País
Cavaco Silva critica morosidade da Justiça na abertura do novo Ano Judicial
O Presidente da República sublinhou, no discurso de abertura do Ano Judicial, que um Estado de Direito “não pode ser refém” daqueles que têm mais recursos. Cavaco Silva criticou a morosidade da Justiça e o excesso de recursos.
“Não é tolerável” que a conclusão de alguns processos seja protelada durante vários anos em tribunais portugueses, enfatizou o Presidente no discurso que levou à cerimónia de abertura do novo Ano Judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.
“A celeridade”, sublinhou Cavaco, “não é um valor absoluto, mas a lentidão não pode ser uma prática instalada”. E a Justiça não pode ser condicionada por aqueles que recorrem “a todos os instrumentos processuais como meio dilatório para impedir ou retardar o trânsito em julgado das decisões judiciais”.
O Presidente da República propugnou, depois, que “o Estado de Direito não pode ser refém daqueles que dispõem de maiores recursos”.
As reformas recentemente introduzidas no sector da Justiça mereceram, também, alguns reparos de Cavaco Silva, que recomendou ponderação antes da implementação das alterações. Para o Presidente, um sistema normativo terá de reunir três condições para se revelar eficaz: a auscultação de quem conhece o sector, a avaliação e eventual correcção das medidas reformadoras e a garantia de que os cidadãos possam compreender o que está em causa.
”Perguntas simples, mas essenciais”
Nos parágrafos iniciais do seu discurso, Cavaco Silva quis falar directamente ao “povo português” e deixou uma pergunta para reflexão: “Os portugueses confiam e acreditam na Justiça do seu país?”.
“O nosso povo considera que a Justiça que temos é verdadeiramente justa e igual para todos?”, questionou-se. “Perguntas simples, mas essenciais” que vêm a lume com frequência, de acordo com o Presidente.
Na mesma linha, Cavaco deixou uma palavra de apreço para aqueles que “legitimamente procuram os tribunais em busca de justiça e que esperam que os tribunais, com independência e rigor, lhes façam justiça num prazo razoável”.
O Chefe de Estado advogou, ainda, que as deficiências na engrenagem da Justiça “perturbam a fluidez da actividade económica, afastam o investimento, contribuem para o aumento das tensões e dos conflitos sociais e potenciam o crescimento da insegurança”. Da mesma forma, uma Justiça deficiente pode também contribuir para agravar fenómenos de exclusão social: “É inadmissível que as garantias processuais que existem para fazer justiça acabem por reproduzir e até amplificar desigualdades existentes na sociedade”.
Marinho e Pinto reitera acusações
O bastonário da Ordem dos Advogados levou ao Supremo Tribunal de Justiça um discurso pleno de acusações, retomando a substância da entrevista da passada sexta-feira à Antena 1. Marinho e Pinto afirmava, então, que ”existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português”.
Na cerimónia desta terça-feira, o bastonário voltou a chamar a atenção para “negócios de milhões” feitos por grupos restritos com o Estado.
“Muitas pessoas que actuam em nome do Estado e cuja principal função seria acautelar os interesses públicos acabam mais tarde por trabalhar para as empresas ou grupos que beneficiaram com esses negócios”, disse António Marinho e Pinto.
“Há pessoas que acumularam grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se soubesse a verdadeira origem do enriquecimento”, insistiu.
De mira apontada a “empresas que prestam serviços públicos de grande relevância social”, casos das comunicações postais e dos sectores das energias e telecomunicações, Marinho e Pinto disse que “há muito” se perdeu “o sentido de servir o público em benefício de estratégias que privilegiam vantagens para os accionistas”.
“Não há uma obra pública, seja qual for o seu valor, que seja paga, afinal, pelo preço a que foi adjudicada”, reiterou.
”País de extremos”
O bastonário da Ordem dos Advogados traçou um quadro sombrio da sociedade portuguesa, enfatizando que “grande parte do país - pessoas e empresas - trabalha para os bancos que acumulam lucros tão escandalosos quanto os benefícios fiscais de que gozam”.
Num “país de extremos”, prosseguiu, os “titulares de alguns serviços e instituições públicas auferem, em Portugal, que é um dos países mais pobres da União Europeia, remunerações superiores às das suas congéneres de outros países bem mais ricos”.
“Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que a corrupção e o tráfico de influências, dois dos delitos que mais ferem o Estado de Direito, se entranharam nas estruturas do Estado”.
PGR garante que crimes são investigados sem olhar a “escala social”
No seu discurso de abertura do Ano Judicial, o Procurador-Geral da República (PGR) garantiu que todos os crimes são investigados e punidos independentemente das condições sociais e políticas dos envolvidos.
“É evidente que a diferente fortuna pode dar origem a diferentes formas de defesa, mas isso não significa diverso tratamento por parte dos tribunais”, disse Pinto Monteiro, que se esforçou por deixar garantias de “tratamento igual para todos ao nível do acatamento da lei”.
Segundo o PGR, uma análise das investigações e acusações deduzidas no último ano, no plano dos “crimes de colarinho branco”, permitirá concluir que “os resultados conseguidos, não sendo ainda os pretendidos, se revelam já de acentuada tendência positiva".
Pinto Monteiro lançou, por outro lado, críticas a reformas já implementadas, incidindo na nova lei processual penal.
O Procurador-Geral da República defendeu a necessidade de garantir que alguns prazos previstos no Código de Processo Penal sejam “alterados ou clarificados”; de outro modo, “vão matar a possibilidade de apuramento de ilícitos ligados ao grande capital”.
“Não se pode sacrificar a investigação, que um prazo demasiado curto impede”, sustentou, acrescentando que “o cidadão não pode ser forçado a aguardar por um prazo longo ou até indeterminado a indefinição da sua situação processual”.
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça desfia “nós de estrangulamento”
Para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o sector encontra “verdadeiros nós de estrangulamento” nos “juízos criminais, juízos cíveis e tribunais de comércio”, assim como no ímpeto “falhado da nova acção executiva (penhoras e cobrança de dívidas)”.
“Se os tribunais superiores decidem rapidamente, o mesmo não se dirá do conjunto da primeira instância. Aqui continua a funcionar a dicotomia entre interior e litoral com a décalage demográfica correspondente”, sublinhou Noronha do Nascimento.
Nos tribunais, alertou o presidente do STJ, “conflui a mistura explosiva constituída pelas acções de dívida formigueira decorrentes da concessão de crédito e por uma acção executiva que, até agora, tem sido um fracasso”.
Na óptica do juiz conselheiro, o fracasso da acção executiva “contagia globalmente todo o sistema judiciário, como num jogo de espelhos, como se o fracasso fosse afinal do sistema inteiro”. Noronha do Nascimento considera que a Justiça está confrontada com um “paradigma executivo” que “atinge transversalmente juízos cíveis, juízos de execução e tribunais de comércio”. “A tal ponto que nos podemos perguntar se ele terá condições de sobrevivência a prazo”, concluiu.
Ministro da Justiça assinala “ano de reformas”
Em representação do chefe do Governo, o ministro da Justiça, Alberto Costa, destacou a revisão do regime da acção executiva, o mapa judiciário e a desmaterialização de processos enquanto reformas legislativas de relevo para o ano de 2008.
Segundo o governante, as reformas introduzidas na cobrança de dívidas “visam enfrentar um dos problemas mais ostensivos da vida judicial”: “Contamos com essa reforma, não apenas para resolver os problemas da reforma da acção executiva de há uns anos, mas também para alterar o panorama da acção executiva das últimas décadas”.
Quanto ao mapa judiciário, Alberto Costa afirma tratar-se de uma reforma com o objectivo de garantir “melhor acesso a uma Justiça mais pronta e, sempre que possível, especializada, num mundo em que a desmaterialização avança”.
O novo mapa judiciário visa substituir a malha de 230 circunscrições por algumas dezenas de comarcas.
No âmbito da desmaterialização de processos, o ministro da Justiça prometeu disponibilizar, “ainda durante este trimestre”, “novas formas de acesso e de entrega de peças processuais e de documentos por via electrónica”.
Num balanço do ano passado, o governante optou por salientar as revisões dos códigos Penal e de Processo Penal, a primeira Lei de Política Criminal, a mediação penal, iniciativas legislativas para fazer face ao branqueamento de capitais, financiamento de actividades terroristas e melhorar a protecção de testemunhas e a implementação de um novo enquadramento legal para a corrupção desportiva.
“A celeridade”, sublinhou Cavaco, “não é um valor absoluto, mas a lentidão não pode ser uma prática instalada”. E a Justiça não pode ser condicionada por aqueles que recorrem “a todos os instrumentos processuais como meio dilatório para impedir ou retardar o trânsito em julgado das decisões judiciais”.
O Presidente da República propugnou, depois, que “o Estado de Direito não pode ser refém daqueles que dispõem de maiores recursos”.
As reformas recentemente introduzidas no sector da Justiça mereceram, também, alguns reparos de Cavaco Silva, que recomendou ponderação antes da implementação das alterações. Para o Presidente, um sistema normativo terá de reunir três condições para se revelar eficaz: a auscultação de quem conhece o sector, a avaliação e eventual correcção das medidas reformadoras e a garantia de que os cidadãos possam compreender o que está em causa.
”Perguntas simples, mas essenciais”
Nos parágrafos iniciais do seu discurso, Cavaco Silva quis falar directamente ao “povo português” e deixou uma pergunta para reflexão: “Os portugueses confiam e acreditam na Justiça do seu país?”.
“O nosso povo considera que a Justiça que temos é verdadeiramente justa e igual para todos?”, questionou-se. “Perguntas simples, mas essenciais” que vêm a lume com frequência, de acordo com o Presidente.
Na mesma linha, Cavaco deixou uma palavra de apreço para aqueles que “legitimamente procuram os tribunais em busca de justiça e que esperam que os tribunais, com independência e rigor, lhes façam justiça num prazo razoável”.
O Chefe de Estado advogou, ainda, que as deficiências na engrenagem da Justiça “perturbam a fluidez da actividade económica, afastam o investimento, contribuem para o aumento das tensões e dos conflitos sociais e potenciam o crescimento da insegurança”. Da mesma forma, uma Justiça deficiente pode também contribuir para agravar fenómenos de exclusão social: “É inadmissível que as garantias processuais que existem para fazer justiça acabem por reproduzir e até amplificar desigualdades existentes na sociedade”.
Marinho e Pinto reitera acusações
O bastonário da Ordem dos Advogados levou ao Supremo Tribunal de Justiça um discurso pleno de acusações, retomando a substância da entrevista da passada sexta-feira à Antena 1. Marinho e Pinto afirmava, então, que ”existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português”.
Na cerimónia desta terça-feira, o bastonário voltou a chamar a atenção para “negócios de milhões” feitos por grupos restritos com o Estado.
“Muitas pessoas que actuam em nome do Estado e cuja principal função seria acautelar os interesses públicos acabam mais tarde por trabalhar para as empresas ou grupos que beneficiaram com esses negócios”, disse António Marinho e Pinto.
“Há pessoas que acumularam grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se soubesse a verdadeira origem do enriquecimento”, insistiu.
De mira apontada a “empresas que prestam serviços públicos de grande relevância social”, casos das comunicações postais e dos sectores das energias e telecomunicações, Marinho e Pinto disse que “há muito” se perdeu “o sentido de servir o público em benefício de estratégias que privilegiam vantagens para os accionistas”.
“Não há uma obra pública, seja qual for o seu valor, que seja paga, afinal, pelo preço a que foi adjudicada”, reiterou.
”País de extremos”
O bastonário da Ordem dos Advogados traçou um quadro sombrio da sociedade portuguesa, enfatizando que “grande parte do país - pessoas e empresas - trabalha para os bancos que acumulam lucros tão escandalosos quanto os benefícios fiscais de que gozam”.
Num “país de extremos”, prosseguiu, os “titulares de alguns serviços e instituições públicas auferem, em Portugal, que é um dos países mais pobres da União Europeia, remunerações superiores às das suas congéneres de outros países bem mais ricos”.
“Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que a corrupção e o tráfico de influências, dois dos delitos que mais ferem o Estado de Direito, se entranharam nas estruturas do Estado”.
PGR garante que crimes são investigados sem olhar a “escala social”
No seu discurso de abertura do Ano Judicial, o Procurador-Geral da República (PGR) garantiu que todos os crimes são investigados e punidos independentemente das condições sociais e políticas dos envolvidos.
“É evidente que a diferente fortuna pode dar origem a diferentes formas de defesa, mas isso não significa diverso tratamento por parte dos tribunais”, disse Pinto Monteiro, que se esforçou por deixar garantias de “tratamento igual para todos ao nível do acatamento da lei”.
Segundo o PGR, uma análise das investigações e acusações deduzidas no último ano, no plano dos “crimes de colarinho branco”, permitirá concluir que “os resultados conseguidos, não sendo ainda os pretendidos, se revelam já de acentuada tendência positiva".
Pinto Monteiro lançou, por outro lado, críticas a reformas já implementadas, incidindo na nova lei processual penal.
O Procurador-Geral da República defendeu a necessidade de garantir que alguns prazos previstos no Código de Processo Penal sejam “alterados ou clarificados”; de outro modo, “vão matar a possibilidade de apuramento de ilícitos ligados ao grande capital”.
“Não se pode sacrificar a investigação, que um prazo demasiado curto impede”, sustentou, acrescentando que “o cidadão não pode ser forçado a aguardar por um prazo longo ou até indeterminado a indefinição da sua situação processual”.
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça desfia “nós de estrangulamento”
Para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o sector encontra “verdadeiros nós de estrangulamento” nos “juízos criminais, juízos cíveis e tribunais de comércio”, assim como no ímpeto “falhado da nova acção executiva (penhoras e cobrança de dívidas)”.
“Se os tribunais superiores decidem rapidamente, o mesmo não se dirá do conjunto da primeira instância. Aqui continua a funcionar a dicotomia entre interior e litoral com a décalage demográfica correspondente”, sublinhou Noronha do Nascimento.
Nos tribunais, alertou o presidente do STJ, “conflui a mistura explosiva constituída pelas acções de dívida formigueira decorrentes da concessão de crédito e por uma acção executiva que, até agora, tem sido um fracasso”.
Na óptica do juiz conselheiro, o fracasso da acção executiva “contagia globalmente todo o sistema judiciário, como num jogo de espelhos, como se o fracasso fosse afinal do sistema inteiro”. Noronha do Nascimento considera que a Justiça está confrontada com um “paradigma executivo” que “atinge transversalmente juízos cíveis, juízos de execução e tribunais de comércio”. “A tal ponto que nos podemos perguntar se ele terá condições de sobrevivência a prazo”, concluiu.
Ministro da Justiça assinala “ano de reformas”
Em representação do chefe do Governo, o ministro da Justiça, Alberto Costa, destacou a revisão do regime da acção executiva, o mapa judiciário e a desmaterialização de processos enquanto reformas legislativas de relevo para o ano de 2008.
Segundo o governante, as reformas introduzidas na cobrança de dívidas “visam enfrentar um dos problemas mais ostensivos da vida judicial”: “Contamos com essa reforma, não apenas para resolver os problemas da reforma da acção executiva de há uns anos, mas também para alterar o panorama da acção executiva das últimas décadas”.
Quanto ao mapa judiciário, Alberto Costa afirma tratar-se de uma reforma com o objectivo de garantir “melhor acesso a uma Justiça mais pronta e, sempre que possível, especializada, num mundo em que a desmaterialização avança”.
O novo mapa judiciário visa substituir a malha de 230 circunscrições por algumas dezenas de comarcas.
No âmbito da desmaterialização de processos, o ministro da Justiça prometeu disponibilizar, “ainda durante este trimestre”, “novas formas de acesso e de entrega de peças processuais e de documentos por via electrónica”.
Num balanço do ano passado, o governante optou por salientar as revisões dos códigos Penal e de Processo Penal, a primeira Lei de Política Criminal, a mediação penal, iniciativas legislativas para fazer face ao branqueamento de capitais, financiamento de actividades terroristas e melhorar a protecção de testemunhas e a implementação de um novo enquadramento legal para a corrupção desportiva.