Dúvidas ensombram negócio celebrado com Ferrostaal

por RTP
"O Estado português já comunicou a essa empresa que não estamos satisfeitos e que consideramos inaceitavelmente baixos os níveis de cumprimento das contrapartidas neste contrato dos submarinos" Mário Cruz, Lusa

O primeiro-ministro José Sócrates deixou no Parlamento um desabafo sobre o negócio dos submarinos, revelando insatisfação relativamente aos "baixos níveis de cumprimento" por parte do consórcio da Ferrostaal, desde ontem sob fortes suspeitas de pagamento ilícitos ao cônsul honorário de Portugal em Munique no âmbito da venda dos vasos de guerra ao Estado português.

Após o Governo ter suspendido de funções o cônsul honorário de Portugal em Munique Jurgen Adolff na sequência de uma investigação devido a suspeitas de corrupção no negócio de aquisição de dois submarinos para a Marinha Portuguesa - a revista alemã Der Spiegel avançou ontem que um cônsul honorário de Portugal terá recebido um suborno de 1,6 milhões de euros da Ferrostaal para dar um empurrão ao negócio - Francisco Louçã interrogou José Sócrates durante o debate quinzenal no Parlamento sobre a investigação judicial que decorre em Portugal e na Alemanha.

Em resposta ao líder do BE, o primeiro-ministro sublinhou que "o Governo não comenta investigações judiciais em concreto mas prestará, como tem prestado, toda a colaboração que lhe for solicitada pelas autoridades judiciais nesta matéria", acrescentando que "a verdade é que já o fez".

José Sócrates manifestou ainda a insatisfação do Governo que lidera com o que chamou de baixo nível de incumprimento do consórcio da Ferrostaal.

Sublinhando que "o Estado português, como já disse o senhor ministro da Defesa, cumpre a lei e honra os contratos e espera que os outros o façam", o primeiro-ministro indicou que "o Estado português já comunicou a essa empresa que não estamos satisfeitos e que consideramos inaceitavelmente baixos os níveis de cumprimento das contrapartidas neste contrato dos submarinos".

Sócrates assegurou no hemiciclo que o Governo quer "tudo isto esclarecido", pelo que o ministro da Defesa já "solicitou ao conselho consultivo da Procuradoria Geral da República um parecer sobre a legalidade dos contratos em causa, tendo em conta, nomeadamente, a acusação que foi feita pelo Ministério Público relativamente ao contrato de contrapartidas".

Augusto Santos Silva aponta dúvidas sobre a legalidade do contrato

Já anteriormente o ministro da Defesa reconhecera que, apesar de ser vontade do Estado português honrar os contratos, existem neste caso dúvidas relativas à legalidade do acordo assinado em 2004 entre o Governo de Durão Barroso e os alemães da Ferrostaal.

Augusto Santos Silva recordou perante os jornalistas, na Assembleia da República, que foram assinados dois contratos para a aquisição dos vasos de guerra e um contrato de contrapartidas, com a última avaliação a apontar, actualmente, para "um nível de cumprimento inferior a 40 por cento" quando o prazo termina em 2012.

"O Estado português honra os contratos e cumpre a lei e espera que a outra parte faça o mesmo", sublinhou Santos Silva, interrogado sobre a possibilidade de o Governo denunciar o contrato de contrapartidas assinado com o consórcio alemão German Submarine Consortium (que inclui a (Ferrostaal, Thyssen-Nordseewerke e Howaldtswerke-Deutsche Werft HDW).

Santos Silva indicou que perante as "dúvidas sobre a legalidade do contrato de contrapartidas, em função do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público", no final de 2009, foi enviado a 10 de Março um pedido ao Conselho Consultivo da PGR para que se pronunciasse "sobre eventuais questões de legalidade associadas aos contratos de contrapartidas e de aquisição dos submarinos".

Dois processos em curso no dossier dos submarinos

De acordo com o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), são dois os processos que correm em Portugal relacionados com a aquisição dos submarinos: além do processo para se "apurar eventuais ilícitos de corrupção", corre ainda esse caso das contrapartidas, em que foi deduzida acusação contra 10 arguidos (sete portugueses e três alemães).

Em Outubro de 2009 foi deduzida acusação contra José Pedro Sá Ramalho, Filipe Soares Moutinho, António Luís Parreira Holterman Roquete, Rui Paulo Moura Santos, Fernando Costa Gonçalves, António João Jacinto e José Mendes Medeiros, além dos cidadãos alemães Horst Weretecki e Antje Malinowski (quadros da empresa Ferrostaal) e Winfried Hotten, todos arguidos e a quem são apontadas falsificação de documento e burla qualificada ao Estado no valor de cerca de 33,9 milhões de euros.

Em causa neste processo estão "contrapartidas acordadas nos contratos de compra e venda dos dois submarinos a Portugal", refere o DCIAP. Os arguidos vão ser ouvidos a 27 de Abril no Tribunal Central de Instrução Criminal.

Ana Gomes defende denúncia do contrato

Uma das vozes descontentes entre os socialistas é a eurodeputada Ana Gomes, que já disse esperar que "o Governo português tenha a coragem" de denunciar o negócio, que está regido por um contrato que - sustenta - já se sabia que era "corrupto".

Na opinião da eurodeputada socialista, a investigação alemã apenas vem "reforçar" a ideia de que se tratou de um negócio "corrupto": "Isto era uma coisa que já se devia estar à espera que acontecesse".

Invocando o actual momento de aperto orçamental, Ana Gomes entende que José Sócrates deve "tomar a iniciativa" de cancelar o negócio.

"Não se compreende que numa altura em que o Governo pede o que pede aos portugueses, não denuncie um contrato que se sabe que é corrupto e que lesou e vai lesar gravemente o Estado", uma vez que é para ser pago "durante muitos anos", afirmou Ana Gomes, defendendo ainda que os submarinos não são um equipamento prioritário para as Forças Armadas.

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