Cumplicidades com Mário Sacramento ultrapassavam o PCP

por © 2007 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Meio século depois do I Congresso que reuniu em Aveiro os oposicionistas a Salazar, Clara Sacramento, filha do principal impulsionador, recusa que tenha sido "uma acção orquestrada pelo PCP" e destaca a união dos democratas então conseguida.

O cinquentenário do I Congresso Republicano, que a 06 de Outubro de 1957 reuniu na cidade a oposição ao regime do Estado Novo, vai ser assinalado no sábado, sob a égide do governo civil.

O facto de o médico e escritor Mário Sacramento estar na altura ligado ao PCP é indiscutível, mas a filha contraria a tese de que o I Congresso foi uma realização do PCP, que se serviu de outros democratas.

Tem mesmo dúvidas se o pai manteria hoje, se fosse vivo, essa ligação partidária, tanto mais que, pouco antes de morrer, evidenciava já algum distanciamento em relação às orientações do partido, sobretudo depois de ter estado em França.

"Não sei se o meu pai hoje seria comunista", interroga-se.

A certeza que lhe fica é a de que o sucesso do I Congresso Republicano se ficou muito a dever à capacidade de mobilizar gente de várias sensibilidades políticas e às amizades que cultivava.

"O meu pai aproveitou esses contactos e amizades para reunir as pessoas numa coisa que na altura foi perigosa.

Não era época para divisões. Salazar personificava o Portugal mais retrógrado e o congresso foi uma pedrada no charco. Não imaginavam que iria ter essa força", comenta.

Segundo Clara Sacramento, o pai era convicto nos seus ideais, mas cultivava amizades com pessoas que nada tinham a ver com a sua militância no PCP e que foram úteis para que o congresso fosse possível, no contexto político da época.

Dá como exemplo a relação que mantinha com o governador civil de Aveiro, Vale Guimarães, com quem tinha estudado na mesma turma no Liceu, que terá sido determinante para que o congresso fosse autorizado e sugere mesmo que até os bons ofícios do Arcebispo de Aveiro ele conseguiu para que o I Congresso se realizasse.

Do que não restam dúvidas é que D. João Lima Vidal intercedeu pela libertação dos presos políticos.

O prelado chegou nessa altura a ter problemas com o regime, conforme confirmou à Lusa monsenhor João Gaspar, na época seu secretário, porque Mário Sacramento o convenceu a ser subscritor de um abaixo-assinado pela libertação de políticos presos pela PIDE.

Clara Sacramento refere que as relações de Mário Sacramento com o Arcebispo foram-lhe confidenciadas pela mãe, Cecília Sacramento, que elogiava a disponibilidade e coragem de D. João Lima Vidal.

Embora ideologicamente nos antípodas, Mário Sacramento também era sensível às causas do Arcebispo.

"O meu pai tinha um fundo religioso, embora as pessoas não soubessem. Ajudava as obras sociais da Igreja", explica.

Clara Sacramento era então uma criança de oito anos quando o pai, médico de profissão, escritor nas horas vagas e oposicionista ao Estado Novo em todos os momentos, se empenhou na mobilização das forças democráticas para a realização do I Congresso Republicano, na cidade de Aveiro, a 06 de Outubro de 1957.

Retém imagens difusas da azáfama dos preparativos e, pequenina que era, deu o seu pequenino contributo, não porque percebesse do que se tratava, mas por achar piada à brincadeira que o pai lhe arranjou para a entreter: nada mais, nada menos, do que colar os selos nas convocatórias.

"Recordo-me de estar a colar selos, a ajudar, e lembro-me que o material das sessões tinha o busto da República. Era tudo verde e vermelho. Lembro-me também das bandeirinhas", revive.

Tem ideia de que havia "pessoas de idade" a participar com entusiasmo nos trabalhos preparatórios, numa espécie de sede perto da Igreja da Vera-Cruz, zona onde se localizavam os escritórios de advocacia de outros dois membros da comissão promotora: Costa e Melo e Manuel das Neves.

Recorda também, do ambiente desse primeiro congresso, que "era tudo ainda muito tradicional, de fato e gravata, diferente dos congressos da oposição democrática posteriores".

"Eram figuras históricas do republicanismo. A oposição aproveitava as comemorações das efemérides como o 31 de Janeiro, o 05 de Outubro e o 16 de Maio para realizar iniciativas e em Aveiro havia muitas referências dessa época e desses ideais. Basta ver pelos nomes das ruas", comenta.

De ouvir, mais tarde, as conversas em casa, sabe que, dos congressos oposicionistas, o primeiro "foi o mais difícil de organizar porque nos anos 50 o salazarismo ainda tinha força".

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