Doenças sexualmente transmissíveis são herança de casamento

As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) são muitas vezes uma herança para as mulheres vítimas de violência doméstica que não conseguem escusar-se a relações sexuais com os maridos, infectados por terem múltiplas parceiras, disse à Lusa um especialista.

Sandra Moutinho, da Agência Lusa /

A ideia foi avançada por Jorge Torgal, director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), que terça-feira, Dia Internacional da Mulher, acolhe uma conferência sobre as "Infecções Sexualmente Transmissíveis, VIH, Género e Violência".

Na conferência, que decorre terça e quarta-feira, participarão alguns dos maiores especialistas portugueses em DST, além de profissionais internacionais que abordarão as principais preocupações que estas doenças levantam e os silêncios em que estão rodeadas.

Jorge Torgal esclareceu que a escolha do Dia Internacional da Mulher para o arranque do evento não foi aleatória, pois a mulher continua a sofrer as maiores consequências destas doenças.

Além da possibilidade de passarem aos filhos muitas destas doenças (transmissão vertical), as mulheres correm maiores riscos do que os homens de ficarem estéreis devido a algumas DST, como a infecção causada pela bactéria "Chlamydia trachomatis".

A transmissão desta bactéria é sexual e, no caso das mulheres grávidas, pode conduzir a partos prematuros e ser transmissível ao recém-nascido, com risco de conjuntivite ou pneumonia para a criança.

Além disso, se não for tratada a "Chlamydia trachomatis" pode resultar em infecções crónicas, gravidezes ectópicas (fora da cavidade uterina) e à esterilidade da mulher.

Apesar dos maiores riscos de infecção de DST resultarem das relações sexuais desprotegidas com múltiplos parceiros, muitas são as mulheres que têm no parceiro o agente infeccioso.

"São mulheres que só têm um parceiro, o companheiro ou marido, mas que, apesar de saberem que este tem relações sexuais com várias mulheres, são obrigadas a ter sexo e correm o risco de serem infectadas", explicou Jorge Torgal.

Esta é uma razão porque a violência doméstica está associada às DST, resultando na infecção da mulher pelo parceiro, que acrescenta desta forma doenças que podem ser mortais aos maus tratos psicológicos e físicos.

Por outro lado, a transmissão vertical das doenças é um exclusivo feminino e, em alguns casos, realçou o especialista, espelha a "vergonha" dos serviços de saúde que não conseguem identificar, a tempo e horas, algumas DST nas grávidas.

É o caso da sífilis, doença venérea que durante décadas assustou homens e mulheres e que tem crescido em Portugal nos últimos anos.

"A sífilis não devia existir na mulher grávida em Portugal", disse Jorge Torgal, para quem a existência destes casos nas futuras mães é "uma vergonha".

"Crianças infectadas com sífilis por transmissão vertical significam que existem grávidas que não foram - ao longo dos nove meses de gestação - acompanhadas por um médico", acrescentou Jorge Torgal.

Esta transmissão representa "uma falha clara dos serviços de saúde e da cobertura do acompanhamento das grávidas", concluiu o presidente do IHMT, que defende um inquérito epidemiológico sempre que se registem estes casos, de forma a apurar a sua origem.

Dados dos organizadores da conferência indicam que, em 2000 e 2001, o grupo de vigilância epidemiológica das infecções sexualmente transmissíveis, que engloba dados de 14 Serviços de Dermatologia e Venereologia, relatou 581 casos de sífilis.

Na conferência sobre as "Infecções Sexualmente Transmissíveis, VIH, Género e Violência" será ainda abordada a questão da prevenção primária e secundária, a estratégia das organizações nacionais e mundiais para o combate às DST e as principais patologias.

O evento é organizado pelo British Council, o IHMT e a Associação Garcia de Orta, que pretendem debater as questões de género relacionadas com as DST, aumentar a consciência das consequências físicas e psicológicas destas patologias, partilhar e aprender com as experiências de diferentes países e sensibilizar os profissionais de saúde para os sintomas clínicos destas doenças nas mulheres.

"As DST são actualmente um dos mais graves problemas de saúde pública no mundo, e são consideradas por muitos governos uma questão prioritária em termos de política de saúde", segundo os organizadores do evento.

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