Decisão do Tribunal da Relação sobre caso Casa Pia demorou 17 meses

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) demorou 17 meses a pronunciar-se sobre um recurso do Ministério Público (MP) pela decisão de não levar a julgamento, no âmbito do processo Casa Pia, Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves.

Agência LUSA /

O recurso do MP a tal decisão foi apresentado a 15 de Junho do ano passado, mas só hoje o TRL se pronunciou, por unanimidade, pela não ida a julgamento do antigo deputado socialista Paulo Pedroso, do humorista Herman José e do arqueólogo Francisco Alves.

O Tribunal, na generalidade, deu como válidos os argumentos apresentados pela juíza de instrução do processo, Ana Teixeira e Silva, para não levar os três a julgamento, bem como para diminuir o rol de crimes com que cada um dos sete arguidos vinha acusado.

Ana Teixeira e Silva divulgou o despacho de pronúncia a 31 de Maio do ano passado e nele o arqueólogo sub-aquático Francisco Alves foi despronunciado dos 34 crimes de lenocínio (fomento da prostituição) de que estava acusado pelo MP, apenas respondendo por posse ilegal de arma, em processo autónomo.

O apresentador de televisão Carlos Cruz, acusado de nove crimes de abuso sexual de criança e um de acto homossexual com adolescente, passou a responder por cinco crimes de abuso e um de acto homossexual.

O embaixador Jorge Ritto foi pronunciado por sete crimes de abuso sexual de criança e dois de lenocínio, menos 23 do que estava acusado.

O médico Ferreira Dinis, acusado de 48 crimes de abuso sexual de menores, responde agora por 18 e o advogado Hugo Marçal por 14 crimes de abuso sexual de menores (menos 15 do que estava acusado) e por 22 crimes de lenocínio (menos três).

Carlos Cruz, Ferreira Dinis, Gertrudes Nunes e Manuel Abrantes, que estavam em prisão domiciliária, viram na altura a medida de coacção suavizada para obrigatoriedade de permanência no concelho de residência.

Quanto a Paulo Pedroso (que estava acusado de 23 crimes de abuso sexual de crianças e que chegou a estar preso preventivamente cinco meses), a juíza de instrução considerou que a identificação do antigo deputado feita pelas vítimas, através de fotografias e pormenores físicos, colocava "sérias e fundadas dúvidas sobre a qualidade e a validade" das descrições.

"Os reconhecedores nada sabiam do arguido Paulo Pedroso: nem o seu nome, nem a profissão (apenas um deles achava que era +político+).

Nenhum deles mencionou características faciais de relevo (indivíduo de óculos, mais novo que o arguido Jorge Ritto) nem outros elementos distintivos perceptíveis no contexto (como por exemplo, a marca do carro)", disse a juíza no despacho.

Quanto a Herman José, a juíza considerou ter ficado "inequivocamente demonstrado" que o humorista estava ausente de Portugal na data em que é acusado de acto homossexual com adolescente.

E finalmente, em relação a Francisco Alves, Ana Teixeira e Silva entendeu que não existiam elementos de prova de que o arqueólogo sabia que a sua casa era usada para práticas sexuais com menores da Casa Pia.

A 15 de Junho do ano passado o MP recorreu da decisão da juíza de instrução do processo Casa Pia de não levar a julgamento os arguidos Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves, uma decisão do MP secundada pelos advogados das alegadas vítimas.

Além de argumentar que existiam indícios no processo para levar aqueles três arguidos a julgamento pelos crimes de que vinham acusados, o MP pediu também que fossem revistas as medidas de coacção, algumas das quais foram suavizadas por Ana Teixeira e Silva.

Porém, em Agosto do ano passado, o advogado das vítimas do processo Casa Pia revelava que tinha pedido o afastamento do desembargador Varges Gomes, que fora nomeado pelo Tribunal da Relação como juiz relator do recurso do MP pela não ida a julgamento de Paulo Pedroso. Na altura surgiram notícias de que Varges Gomes teria alegadas ligações ao PS.

O pedido de afastamento teve de ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas uma decisão nesse sentido só começaria a tomar forma em Setembro do ano passado, já que só a 06 de Setembro o incidente de recusa deu entrada no Supremo Tribunal, tendo sido determinado que só seria distribuído a um juiz relator no dia 15, data da reabertura dos tribunais após as férias judiciais de Verão.

A 06 de Outubro, porém, o STJ recusou-se a analisar, "por falta de objecto", o pedido feito pelo advogado das vítimas, Pinto Pereira, para o afastamento do desembargador Varges Gomes.

O STJ entendeu não ter que se pronunciar sobre o pedido de afastamento de Varges Gomes, já que não foi este desembargador o sorteado para decidir a pronúncia ou não pronúncia (ida ou não a julgamento) de Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves, disse então à Lusa fonte ligada ao processo.

Os advogados da Casa Pia pediram depois um segundo afastamento de juízes do processo, desta vez Carlos Almeida e Tello Lucas, com o argumento de que aqueles desembargadores participaram no acórdão da Relação de Lisboa que libertou o antigo deputado Paulo Pedroso da prisão preventiva.

O STJ acabou por deferir o pedido, mas a decisão só foi tomada a 09 de Dezembro passado, quando já decorria o julgamento dos restantes arguidos.

Três dias depois, a 13 de Dezembro, a juíza Ana Peres decidiu separar os processos de Herman José, Paulo Pedroso e Francisco Alves do processo de pedofilia na Casa Pia, que na altura estava a ser julgado no tribunal do Monsanto, numa resposta a um requerimento neste sentido apresentado pelo procurador do Ministério Público João Aibéo.

Resolvidas todas estas questões, o caso foi sorteado ao juiz desembargador Rodrigues Simão, relator do processo, que em Setembro terá terminado o projecto de acórdão sobre o recurso que fora interposto havia mais de um ano.

O projecto passou depois para as mãos do desembargador Carlos Sousa, primeiro adjunto do colectivo de juízes que o iria apreciar, a 21 de Setembro passado.

Depois de apreciado pelo primeiro adjunto, o processo teve ainda de ser apreciado pelo segundo, que deveria ter sido Adelino Salvado, antigo director da Polícia Judiciária, mas como este estava de baixa transitou para o seguinte na hierarquia por antiguidade, o desembargador Varges Gomes, que acabou por pedir escusa, uma vez que já participara no colectivo que libertou Paulo Pedroso.

Após apreciação, o STJ aceitou a escusa de Varges Gomes e fez baixar o processo novamente ao TRL, que designou o juiz Mário Morgado para o substituir.

Completo o colectivo e tendo tomado todos conhecimento do projecto de acórdão, foi marcada uma conferência para o discutir e aprovar, o que aconteceu hoje.

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