos sonoros, ou seja, uma lesão do ouvido interno provocada pela exposição prolongada a níveis elevados de sons [acima de 85 decibéis (dB)], que é irreversível e pode levar à surdez", disse hoje à agência Lusa o otorrinolaringologista António Nobre Leitão.

Embora não existam estudos oficiais sobre a percentagem da população que sofre de problemas auditivos ou perda de audição em Portugal, estima-se que cerca de dez por cento (um milhão de pessoas) se encontrem afectados.

"Estas estimativas baseiam-se em estatísticas norte-americanas e canadianas, através das quais se conseguiu fazer uma construção demográfica bastante realista", afirmou à Lusa a audiologista e directora da Áudioclínica Catarina Korn.

De acordo com a especialista, apesar das pessoas afectadas serem "sobretudo idosos", as dificuldades auditivas "têm aumentado na camada jovem", devido à "exposição prolongada a elevados níveis de ruído nas discotecas ou pelo uso indevido de leitores de música portáteis, nomeadamente leitores de mp3, etc."

"Em termos de causas, não sei se os problemas auditivos ou a surdez provocados pelo ruído excessivo e prolongado não atingirão mais portugueses", afirmou por sua vez, Nobre Leitão.

As pessoas que trabalham no mundo da música e os que frequentam regularmente o meio representam "um dos grupos com risco mais elevado quando se fala de perda de audição induzida pelo ruído, uma vez que a intensidade sonora em locais como discotecas pode atingir ou mesmo exceder os 120 dB, ultrapassando os limites considerados de risco para a audição", afirmou Catarina Korn.

Só para ter uma ideia do barulho ao qual as pessoas se encontram expostos nas discotecas, o barulho de um martelo pneumático ou de uma serra eléctrica atinge os 110 dB, o ruído de um trovão é próximo dos 120 db e um avião a descolar a uma distância de 30 ou 40 metros cerca de 130 dB.

Porém, de acordo com os dois especialistas, na surdez induzida pelo ruído, a causa mais frequente continua a ser "a surdez profissional" e o grupo com maior risco "os trabalhadores da construção civil, metalurgias ou operários de linha de montagem industrial".

"Também os caçadores e militares, que habitualmente manuseiem armas" estão incluidos no grupo de risco.

Nobre Leitão explicou à Lusa que existem vários graus de traumatismos sonoros, podendo estes ser "ligeiros ou profundos", dependendo "do tempo de exposição e do nível do barulho a que se expõe a pessoa".

"Há cada vez mais jovens que apresentam uma surdez neuro-sensorial, ou seja, uma surdez do ouvido interno ou nervo auditivo que, embora possa variar entre ligeira e profunda, é irreversível", frisou Nobre Leitão, sublinhando que "antigamente não era costume ter pessoas jovens com estes problemas".

De acordo com o especialista, todas as pessoas, com o passar dos anos, vão perdendo progressivamente capacidades de audição, a começar pelas frequências altas, "mas as pessoas que já têm traumatismos sonoros na adolescência, em vez de manifestarem uma surdez neuro-sensorial aos 60 anos, já podem sofrer deste problema aos 40 ou 50 anos e ver-se-ão obrigados a usar, no melhor dos casos, aparelhos auditivos ".

Os especialistas lembraram que quando a audição se encontra afectada, nem medicamentos ou intervenções cirúrgicas são capazes de ajudar e lamentaram a enorme falta de percepção de risco entre os jovens.

"Há uma enorme falta de informação pelo que os jovens não têm qualquer noção que uma exposição contínua e frequente a níveis de 100 a 120 dB provoca problemas de audição irreversíveis, que se vão formando ao longo do tempo", lamentou Nobre Leitão.

Catarina Korn explicou que a exposição a um som de 100 dB durante 15 minutos "ainda é aceitável", mas lembrou que "cada minuto a mais já tem implicações graves para a audição".

"Só quando as pessoas saem da discoteca ou dos festivais e sentem um zumbido nos ouvidos é que se apercebem do ruído ao qual estiveram expostos", disse a especialista, acrescentado que "este zumbido já é indício para uma diminuição temporária do limiar auditivo, que ao fim de muitas repetições pode tornar-se definitivo."

Se por um lado "há falta de formação e prevenção, por outro lado o estado de excitação que a música pode oferecer muitas vezes pode levar os jovens a ignorar os problemas de saúde para viver o momento. Neste sentido a musica alta pode ser comparada a um vício e funciona como uma droga", afirmou.

De acordo com os especialistas, a educação escolar sobre esta matéria é importante e necessária para levantar estas questões de forma a poder educar as crianças e jovens, para que estes tomem consciência dos riscos aos quais se expõem.

"Mas minimizar os risco de ter uma futura geração com graves problemas auditivos também passa por uma legislação e fiscalização adequada e eficaz, algo que, infelizmente ainda não acontece em Portugal, embora já exista uma lei [a Lei do Ruído]".


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