ERS abre processo sobre doente com demência desaparecida do São Francisco Xavier

A Entidade Reguladora da Saúde quer saber o que se passou no caso da doente com demência que desapareceu há mais de uma semana. Questionada pela Antena 1, a ERS "confirma que no âmbito das suas competências procedeu à abertura de um processo de averiguações ao Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa". O processo está neste momento a decorrer.

Joana Carvalho Reis - Antena 1 /
João Marques - RTP

Avelina Ferreira desapareceu no dia 12 de Dezembro e ainda não foi encontrada. Ainda esta quinta-feira, um grupo de voluntários voltou a fazer buscas na mata em frente ao São Francisco Xavier. Sem sucesso.

Por toda a cidade de Lisboa há cartazes espalhados a dar conta do desaparecimento. No topo a palavra: Procura-se. Duas fotografias mostram Avelina Ferreira, 73 anos, 1,65 metros, 45 quilos, olhos castanhos. Tem demência e desapareceu do Hospital. Os cartazes foram colados pela filha, Susana Ferreira, que reuniu um grupo de voluntários que tem organizado estas operações de busca por toda a cidade de Lisboa. Até agora, ainda não há sinal de Avelina.
Avelina Ferreira desapareceu a 12 de Dezembro. O marido avisou que sofria de demência, mas o hospital não permitiu que a acompanhasse.

Na terça-feira, 12 de dezembro, Avelina sentiu-se mal em casa. Desmaiou por duas vezes e o marido ligou para o 112. Na ambulância, foi assistida por pessoal do INEM e foi encaminhada para o São Francisco Xavier.

A filha explica que na triagem, tal como já tinha feito na ambulância, o marido indicou que Avelina sofria de demência. Mas ainda assim, foi impedido de acompanhar a mulher à sala de observação. "Foi-lhe dito que devia ficar na sala de espera porque o hospital estava muito cheio", conta Susana. "De facto, a urgência estava muito cheia; outras urgências da região de Lisboa tinham encerrado e muitos dos doentes urgentes deviam estar a ser canalizados para o São Francisco Xavier".
"Não consigo compreender"

O marido de Avelina ficou a aguardar na sala de espera, com a indicação de que seria chamado. Sete horas depois, estranhando a falta de notícias, perguntou pelo estado da doente. E foi aí que o desaparecimento foi detetado.

"Ainda que consiga perceber que a urgência estava muito cheia e que estava numa situação limite, ou até para lá disso, eu não consigo compreender como é que não permitido ao meu pai entrar e como é que a minha mãe, que está no serviço de observação, levanta-se, nunca mais volta e ninguém dá conta do desaparecimento", desabafa Susana.

Nessa noite, procuraram dentro do Hospital. No dia seguinte, as imagens de videovigilância mostram Avelina a sair, sozinha, de chinelos, por volta das 21h30. A PSP foi chamada e fez buscas na zona envolvente. Susana tem recebido telefonemas sobre avistamentos, mas alguns chegam várias horas depois e não é possível confirmar que correspondem à mãe. Passou uma semana e não há pistas de onde poderá estar Avelina.
"Ser acompanhado por um familiar é um direito"

A Antena 1 questionou o Hospital São Francisco Xavier sobre a razão para ter sido negado o acompanhamento por um familiar a uma pessoa com demência. A Administração do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental não respondeu diretamente à pergunta.

Num e-mail, confirma que Avelina Ferreira desapareceu, explicando que "saiu pelo próprio pé no mesmo dia em que deu entrada enquanto aguardava a observação médica". Sobre o facto de ser uma doente diagnosticada com uma demência, o hospital diz apenas que "foi registado no processo clínico o bom estado geral da senhora e, por outro lado, o facto de estar nos momentos de interação consciente, orientada e colaborante". A filha Susana não aceita. "Se calhar, numa primeira abordagem de perguntas de sim ou não, ela parecesse coerente. Mas dizer que uma pessoa com demência é coerente - não!".

A advogada Joana Silveira Botelho não tem dúvidas quando diz que o acompanhamento por um familiar numa unidade de saúde é um direito de todas as pessoas, em especial quando se tratam de utentes dependentes. "Pode haver algumas limitações. Esse acompanhamento não pode pôr em causa os cuidados de saúde, ou seja, pode haver algumas regras técnicas de uma instituição que têm de ser tidas em consideração". Mas neste caso, lembra a especialista em Direito da Saúde, o hospital tem de fazer adaptações para que esse acompanhamento seja garantido.

Sem falar do caso concreto de Avelina Ferreira, a advogada lembra que o desaparecimento de um utente de um hospital levanta uma outra questão - o direito à segurança do doente quando está numa instituição hospitalar. "Na nossa Lei de Bases da Saúde e depois até instruções da Entidade Reguladora da Saúde e da Direção-Geral da Saúde, temos um direito a que os cuidados sejam prestados com mínimos de segurança, precisamente para proteger os doentes".

E se existe o direito, existe também "o dever de as instituições garantirem a segurança dos doentes, através de recursos humanos, equipamentos, da organização das suas regras", explica Joana Silveira Botelho.

Perante a violação do direito ao acompanhamento por um familiar e do direito à segurança do doente, a advogada da Cuatrecasas considera que pode haver responsabilização. "Se de facto foram violados direitos, regras e instruções por parte do hospital deste dever de garantir a segurança do doente, no limite pode ser responsabilizado".

Também a associação Alzheimer Portugal afirma que o direito a acompanhamento é um direito, ainda mais importante no caso de pessoas com demência. Catarina Alvarez, responsável pelas Relações Institucionais da associação, lembra que há “uma referência expressa [na lei] a pessoas que se encontrem em particular situação de vulnerabilidade, como as que estão em situação de demência”.

Com o caos nos hospitais da pandemia as situações eram de tal forma frequentes que a Alzheimer Portugal fez “um apelo à ministra da Saúde para o escrupuloso cumprimento da lei.” Na altura, recorda Catarina Alvarez foi “enviada uma comunicação às administrações hospitalares para que este diploma fosse cumprido”. Apesar dos avisos e de já não haver uma situação de exceção, é agora com “muita tristeza e surpresa” que a associação verifica que “mais uma vez aconteceu uma situação destas”.
"Enquanto não tiver uma má notícia, continuo a acreditar"

Susana Ferreira confessa que não sabe onde procurar mais. As buscas vão acontecendo e há uma página no Instagram que vai divulgando informações e espalhando a palavra.

Neste momento, a mensagem é que, se alguém vir uma mulher, franzina, com aspeto mais velho mas com cabelo pintado, desorientada, chame as autoridades logo nesse momento. Susana explica que as pistas que recebeu inicialmente chegavam muito depois do avistamento. É importante não perder tempo.

O próximo passo é criar pressão para que seja aberta uma investigação. "A polícia fez buscas no início, mas não foi feita propriamente uma investigação, que reconstruísse os passos dela".

Susana acredita que a mãe terá sido ajudada por alguém e garante que não vai desistir. "Enquanto não chegar uma má notícia, eu acredito que ela está viva".
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