Escutas a magistrados garantem o segredo de justiça
Cândida Almeida considera a divulgação das escutas no âmbito de investigações judiciais violação um crime não justificado pelo dever de informação que considera não ser um direito absoluto. Para resolver o problema da violação do segredo de justiça defende a permissão das escutas telefónicas alargados a todos inclusive a magistrados. Inquérito aos Casos Freeport e Operação Furacão estará concluído em Março.
Qualquer investigação criminal está distribuída por várias entidades - Procuradores, policias, arguidos já notificados, funcionários que transportam as escutas e a documentação - tornando-se difícil, quase impossível com os meios actuais descobrir ou detectar a fonte da fuga, explica a magistrada em longa entrevista ao "Jornal de.Negócios".
O Próprio Procurador-Geral da República, referindo-se ao caso "Face Oculta" em que escutas a alegadas conversas e e-mails trocados entre Armando Vara, arguido no processo, e José Sócrates, primeiro-ministro, vieram a ser publicadas pelo semanário "Sol", em clara violação do segredo de justiça, admitiu ser muito difícil detectar os culpados do crime, ou seja, de terem dado ao conhecimento público de factos que deveriam estar reservados ao conhecimento da justiça.
Dificuldade que, sendo extensível a qualquer processo, como diz Cândida Almeida é acrescida por um factor de moda. Das conversas escutadas, a comunicação social nas suas notícias não faz uma transcrição fiel antes acabando por o resultado final não corresponder em nada ao original o que leva a que essas alegadas transcrições, sendo falsas, prejudiquem ainda mais o processo e ponham em causa a necessária segurança da sociedade e da paz jurídica.
Argumento utilizado pela Comunicação Social, o dever de informação dos jornalistas é relativizado por Cândida Almeida que lhe recusa um carácter absoluto. A justiça e o direito dos cidadãos sobrepõe-se ao dever de informação. Mesmo argumentando-se com o interesse público, tal argumento não vence, de acordo com a directora do DCIAP porque sendo um crime a violação do segredo de justiça não pode nunca representar um interesse público. "Estando um processo em segredo de justiça, não é um direito, é um crime que comete quem publica seja o que for", diz acrescentando "mesmo que haja um interesse fundamental. È crime e os crimes não são de interesse público".
Cândida Almeida defende uma solução radical para resolver este problema que prejudica, na sua visão, o Estado, a sociedade e o cidadão. Aumente-se as penas impostas a este crime permitindo-se assim a utilização de outros meios de investigação ao Ministério Público. Penas mais altas e aplicáveis a todos. Desde o magistrado ao mais simples funcionário. Um dos meios que deveriam poder ser utilizados na investigação do crime de violação do segredo de justiça era o das escutas telefónicas. Escutas ordenadas e investigadas pelo Tribunal da Relação ou pelo Supremo como, aliás, prevê a lei.
"Pinto Monteiro foi sempre respeitado pela sua independência e equidistância" diz a Procuradora
Cândida Almeida rejeita nesta sua entrevista que a autonomia do Ministério Público seja posta em causa pelo facto de o Procurador-Geral da República ser nomeado pelo governo.
Começa por esclarecer que o Procurador-Geral da República não é nomeado pelo governo, contrariando uma ideia que tem sido insistentemente propagada na sociedade civil.
O actual PGR, Pinto Monteiro, bem como os seus antecessores, foi, depois de ouvida a oposição e consensualmente rejeitadas algumas personalidades, indicado ao Presidente da República, que então o nomeou. O Presidente da República tem, lembra Cândida de Almeida, o poder constitucional de rejeitar o nome indicado pelo governo. Não foi o caso.
Cândida Almeida insurge-se contra as suspeitas recentemente levantadas sobre o favorecimento por Pinto Monteiro de algumas personalidades, nomeadamente do primeiro-ministro, José Sócrates. A Procuradora defende o seu superior hierárquico afirmando que Pinto Monteiro é um magistrado que conta com uma carreira de quase 40 anos, impoluta e que nunca foi posta sob qualquer suspeita. Levantarem-se agora suspeitas de falta de isenção e de fazer favores a quem quer que seja, "magoa muito" e "não faz sentido", porque é um magistrado que está no topo da carreira "sem esperar mais do que deixar o seu nome limpo".
"Sempre foi respeitado por quem com ele trabalhou, que tem nele uma referência como magistrado intransigente na sua independência e na sua equidistância", diz a Procuradora.
Pinto Monteiro tem sido nos últimos tempos um homem muito escrutinado quer pela comunicação social, quer pelos partidos políticos nomeadamente os da oposição, quer pela opinião pública. Cândida Almeida afirma que "um Procurador-Geral que não está sempre no fio da navalha é porque não está a exercer bem as suas funções".
Acusações de Caso Freeport" e "Furacão" conhecidos em Março
Cândida Almeida abordou nesta sua longa entrevista a capacidade do Ministério Público para investigar os crimes económicos. Vocacionado para o combate à criminalidade económica, o DCIAP conta com 12 magistrados, com o apoio do NAT (núcleo de apoio técnico) um serviço da Procuradoria-Geral da República para todo o país, e da DGCI especificamente em relação aos crimes fiscais, o departamento tem, de acordo com a magistrada que o dirige, algumas limitações na sua acção que, recorda, visa a investigação, coordenação a nível nacional e prevenção do crime económico e financeiro.
A magistrada rejeita a ideia de que os processos referentes à grande criminalidade, sobretudo os que envolvem personalidades públicas raramente cheguem a bom porto. Demora mais tempo, explica porque são crijmes difíceis de investigar, que muitas vezes envolvem off-shores, e com dificuldades acrescidas quando se torna necessário recorrer a entidades de países terceiros envolvendo cooperação internacional.
È o caso do chamado Caso Freeport, em que a resposta de Londres apenas chegou há pouco tempo estando agora o Ministério Público em condições de elaborar uma acusação. Resolvida que foi a questão difícil da cooperação internacional, o inquérito do caso Freeport poderá ficar concluído em Março.
Também em Março outro caso polémico e mediático, o caso "operação Furacão" poderá ter um desenvolvimento importante com o fim da fase de inquérito e acusação ou arquivamento pelo Ministério Público.
Casos como o do BCP, BPN, e outros muito falados na opinião pública chegarão certamente a julgamento. Disso, Cândida de Almeida não tem dúvidas. São longos, há muitos recursos e muitas diligências processuais desencadeadas pelos advogados que fazem o seu papel, mas a magistrada invoca a taxa de sucesso do DCIAP para justificar a sua crença de que haverá julgamentos.
"Temos tido uma taxa de acusações e de pronúncia de 98% e de cerca de 90% de condenações", diz a magistrada responsável pelo DCIAP.
Não há impunidade dos poderosos e titulares de cargos públicosO fenómeno da corrupção foi também abordado nesta entrevista de Cândida Almeida ao "Jornal de Negócios"
O DCIAP tem também como tarefa a de prevenir, conter e punir a corrupção. A Procuradora lembra que quem tem o poder pode ser aliciado para favorecer terceiros e as ofertas podem ser muito aliciantes e levar alguém a claudicar.
Rejeita no entanto, a ideia de que quem tem o poder dificilmente possa resistir ao aliciamento, porque cada vez mais se fortalece na maioria das pessoas, incluindo aquelas que ocupam posições de poder, a noção das consequências nefastas dessa prática.
Não há impunidade dos poderosos e titulares de cargos políticos, ao contrário do que poderá ser a opinião generalizada. Para Cândida de Almeida, o que se passa é que não tendo poder económico, o cidadão anónimo não pode recorrer aos advogados de renome e às grandes sociedades de advogados, pelo que os seus processos andam mais depressa e resolvem-se com maior brevidade. Os poderosos recorrem a advogados que através de diligências processuais conseguem arrastar mais os processos, levando a essa crença que os primeiros são julgados e condenados e os segundos saem incólumes.
Cândida Almeida não tem dúvidas de que nem o próprio primeiro-ministro tem o sentimento de impunidade perante a justiça. Quem veste a pele de líder de um executivo governamental tem uma responsabilidade muito maior e terá noção disso mesmo. Representa, tal como a oposição, a democracia pelo que "tenho de ser mais exigente na obtenção da prova para arquivar ou para acusar", diz a procuradora.
"Não pode ser desfeita a sua credibilidade, seja porque são amigos ou porque são inimigos, senão isso arrasa completamente a justiça", conclui Cândida de Almeida.