“Acabei de decretar o estado de emergência”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos portugueses na noite de 18 de março do ano passado. As medidas, que incluíam o dever geral de recolhimento e o encerramento do comércio e restauração, entrariam em vigor poucas horas depois.
Para o Presidente da República, o estado da pandemia no país há um ano assemelhava-se a uma guerra. Nesse dia, tinham-se registado 194 novos casos diários e o país acumulava já 642 infeções e dois óbitos, no total. Hoje, passado um ano, somam-se mais de 800 mil casos acumulados de infeção pelo novo coronavírus e quase 17 mil vítimas mortais.
Essa primeira declaração do estado de emergência, tal como todas as que se seguiriam, veio conferir às autoridades a “competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional”. Assim dita a Constituição Portuguesa.
“Apelo contra o desânimo pelo que corre mal ou menos bem; contra o cansaço de as batalhas ainda serem muitas; contra a fadiga. Tudo o que enfraquecer e dividir, alongará a luta e torná-la-á mais custosa”, declarou, na altura, Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi assim, com o país em situação de calamidade pública, que o estado de emergência pôde originar a suspensão de direitos e liberdades dos portugueses. Algo que não era visto há quase 50 anos. Quando, em Portugal, se dava início ao primeiro estado de emergência, pelo mundo fora já 25 outros países tinham dado esse passo – na maioria nações europeias.
Coube ao primeiro-ministro quebrar a tensão que se fazia sentir no país perante a incerteza do que estaria por vir. Foram tomadas medidas para três grupos de cidadãos: o primeiro incluía doentes infetados ou casos suspeitos, que passaram a ter a obrigatoriedade de isolamento; o segundo era o de pessoas de risco, como idosos ou doentes crónicos, que podiam sair só em “circunstâncias excecionais”; o terceiro grupo era composto por todos os outros cidadãos, que passariam a estar sob um dever geral de recolhimento.
Medidas mais gerais incluíram o teletrabalho sempre que este fosse possível, o encerramento de todos os estabelecimentos comerciais – à exceção de supermercados, padarias, farmácias, pontos de combustível e quiosques – assim como de restaurantes, que passaram a funcionar em regime take-away.
No dia seguinte, António Costa apresentaria as medidas de apoio às empresas e famílias para os próximos três meses. A prioridade era preservar empregos e evitar encerramentos de empresas, tendo para isso sido ativadas linhas de crédito e adiado o pagamento de impostos.
“Este é um momento de urgência sanitária”, disse então o chefe de Governo, mas também de “urgência económica”. “Esta não é uma luta só contra o vírus, é uma luta pela nossa sobrevivência”, frisou. “Está em causa salvar a vida dos portugueses”.
Quem desrespeitasse o isolamento obrigatório incorria em crime de desobediência, e não foi preciso muito tempo até que as primeiras pessoas fossem detidas. A 23 de março, apenas quatro dias depois da entrada em vigor do estado de emergência, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, avançava a detenção de sete pessoas, incluindo uma que estava contagiada com o novo coronavírus.
Ao fim dos 15 dias que durou esse primeiro estado de emergência, tinham já sido detidas 108 pessoas pela PSP e GNR. Foram ainda recusadas mais de mil entradas no país através das fronteiras com Espanha.
Os elogios a Portugal
O estado de emergência vigorou até às 23h59 do dia 2 de abril, mas não iria ficar por aí. Foi renovado, apesar de a decisão no Parlamento não ter sido unânime, e implicou restrições particularmente apertadas na Páscoa, altura em que estiveram proibidas as deslocações para fora do concelho de residência e em que os aeroportos foram encerrados.
Por essa altura, Portugal havia sido elogiado internacionalmente por vários países pelo modo como lidou até então com a Covid-19, sendo inclusivamente comparado com Espanha, que via a pandemia crescer pelo país sem conseguir colocar-lhe um travão.
“Portugal tem conseguido controlar o crescimento explosivo de casos que está a acontecer noutros países europeus”, enaltecia a CNN no final de março. “Portugal é considerado hoje um bom exemplo de controlo ao avanço do coronavírus. Os portugueses seguiram à risca as recomendações da Organização Mundial de Saúde”, lia-se a 9 de abril no alemão Der Spiegel. “Exceção latina”, caracterizava o suíço Le Temps.
A 1 de maio, até o então Presidente norte-americano Donald Trump telefonou ao homólogo Marcelo Rebelo de Sousa para elogiar Portugal. “O Presidente americano elogiou o desempenho português neste surto pandémico e ofereceu toda ajuda que fosse considerada útil e necessária, o que o Presidente português agradeceu”, lia-se numa nota do Chefe de Estado.
A tendência decrescente do número de novos casos manteve-se durante o verão. Apesar de todos os festivais habituais dessa estação terem sido cancelados e de os números do turismo terem sido distantes do que foram um ano antes, as medidas relaxaram e os portugueses puderam circular, ir à praia e até viajar para fora do país, desde que nunca deixassem de cumprir as regras então já bem conhecidas do distanciamento físico, etiqueta respiratória e higienização das mãos.
Segunda vaga fez voltar o estado de emergência
Em setembro, depois de um final de ano letivo marcado pelas aulas online, uns meses antes, foi retomado o ensino presencial. Ao mesmo tempo que começavam as aulas e se regressava ao trabalho, os efeitos na evolução da curva pandémica fizeram-se sentir.
Em outubro foram ultrapassados, pela primeira vez desde abril, os mil casos diários de infeção por Covid-19. Os números continuaram na ordem crescente e, a 9 de novembro, foi decretado o quarto estado de emergência no país. Era oficial: Portugal enfrentava a segunda vaga da pandemia.
Poucos dias depois da entrada em vigor do novo decreto, Marcelo Rebelo de Sousa previu que seriam necessários vários meses de estado de emergência para “esmagar a curva da epidemia”. Tinha razão.
A curva epidemiológica passou a modo montanha-russa, com sucessivos recordes nos números de casos de infeção, mesmo depois de, em outubro, o Governo ter decretado a obrigatoriedade do uso de máscara na rua – medida que até hoje se mantém.
A restrição de circulação entre concelhos foi excecionalmente levantada na época natalícia – mas não no Ano Novo – para que agregados familiares pudessem celebrar juntos, sendo sempre aconselhados a manterem o distanciamento possível e a limitar ao máximo o número de pessoas nos encontros, que idealmente deveriam acontecer em espaços abertos e arejados.
A decisão acompanhava o que tinha sido decidido em vários países europeus. E, tal como nalguns desses países, também em Portugal o plano saiu furado. Após os convívios natalícios o número de novos casos voltou a subir, lançando a nação para uma terceira onda da pandemia e obrigando, mais uma vez, ao encerramento de todos os serviços não essenciais.
Os elogios que meses antes orgulhavam o país pelo modo como controlou a propagação da pandemia estavam agora muito para trás, com Portugal a tornar-se, a 22 de janeiro, a pior nação do mundo nas taxas de infeção e de mortalidade por cada milhão de habitantes.
A medida, que muitos acreditam ter pecado pela demora, parece ter surtido efeito pouco depois. Os novos casos diários de contágio voltaram a descer e, a 11 de março, foi finalmente anunciado o plano de desconfinamento gradual para os próximos meses.
Na última segunda-feira deu-se início à primeira de quatro fases do plano: foi retomado o ensino até ao 1.º ciclo, as livrarias e cabeleireiros puderam reabrir e o comércio ao postigo voltou a ser permitido.
A segunda fase, com início a 5 de abril, traz consigo a retoma das aulas nos 2.º e 3.º ciclos, a abertura de lojas até 200 m2 com porta para a rua e o regresso de museus e feiras, assim como de esplanadas, onde poderão estar grupos de até quatro pessoas.
A 19 de abril volta o ensino secundário e superior presencial e abrem lojas de cidadão, cinemas, centros comerciais e restaurantes (com limitação horária). Apenas na última fase, a 3 de maio, a restauração pode reabrir sem restrições horárias. Nessa data voltam também as atividades desportivas e eventos exteriores.
O Governo alertou, no entanto, que um retrocesso na evolução da pandemia no país poderá alterar o plano. A própria Direção-Geral da Saúde traçou “linhas vermelhas” que não podem ser ultrapassadas no desconfinamento, entre as quais a da incidência, que não pode ser superior a 60 casos por 100 mil habitantes, ou o R – índice que mede a evolução do contágio –, que deve estar abaixo de um.
Em que ponto estamos, ao fim de um ano?
A nação atravessa agora o 13.º estado de emergência no espaço de um ano e não está descartada a hipótese de uma quarta vaga. A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, alertou ainda este mês que o perigo está nas novas variantes e na incógnita sobre como estas se vão comportar.
Ainda assim, um ano após o primeiro estado de emergência em Portugal e três vagas depois, o país tem agora a esperança de que as recentes medidas mais apertadas, em conjunto com a administração de vacinas contra a Covid-19 pela população, possam significar o fim de um pesadelo.
Mas o eventual fim da pandemia no país não apaga o rasto de destruição económica que esta deixou para trás. A Pordata lançou este mês estatísticas sobre os números da crise e da pandemia que permitem perceber “o impacto económico e social da Covid-19 na vida dos portugueses desde março de 2020”.
É neste estado, com um misto de incerteza e esperança a pairar no ar, que se encontra Portugal, exatamente um ano depois de decretado o primeiro estado de emergência em democracia, a 19 de março de 2020.