"Cariocecus bocagei" é uma nova espécie de dinossauro descoberta em Sesimbra

A descoberta de um crânio de dinossauro herbívoro bípede com cerca de 125 milhões de anos, na Praia da Área do Mastro, em Sesimbra, permitiu aos paleontólogos concluírem não só que era um dinossauro iguanodonte, como também era uma nova espécie que viveu no Cretácico Inferior. Os investigadores, inspirados pelo zoólogo português do século XIX José du Bocage, nomearam a espécie de "Cariocecus bocagei".

Carla Quirino - RTP /
Estudo Cariocecus bocagei, um novo hadrosauróide basal do Cretácico Inferior de Portugal

Em 2016, foi encontrado um "crânio excecionalmente bem preservado" na Praia da Área do Mastro em Sesimbra, no distrito de Setúbal. Foi salvo de destruição por Pedro Marrecas após um abatimento de arriba devido à ação do mar. 

O fóssil foi armazenado na Sociedade de História Natural (SHN) de Torres Vedras por Marrecas, também coautor do novo estudo e investigador da instituição.

O achado revelou um “crânio” raro de um dinossauro iguanodontídeo depositado na camada de sedimentos com cerca de 125 milhões de anos, correspondendo ao período Cretácico Inferior.

Os paleontólogos divulgam agora as principais conclusões da investigação, onde apontam que o fóssil SHN.832 corresponde a uma nova espécie de dinossauro iguanodontídeo à qual chamaram Cariocecus bocagei.

A equipa científica sublinha que esta descoberta coloca Portugal como “peça-chave para compreender a transição evolutiva entre os dinossauros herbívoros do Jurássico e os iguanodontes mais avançados do Cretácico”, sugerindo mesmo uma origem euro-africana do grupo.
Estudo "Cariocecus bocagei, um novo hadrosauróide basal do Cretácico Inferior de Portugal"

De acordo com a equipa de investigadores existem outras três espécies de iguanodontídeos identificadas no Jurássico Superior de Portugal (período cronológico anterior ao Cretácico), entre elas ‘Draconyx loureiroi’, ‘Eousdryosaurus nanohallucis’ e ‘Hesperonyx martinhotomasorum’. No entanto, do período seguinte - Cretácico - os vestígios em Portugal são muito raros.

Uma equipa internacional liderada por Filippo Bertozzo, do Centro de Paleobiologia e Paleoecologia da Sociedade de História Natural de Torres Vedras e do Museu Real de Ciências Naturais de Bruxelas, descreveu uma nova espécie de dinossauro ornitópode, publicando o artigo científico na revista Journal of Systematic Palaeontology.

Bertozzo argumenta que, em Portugal, “temos uma diversidade abundante de animais semelhantes de épocas ainda mais antigas, do Jurássico Superior, mas mais primitivos, não estando ainda dentro da linhagem dos iguanodontes".

E acrescenta: "Portugal demonstra ser uma importante ponte entre estes períodos geológicos, o que nos permitirá desvendar os segredos do sucesso evolutivo dos iguanodontes”.
SHN.832 - Cariocecus bocagei

As conclusões divulgadas explicam que, até agora, “os fósseis de iguanodontes do Cretácico Inferior eram raros e continham poucas informações".  

Agora, o novo estudo deixa claro que esta descoberta na Formação Papo Seco (barremiano inferior) "é excepcional" e compreende o "lado direito do crânio, parte da abóbada do crânio e um oranário básico quase completo".

Bruno Camilo, coautor do estudo e diretor da SHN de Torres Vedras, ressalta que esta nova espécie “representa o crânio de dinossauro mais completo alguma vez encontrado até hoje no país”.
O comprimento do crânio está estimado em 45 cm | Estudo "Cariocecus bocagei, um novo hadrosauróide basal do Cretácico Inferior de Portugal"

“Por se tratar de um exemplar jovem ou subadulto, permite conhecer o momento e as modalidades em que se deu a co-ossificação dos ossos cranianos durante o crescimento, o que é muito raro conseguir compreender num dinossauro”, acrescenta Camilo, também doutorando do Instituto do Superior Técnico.

A descoberta contribui para um melhor conhecimento da sua biologia, nomeadamente no que diz respeito à origem e diversificação destes animais durante o Cretácico. Na Praia da Área do Mastro, o fóssil estava “parcialmente visível no bloco rochoso, graças à fileira de dentes salientes” explica a investigação.

A boa preservação e tridimensionalidade do fóssil permitiram a reconstrução digital do cérebro, dos nervos cranianos e, principalmente, do ouvido interno, revelando um lobo olfativo curto e um cérebro grande, sublinham os paleontólogos.
Estudo "Cariocecus bocagei, um novo hadrosauróide basal do Cretácico Inferior de Portugal"

Embora a parte craniana do canal semicircular anterior esteja ausente, pela primeira vez é apresentada uma reconstrução precisa da anatomia dos tecidos moles do ouvido interno de um dinossauro hadrossauróide, diz o estudo.

“Conseguimos até mesmo ver a pegada dos hemisférios cerebrais e do sistema auditivo” observa Filippo Bertozzo. 

"O Cariocecus exibe uma característica única entre os dinossauros: a maxila e o osso jugal [maçã do rosto] são completamente fundidos. Será uma adaptação provavelmente concebida para fortalecer a sua mastigação. Nunca vimos isso num iguanodonte", continua.

“Não é uma anomalia isolada, mas um caráter único e, portanto, uma nova espécie", sublinha o investigador.

Além das características cranianas únicas, o norte-americano Donald Cerio, também coautor e investigador da Universidade Johns Hopkins, destaca que as “evidências fósseis das estruturas neurossensoriais, incluindo as cavidades do cérebro, dos ouvidos e dos olhos” são muito importantes para explicar a sua evolução e diversidade no Cretácico Inferior.

O estudo pode ainda contribuir para a descoberta de novas informações sobre o metabolismo dos dinossauros.

Estudo "Cariocecus bocagei, um novo hadrosauróide basal do Cretácico Inferior de Portugal"

“Estamos a aprofundar cada vez mais o conhecimento sobre capacidades sensoriais dos dinossauros, sendo que a preservação excecional do endocrânio permitiu-nos compreender melhor os detalhes dos ouvidos e audição destes animais”, sustenta Ricardo Araújo, outro dos autores e investigador do Instituto Superior Técnico e da SHN, citado na Lusa.

Para a escolha do nome, os investigadores inspiraram-se na antiga divindade da guerra venerada pelas populações locais no período pré-romano - Cariocecus -, e em José Vicente Barbosa du Bocage - bocagei -, zoólogo, naturalista e diretor do Museu Nacional de História Natural e da Ciência no Instituto Politécnico de Lisboa onde se destacou no desenvolvimento das coleções e da investigação zoológica e de taxonomia em Portugal no século XIX.

O estudo é ainda assinado por José Carlos Kullberg (Universidade Nova de Lisboa), pelo italiano Fabio Manucci, Victor Feijó de Carvalho (Sociedade de História Natural de Torres Vedras​), Silvério D. Figueiredo (Instituto Politécnico de Tomar) e pelo belga Pascal Godefroit (Real Instituto de História Natural da Bélgica).

Tópicos
PUB