Células estaminais são negócio de milhões em Portugal

Pais ansiosos estão a pagar mil euros pela conservação do sangue do cordão umbilical dos filhos, "comprando" um serviço cada vez mais procurado, mas cuja aplicação ainda não foi cientificamente demonstrada.

Agência LUSA /

"Uma oportunidade única que pode proteger o seu filho" ou "salve a vida do seu filho" são as frases com que duas empresas que se dedicam à conservação do sangue do cordão umbilical apresentam os seus serviços.

O presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, Daniel Pereira da Silva, disse à Agência Lusa que cada vez mais é confrontado com dúvidas de mulheres que o questionam sobre se devem ou não recorrer a este serviço.

É uma pergunta difícil de responder a grávidas ansiosas que, naturalmente, estão dispostas a tudo para proteger a saúde do seu filho.

Daniel Pereira da Silva alerta, contudo, que se trata de "um investimento, com custos económicos significativos, que deve ser visto como uma potencialidade e não uma realidade".

Joaquim Silva Neves, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Maria, em Lisboa, há algum tempo que é confrontado com o pedido de grávidas para a recolha do sangue do cordão umbilical após o parto.

O número de pedidos, aliás, não pára de aumentar e sobre a colheita este médico não levanta qualquer objecção. No entanto, alerta para as poucas hipóteses de sobrevivência das células estaminais que, durante o corte do cordão, tendem a migrar para o bebé.

"Podemos recolher sangue e não estar lá nenhuma célula estaminal", disse.

O ginecologista e obstetra duvida da aplicação das células recolhidas desta forma e se alguma vez virão a ser utilizadas pelos dadores (bebés).

"Ainda não há aplicação prática deste material e nem sequer prova de que sobrevivem ao fim de 15 anos de criopreservação", disse.

Mas a Crioestaminal, a primeira empresa a fornecer em Portugal o serviço de conservação de sangue de cordão umbilical, e a Bebevida, que brevemente entrará em funcionamento, apresentam-se como capazes de proporcionar a salvação de doenças futuras através das células estaminais recolhidas no sangue.

As duas empresas disponibilizam o kit de recolha, no qual é colocado o sangue pela equipa médica após o parto, e o seu transporte para os laboratórios situados em Bruxelas (Crioestaminal) e Londres (Bebevida).

O custo total cobrado pela Crioestaminal pelo serviço de isolamento e criopreservação das células estaminais do sangue do cordão umbilical por 20 anos é de 985 euros (cerca de 200 contos).

Luís Gomes, da Crioestaminal, explicou à Agência Lusa que, desde Julho de 2004, cerca de 3.000 pais recorreram aos serviços da empresa, desembolsando 3 milhões de euros (cerca de 600 mil contos) por este serviço.

Com esta medida, os pais acreditam que estão a fazer uma espécie de seguro para o bebé.

"A recolha das células estaminais do sangue do cordão umbilical, normalmente descartado durante o parto, poderá constituir para o dador um seguro, permitindo fazer terapia celular com células próprias em determinadas doenças, sem necessidade de se submeter a listas de espera para a doação de tecidos histocompatíveis ou sem ter que arriscar terapias com tecidos não compatíveis", propõe a Crioestaminal.

Luís Gomes adiantou que, até ao momento, nenhum dos 3.000 casais necessitou das células que estão criopreservadas em Bruxelas.

Se tal acontecer, a empresa responsabiliza-se pelo seu retorno, mas mais nada.

Caberá aos médicos a sua utilização para o tratamento das doenças, embora Luís Gomes reconheça que, nos hospitais portugueses, ainda não se praticam as técnicas de reconstituição de tecidos ou órgãos com células estaminais.

A aplicação destas técnicas depende dos caminhos da ciência que, aliás, se tem debruçado sobre a utilização de células estaminais nas mais diversas patologias: Parkinson, diabetes, Alzheimer, doenças do foro cardíaco e carcinomas.

O presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular, Rui Reis, considera que a congelação de células do bebé "pode ser muito interessante", mas reconhece que ainda não existe forma de as aplicar para o tratamento de doenças.

A Bebevida, que se lança agora neste serviço, propõe aos pais a "possibilidade de salvar a sua vida e a do seu filho" através desta conservação de células estaminais.

A empresa disponibiliza a conservação de células estaminais do bebé durante 25 anos com a finalidade da sua utilização "na terapia de diversas doenças" e cobra 1.465 euros (perto de 293 contos) por este serviço.

Perante o crescimento deste tipo de serviços, o Grupo Europeu de Ética alertou recentemente para o "engano" que é congelar células do cordão umbilical para a utilização futura do dador, já que é raríssimo o seu uso no tratamento de doenças.

Este órgão consultivo da Comissão Europeia especifica que "a probabilidade de se precisar de um transplante autólogo [de tecidos provenientes do próprio dador] está estimada em aproximadamente um em cada 20 mil casos, durante os primeiros 20 anos de vida".

O Grupo Europeu de Ética alerta também que "não foi ainda demonstrado que as células que se destinam a ser utilizadas em transplantes possam ser armazenadas por mais de 15 anos".

Apesar da intensa investigação realizada nas células estaminais, particularmente sobre a sua aplicação em doenças como Parkinson, diabetes ou cancro, "não foi ainda demonstrada nenhuma prova evidente da utilidade das células estaminais".

Assim, é "altamente hipotético que as células do cordão umbilical mantidas para utilização no dador tenham algum valor no futuro", frisa o Grupo Europeu de Ética.

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