Colectivo dá como provados crimes dos sete arguidos

O colectivo de juízes do processo Casa Pia acaba de dar como provados os crimes imputados aos arguidos Carlos Cruz, Carlos Silvino, Ferreira Diniz, Manuel Abrantes, Jorge Ritto, Hugo Marçal e Gertrudes Nunes. À entrada para a sessão de leitura do acórdão, vários intervenientes manifestaram um desejo comum: que seja feita justiça. A convicção geral era, no entanto, a de que o processo não terá o seu fim com a sentença.

RTP /
O julgamento do processo de abusos sexuais na Casa Pia chega ao fim quase seis anos após o seu início Miguel A. Lopes, Lusa

Foi com mais de uma hora de atraso que no Campus da Justiça, em Lisboa, o colectivo de juízes presidido por Ana Peres deu início à leitura do acórdão final do processo.

O colectivo deu entretanto como provados factos criminais relativos a todos os sete arguidos, Carlos Silvino, ex-motorista da Casa Pia, o ex-provedor da instituição Manuel Abrantes, o médico João Ferreira Diniz, o advogado Hugo Marçal, o apresentador de televisão Carlos Cruz, o embaixador Jorge Ritto e Gertrudes Nunes, dona da casa em Elvas onde terão ocorrido os abusos sexuais.

Na leitura dos factos provados, os juízes enfatizaram que os arguidos agiram sabendo que estavam a violar a lei, conscientes de que estavam a prejudicar o desenvolvimento físico, psicológico e da personalidade das vítimas, cujas idades as impediam de "decidir livremente e em consciência".

Em relação ao apresentador Carlos Cruz, o tribunal já deu como provadas duas situações de abusos sexuais sobre menores ocorridos numa casa na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa, e pelo menos uma numa casa em Elvas.

Quanto a Carlos Silvino, o tribunal deu como provados abusos ocorridos nas garagens do colégio Pina Manique, em colónias de férias da Casa Pia e no "barracão" onde o arguido vivia, entre outras situações. O tribunal deu também como provado que Silvino abusou dos três menores que o acusam no processo apenso, entre os quais "Joel", cujas queixas motivaram a abertura da investigação.

Em relação ao arguido Hugo Marçal, pronunciado por lenocínio (fomento à prostituição com fins lucrativos), o tribunal considerou provado que o arguido providenciou uma casa em Elvas, pedida à arguida Gertrudes Nunes, para que aí decorressem abusos.

Relativamente ao embaixador Jorge Ritto e o médico Ferreira Diniz, os juízes deram também como provados abusos em diversos locais, como uma vivenda no Restelo e uma casa na Alameda Afonso Henriques.

A juíza Ana Peres anunciou que ainda antes do almoço iria ler a fundamentação do acórdão relativa ao processo apenso, seguindo-se depois do almoço a fundamentação do processo principal.

Carlos Silvino, Manuel Abrantes, João Ferreira Diniz, Hugo Marçal, Carlos Cruz, Jorge Ritto e Gertrudes Nunes respondem perante o tribunal, entre outras, à acusação de crimes de abuso sexual, acto sexual com adolescente e lenocínio.

Pedro Namora emocionado mas convicto na condenação


Pedro Namora, um dos ex-casapianos que foi rosto das denúncias de abusos sexuais na instituição, disse acreditar que todos os acusados serão condenados, depois de o colectivo de juizes ter dado como provados crimes praticados pelos sete arguidos.

Em declarações aos jornalistas, Pedro Namora sublinhou que o colectivo presidido pela juíza Ana Peres deu como provado que "os miúdos sempre falaram a verdade. Confirmam-se crimes de abusos praticados na casa de Elvas, no edifício das Forças Armadas e na casa de Carlos Silvino".

O ex-casapiano espera "condenações efectivas e pesadíssimas", defendendo ainda que os arguidos aguardem na cadeia pela decisão de eventuais recursos.

Pedro Namora revelou que durante a leitura do acórdão as vítimas presentes se mostraram extremamente emocionadas: "Uma das vítimas mais abusadas treme tanto que se sente em todo o banco em que estamos sentados. São miúdos complemente destroçados".

Ao início da manhã, à chegada ao tribunal, o ex-casapiano confessava ser hoje um dia de forte emoção, mas sobretudo um dia há muito esperado, dado chegar ao fim um processo "demasiado longo", para sublinhar que "estes jovens andam à procura de justiça há oito anos".

Pedro Namora deixou na altura uma forte crítica a "alguma comunicação social que, nestes últimos dias, tem preferido revelar os destinos paradisíacos das férias dos arguidos em vez de falar do sofrimento das vítimas".

Defesa de Carlos Cruz preparada para recorrer

Com Carlos Cruz a esquivar-se às solicitações dos jornalistas, remetendo uma reacção à decisão do colectivo para a parte da tarde, o advogado Serra Lopes aceitou antes da leitura do acórdão abordar o que será o futuro da defesa do apresentador: "Temo como fatal que teremos de recorrer. Este tem de ser o primeiro round e é bom que assim seja".

"Não é suposto o processo parar aqui", afirmou o advogado de defesa, admitindo uma eventual condenação do apresentador.

Igualmente interceptada à entrada do tribunal, Catalina Pestana, ex-provedora da Casa Pia, também se escusou a responder aos jornalistas: "Seria uma falta de respeito total para com o tribunal pôr-me aqui a dar palpites. Não é o fim do jogo mas, para mim, hoje é um dia determinante".

A noção clara de que o processo não acaba aqui"
Miguel Matias, advogado das alegadas vítimas dos abusos, considera que o facto de esta fase do processo chegar ao fim constitui já um factor positivo. Contudo, o causídico sublinha que os seus clientes "têm a noção clara de que o processo não acaba aqui". 

"Para eles, a satisfação é dada no dia da decisão de primeira instância. A questão das outras instâncias é uma questão que será sempre um direito para qualquer pessoa, seja para os arguidos, seja para eles próprios, e será naturalmente um repor, no meio-termo, numa decisão de equilíbrio, num afinar de algum pormenor que tenha escapado na primeira decisão. E naturalmente que aí sim vai demorar mais tempo", antecipou Miguel Matias, em declarações à rádio TSF.

Por seu turno, o advogado de Carlos Silvino mostra-se convicto de que o seu cliente vai ser condenado, mas afirma também que as condenações não podem ficar só por aí: "Se não fossem condenados, seria um escândalo extraordinário, um escândalo que nem no tempo de Salazar seria admissível".

"Todos os arguidos são culpados, os que lá estão e outros que saíram. Na minha opinião, tendo em atenção que o meu cliente tem 54 anos - acaba por ser um produto da própria Casa Pia, um produto da falta de cuidado e de atenção do Estado -, a pena terá que ser uma pena até cinco anos e suspensa na sua execução. O meu cliente não pode ser o bode expiatório de todos os erros do Estado", sustentou José Maria Martins, também ouvido pela TSF.

(em permanente actualização)

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