Centro de recuperação em Monsanto dá nova oportunidade a aves selvagens

Um grifo corpulento e uma gralha "faladora" são algumas das aves que nunca aprenderam a viver no meio selvagem e encontraram casa no Centro de Recuperação do Monsanto, em Lisboa, onde são visitados anualmente por cerca de três mil crianças.

Agência LUSA /

Ao contrário do comportamento que teriam no seu habitat natural, alguns dos 15 animais que vivem no "Parque dos Irrecuperáveis" mal vêem chegar um visitante aproximam-se como se fossem animais domésticos a pedir atenção.

No "Parque dos Irrecuperáveis" do Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Florestal do Monsanto (CRASPMF) vivem os animais que por estarem debilitados fisicamente ou por terem sido domesticados não voltarão a viver em liberdade.

"O grifo, que vive há quatro anos no centro, até podia ser libertado, mas mais tarde ou mais cedo iria aparecer ao pé de alguém, por estar muito habituado ao homem, e iria causar um grande susto", disse à Agência Lusa o biólogo Paulo Lopes.

"As pessoas que normalmente têm um animal selvagem em casa têm esperança que se torne um animal doméstico, mas isso é insustentável e perigoso", sublinhou o biólogo.

Tratador no Parque Florestal do Monsanto desde 1993, José Rento, o Sr.Zé, tem um carinho especial por estes animais e nem as bicadas de que é vítima quase diariamente o afastam do centro de recuperação, que adoptou como segunda casa.

"As gralhas vêm pedir festas, saltam-nos para cima do balde e roubam-nos a comida", adiantou o tratador, que conta histórias hilariantes passadas no centro como a de um texugo selvagem e agressivo que lhe fez a "vida negra".

Antes de ir para o centro, o texugo estava em casa de uma senhora que o acolheu desde bebé e que o tratava como um animal doméstico, até que descobriu da pior maneira que era selvagem, quando este lhe comeu o cão e o gato.

"Tinha mais força que um cão", comentou o Sr.Zé, que andou dois meses em tratamento devido a uma infecção causada por uma mordedura que o texugo lhe deu numa perna.

De todas as aves que estiveram no "Parque dos Irrecuperáveis", o Sr.Zé recorda com saudade um corvo que lhe falava e lhe dizia olá.

"Eles sabem quem eu sou", contou orgulhoso o tratador, 65 anos, que aprendeu no centro de recuperação todas as técnicas de dominar os animais com um verdadeiro especialista.

O grifo, que tem cerca de 30 quilos e uma envergadura de asa de três metros, é apontado pelo Sr.Zé como o animal "mais perigoso, apesar de não fazer mal" e de ter "uma adoração especial pelas meninas que o visitam", atirando-se aos atacadores dos sapatos delas.

Os animais "irrecuperáveis" são utilizados em acções de sensibilização para alertar as crianças para a importância da fauna natural, e de reprodução do Instituto de Conservação de Natureza.

Situado em pleno "coração" do Monsanto, o Centro de Recuperação de Animais Silvestres recolhe, trata e recupera animais debilitados com vista à sua devolução ao meio natural.

A paz do local, apenas quebrada pelos barulhos das aves e dos riachos artificiais que correm pela mata, é a ideal para tratar dos cerca de 50 animais que vivem no centro de recuperação.

Segundo dados do Gabinete de Comunicação do "Espaço Monsanto", o centro recebe em média cerca de 30 animais por mês da Área Metropolitana de Lisboa levados por particulares, pela GNR, pelo Parque Natural Sintra-Cascais, entre outras entidades.

A maioria dos animais que são levados para o centro são águias de asa redonda, corujas, gaivotas, falcões peneireiros, gralhas, cegonhas, melros e mochos.

Aparecem ainda algumas raposas, cobras, texugos e ouriços vítimas de caçadores, de armadilhas, de envenenamento ou por estarem a "morar" em casa de particulares ilegalmente.

O mês de Junho foi o que registou mais entradas - um total de 57 - este ano e isso deveu-se, segundo Paulo Lopes, à queda das aves de rapina nocturnas bebés dos ninhos, que as pessoas pensam que estão feridas e conduzem-nas ao centro.

Para os tratar, o centro tem uma clínica, onde é possível fazer tratamentos, intervenções cirúrgicas, radiografias e análises.

Numa sala contígua à clínica, existe uma unidade de cuidados intensivos, equipada com pequenas gaiolas, onde estavam uma coruja com um ar combalido e uma asa ligada a recuperar de uma operação, um mocho real, o maior da fauna portuguesa, e um peneireiro.

Depois do tratamento clínico, os animais vão para os parques de reabilitação até ficarem "em forma" para poderem regressar ao seu ambiente natural.

"Os animais são libertados no local onde foram apanhados para ser mais fácil encontrar o seu habitat", explicou o biólogo do centro.

Ao contrário dos irrecuperáveis, os tratadores "não dão grande conversa" a estes animais para não se habituarem à presença humana e ser mais fácil a sua libertação, disse o Sr.Zé, contando que "muitas vezes até os tapa" para eles não o verem.

"Ao mesmo tempo que sinto pena de os ver ir embora, também tenho muito gosto quando os liberto e os vejo ir para a vida deles e conquistar a sua liberdade", acrescentou.

Para não perderem o hábito da caça, as aves são alimentadas com animais vivos, como ratos e coelhos, que se reproduzem no biotério existente no local.

O Centro de Recuperação de Animais Silvestres, propriedade da Câmara de Lisboa, integra a rede nacional de centros de recuperação, cuja regulamentação é definida pelo Instituto de Conservação da Natureza.

HN.

Lusa/Fim


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