Cocaína ganha protagonismo, mas cannabis é a mais consumida
A cocaína está a ganhar protagonismo no panorama europeu, continente onde cerca de nove milhões de pessoas, três por cento da população adulta, já consumiu esta droga, revelou hoje o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT).
O relatório do OEDT contém dados, relativos a 2003 (ou do último ano disponível), e refere-se aos 25 Estados-Membros da UE, à Noruega e a três países candidatos - Bulgária, Roménia e Turquia.
A cannabis é a droga mais consumida em toda a Europa, onde 62 milhões (20 por cento da população adulta) já a experimentaram ao longo da vida, mas a cocaína aparece logo em segundo lugar, apontando as estimativas do OEDT que mais de nove milhões de europeus já tenham consumido esta substância.
Segundo os dados da agência da UE de informação sobre droga, sedeada em Lisboa, "é provável" que entre 3 milhões e 3,5 milhões (um por cento da população adulta) tenham experimentado cocaína no último ano e que cerca de 1,5 milhões sejam consumidores actuais, que consumiram esta droga no último mês.
Este consumo regista-se principalmente entre os jovens adultos (15-34 anos), sexo masculino e residentes nas zonas urbanas, diz o OEDT, acrescentando que o consumo varia consideravelmente entre países, calculando-se que, com base na maioria dos inquéritos nacionais, que um a 11,6 por cento dos jovens europeus já experimentaram cocaína e que 0,2 a 4,6 a consumiram nos últimos 12 meses.
Os países que registam maior consumo são a Espanha e o Reino Unido, com mais de quatro por cento de consumo entre os jovens adultos no último ano, valor que ultrapassa os níveis de consumo recente de ecstasy e anfetaminas.
"Estas estimativas já se aproximam dos valores registados nos Estados Unidos (EUA), aumentando o receio de que a cocaína se esteja a impor como a droga estimulante de eleição para muitos jovens de várias partes da Europa", afirma o OEDT no relatório.
Em contrapartida, o consumo de "crack" (um derivado da cocaína, para fumar, e uma droga que é associada particularmente a problemas sociais e de saúde pública) continua a ser limitado na Europa, apenas atingindo valores elevados em algumas cidades, designadamente na Holanda e Reino Unido.
O relatório do OEDT dá também conta do aumento do número de europeus que procuram tratamento devido à cocaína, estimando em 10 por cento do total de pedidos de tratamento, embora haja variações consideráveis entre países.
As percentagens mais elevadas de pessoas que procuram tratamento para a toxicodependência da cocaína registam-se em Espanha (26 por cento) e na Holanda (38 por cento).
O OEDT refere que as mortes relacionadas com o consumo de cocaína "constituem um problema grave, que poderá estar a ser subestimado", e acrescenta que o consumo é frequente entre os consumidores de opiáceos (como a heroína), sendo a droga geralmente detectada, juntamente com os opiáceos, nos casos de morte por overdose.
O Observatório estima que em cerca de 10 por cento das mortes relacionada com a droga a cocaína tenha um "papel determinante".
As estatísticas citadas pelo OEDT apontam que a quantidade de cocaína apreendida quase duplicou entre 2002 e 2003, passando de 47 para mais de 90 toneladas, "o que sugere que a Europa é presentemente um mercado importante desta droga".
A maior parte da cocaína entra na UE através da Península Ibérica e da Holanda, onde se registaram a maior quantidade de apreensões entre 2002 e 2003.
Apesar deste panorama, a cannabis continua a ser, de longe, a droga mais consumida em toda a Europa, calculando o OEDT que já 62 milhões de europeus (mais de 20 por cento da população adulta) já a tenham experimentado.
Mais de 20 milhões (seis por cento da população) consumiram no último ano e cerca de 9,5 milhões (quatro por cento da população) são classificados como consumidores actuais, refere o OEDT, acrescentando que aproximadamente três milhões de jovens adultos, na sua maioria do sexo masculino, consomem diariamente ou quase diariamente.
"Desde meados dos anos 90 que o consumo de cannabis na Europa tem mostrado tendência para crescer, mas o panorama geral da UE no que respeita a esta droga tem sido desigual, destacando-se tradicionalmente o Reino Unido como país com maior consumo" diz o OEDT.
No entanto, outros países estão a aproximar-se do Reino Unido (19,5 por cento), onde a situação estabilizou desde 1998, registando a República Checa 22,1 por cento, a França 19,7 por cento e Espanha 17,3 por cento.
Portugal faz parte dos Estados-Membros com menor consumo recente entre os jovens adultos, a par da Grécia, Suécia e Polónia.
No que se refere a outras drogas, os dados do OEDT referem também uma tendência para o crescimento do consumo de ecstasy e anfetaminas entre os jovens adultos na maioria dos países da UE e estima que cerca de 2,6 milhões de adultos (0,8 por cento da população adulta) consumiram ecstasy recentemente.
Os inquéritos nacionais citados pelo OEDT revelam que 0,6 a 13,6 por cento dos jovens adultos já experimentaram e que 0,4 a 6,0 por cento o fizeram no último ano.
A Dinamarca, a Estónia e o Reino Unido são os países com índices mais elevados de consumo recente de anfetaminas (aproximadamente três por cento), mas o Reino Unido é o único país da UE que registou uma "diminuição significativa" da utilização na faixa etária dos 15 aos 34 anos.
A agência refere ainda que a Europa continua a ser o principal centro de produção de ecstasy, "embora a sua importância esteja a diminuir à medida que o fabrico de ecstasy se estende a outras regiões do mundo".
Cerca de 82 por cento das apreensões mundiais de ecstasy, em volume, registaram-se na Europa Ocidental e Central e a Holanda foi o principal país de origem das anfetaminas apreendidas em 2003.
No que se refere a metanfetaminas (estimulante do tipo das anfetaminas), o relatório do OEDT sublinha que, apesar dos consumos desta estarem a aumentar em África, Ásia, Austrália, Nova Zelândia e EUA, esta situação na se verifica na UE, verificando-se apenas um uso "significativo" deste estimulante na República Checa e na Eslováquia.
Apesar disso, o OEDT recomenda uma "vigilância particular e o estabelecimento de acções preventivas", já que o mercado europeu de estimulantes está em expansão e existe a hipótese de o consumo de metanfetaminas se disseminar.
No relatório deste ano, o OEDT manifesta alguma preocupação face à popularidade dos alucinogénios naturais (como os cogumelos alucinogénios).
O OEDT destaca que o consumo de substâncias alucinogénicas sintéticas, como o LSD, continua a ser baixo em toda a Europa, mas que existem dados que apontam que o uso de alucinogénios naturais é um fenómeno relativamente comum entre os estudantes do ensino secundário (15-16 anos).
Em 2003, prevalência do consumo de cogumelos alucinogénios era equivalente do ecstasy na República Checa, Dinamarca, Itália, Holanda, Áustria e Polónia e superior na Bélgica, Alemanha e França.
O policonsumo de drogas é outra das preocupações do OEDT.
Actualmente, o policonsumo constitui um aspecto central do fenómeno da droga a nível europeu, afirma o OEDT, considerando que, por este motivo, "fazer análises baseadas numa substância específica deixou de ser realista".
"A análise actual do impacto do consumo de droga na saúde pública necessita de ter em conta o quadro complexo do consumo inter- relacionado de substâncias psicoactivas, incluindo o álcool e o tabaco. Se nos concentrarmos nas tendências relativas a uma única substância e se ignorarmos a inter-relação entre os diferentes tipos de drogas, poderemos ser induzidos em erro", considerou o director executivo do OEDT, Wolfgang Gotz.