Fórmulas Tóxicas. Os químicos perigosos que os cosméticos escondem

Centenas de substâncias químicas, muitas delas utilizadas em cosméticos, levantam suspeitas e preocupação quanto à sua segurança para o ambiente e saúde humana. A União Europeia já assumiu que 60 por cento das substâncias químicas existentes no mercado são de alguma forma prejudiciais para a saúde e para o ambiente mas as medidas tardam em chegar.


Depois de diversos apelos por parte da comunidade científica e organizações não-governamentais, a União Europeia reuniu uma lista com 28 substâncias, potenciais desreguladores endócrinos.

Ainda não estão proibidas por lei mas as consequências para a saúde de cada um de nós são evidentes.

“Imaginem que vocês têm uma hormona, a vossa hormona natural, de uma mulher, por exemplo o estradiol, e ela vai-se ligar a um recetor que vai fazer com que se desencadeiem todas as respostas. Aquilo que acontece com estes compostos que não foram desenhados para serem ativos a nível hormonal é que eles se ligam a este recetor. O nosso organismo não tem a capacidade de os distinguir, portanto, eles vão desencadear as respostas que uma hormona natural devia desencadear, confundindo o nosso sistema endócrino todo”, explica Ana Catarina Sousa, investigadora na Universidade de Aveiro.

A Comissão Europeia ainda não tomou nenhuma decisão, mas o Linha da Frente sabe que 14 destas substâncias merecem uma prioridade na avaliação.

Fonte: Comissão Europeia

“Neste momento, temos uma dificuldade grande que é: como é proibido o uso de animais para avaliar se os produtos são seguros ou não desde 2011/2012, temos alguma dificuldade em fazer prova disso”, disse à RTP Helena Margarida Ribeiro, professora na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Entre a lista destas substâncias está o BHT, um composto que atua como conservante e antioxidante; o Triclosan é um antibacteriano usado em pastas de dentes, sabonetes líquidos e desodorizantes ou o Benzyl Salicylate que é usado na formulação de produtos para o banho, cabelos, maquilhagem ou perfumes.


“Alguns componentes dos que estão presentes nos cosméticos têm uma ação de desregulação endócrina, ou seja, interferem com o sistema hormonal”, diz Joana Guimarães, médica endocrinologista.
Filtro solar suscita dúvidas
Há ainda as chamadas benzofenonas que são utilizadas na formulação de vernizes, produtos de maquilhagem ou produtos para o cabelo. E um destaque para a benzofenona-3, um filtro solar, que tem sido associado em vários estudos a uma doença inflamatória, a alopécia fibrosante frontal.

“Pensa-se que alguns protetores solares possam estar incriminados mas é profundamente especulativo e pensa-se isto porque em biópsias feitas em área onde o pêlo desapareceu encontraram-se na base dos folículos depósitos de uma substância que existe nalguns protetores solares. No entanto, são milhões os utilizadores diários de protetor solar e o número de pessoas que usam diariamente protetor solar que têm alopécia frontal fibrosante é francamente reduzido em comparação”, refere Miguel Peres Correia, presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia.

Há dezenas de estudos que indicam que a Benzofenona-3 pode ser responsável por esta doença. O dermatologista Miguel Peres Correia diz que todas as semanas observa novos casos e até já se fala em pandemia. Ainda assim, reafirma que a causa continua por esclarecer.

Esta substância está entre as que merecem uma prioridade na avaliação da Comissão Europeia.
Dióxido de titânio suspeito de causar cancro
Há pouco mais de um mês, também o dióxido de titânio foi motivo de debate no Parlamento Europeu.

A substância é produzida em larga escala em tintas, revestimentos, alimentos, têxteis ou cosméticos. É usada em produtos para a pele, protetores solares ou pasta dentífrica.


Depois de dez anos de discussão, com o forte lobby da indústria a querer evitar a proibição, a Comissão Europeia classificou esta substância como sendo suspeita de causar cancro por via da inalação.

Até ao próximo dia 4 de fevereiro decorre o período de análise legislativa. Só depois será tomada uma decisão.

"Vamos ser reféns do marketing e das grandes empresas ou nós e, especialmente, aqui na Europa vamos estar do lado das pessoas, da segurança, que sempre foi um daqueles pilares em que realmente as pessoas, na Europa, confiam nas suas autoridades", questiona a farmacêutica Cátia Curica.

Mais de 500 milhões de consumidores europeus, de todas as faixas etárias, usam cosméticos que vão desde os produtos de higiene, como o sabonete, shampoo, gel de banho, desodorizante e pasta dentífrica, até aos produtos de beleza, como a tinta para o cabelo, o verniz, a maquilhagem ou o perfume.

A Comissão Europeia analisa os dados recebidos e o Comité Científico da Segurança dos Consumidores avalia as substâncias. Só depois são tomadas medidas para proibir ou restringir, caso seja necessário.


“Vamos esperar serenamente que as revisões científicas sejam feitas e que sejam tomadas as medidas necessárias para chegarmos à conclusão se estes ingredientes que hoje usamos podem continuar a ser usados ou podem sofrer algumas restrições, refere Ana Maria Couras, predidente da Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal.
Sistema europeu alerta para perigos
O RAPEX - Sistema Europeu de Alerta Rápido sobre Produtos Perigosos é pouco divulgado mas facilita a troca rápida de informação entre os Estados Membros. Mais de duzentas notificações foram feitas nos últimos dois anos, nomeadamente:

Diversas maquilhagens com fibras de amianto, que representam um risco cancerígeno; rímel com quantidade excessiva de conservantes ou corantes não permitidos em cosméticos; sabonete líquido para crianças com bactérias, podendo provocar infeções ou até tatuagens temporárias com produtos não permitidos e que podem provocar dermatites alérgicas.

Alguns destes produtos estiveram à venda em Portugal. No caso das maquilhagens com fibras de amianto da Claire’s, a empresa optou pela medida voluntária de recolha das unidades, num total de 137.

“Esta situação está a ser discutida a nível europeu. Esses resíduos não deviam lá estar mas, às vezes, não se consegue reduzir abaixo de um valor porque tem a ver com o processo de fabrico e não se consegue reduzir abaixo de um valor”, explicou à RTP Judite Neves, da Direção de Produtos de Saúde do Infarmed.

O Infarmed - a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, disse ao Linha da Frente que optou por não fazer uma circular informativa, face ao número reduzido de unidades.

Nos últimos cinco anos, esta entidade analisou um total de 502 produtos cosméticos, no âmbito das campanhas anuais do mercado. Alguns foram retirados por diversas irregularidades.


São vários os produtos cosméticos que podem causar alergias ou irritações na pele. Os problemas mais comuns são as dermatites de contacto, inflamações causadas por uma determinada substância.
Tinta permanente aumenta risco de cancro
O último estudo realizado pelo Instituto de Saúde dos Estados Unidos concluiu que pintar o cabelo com tinta permanente aumenta o risco de ter cancro da mama em 9 por cento.

Já para quem utiliza tintas semipermanentes ou temporárias, não há registo de aumento desse risco.

A investigação avança que as pessoas que utilizam químicos para alisar o cabelo, têm 30 por cento de probabilidade de ter cancro da mama. A pesquisa foi realizada durante dez anos, em mais de 46 mil mulheres.

E maior problema está nos ingredientes. O Reach - Regulamento Europeu de Registo, Avaliação, Autorização e Restrição de substâncias Químicas existe há mais de 12 anos, mas a imensidão de pedidos que, em 2018, chegaram aos 90 mil dossiers, não foram acompanhados devidamente.


“Neste momento se quisermos avaliar verdadeiramente a segurança de uma substância, em muitos casos, não temos essa informação no dossier de registo. E isto é grave porque o que estava subjacente a esta legislação é que se não houvesse informação sobre uma dada substância, se nós não conseguíssemos avaliar se ela era segura ou não, ela não poderia estar no mercado. É o princípio do no data, no market. Só que não é isso que está a acontecer”, explica Susana Fonseca da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Um terço dos produtos químicos sem dados
Este tem sido um tema quente na União Europeia, principalmente, desde que o Instituto Alemão da avaliação de riscos constatou que um terço destes produtos químicos não tinha dados suficientes.

A ECHA, Agência Europeia das Substâncias Químicas, a quem compete a avaliação dos dossiers de registo, analisou mais de dois mil processos, num total de mais de 700 substâncias. Mas Bjorn Hansen, director executivo da ECHA já assumiu que na maioria dos casos não é submetida a documentação exigida pelo regulamento.

Susana Fonseca, da associação Ambientalista Zero, considera que as autoridades europeias são demasiado condescendentes com a indústria. “Estamos a falar de substâncias que são cancerígenas, tóxicas, mutagénicas, com características muito, desreguladores endócrinos, são características muito preocupantes”.

Em Portugal, a Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal diz que os consumidores devem ter confiança nas empresas e nas autoridades competentes.

“Todo o setor e todas as empresas, incluindo as nacionais, se vão adaptando para alterar as fórmulas para que possam retirar dos produtos aqueles ingredientes que agora podem ser considerados um pouco menos adequados ou com maiores riscos para o consumidor mas repare que estamos sempre a falar de um risco relativamente pequeno”, refere Ana Maria Couras.

Quando a Comissão Europeia ou um Estado-membro identificam através da avaliação, riscos graves decorrentes do uso de determinada substância esta pode ser incluída na lista de Substâncias de Elevada Preocupação Candidatas a Autorização.


"Muitas vezes é o engodo. Eu tiro este ingrediente que este é o conhecido das pessoas e elas não querem esse, mas depois têm lá um semelhante que as pessoas já não conhecem, não é falado e passa. É óbvio que é preciso tirar um curso para ler rótulos", lamenta a farmacêutica Cátia Curica.
"Pelo seguro restringe-se, proíbe-se"
As 201 substâncias atualmente incluídas nesta categoria estão dependentes de processos especiais de autorização e há ainda mais de 220 substâncias que poderão vir a ser alvo de uma classificação.

“Pelo seguro restringe-se, proíbe-se mas estão a fazer-se os estudos ainda, está a compreender? E este é um dos problemas. É jogar, é sempre ter no equilíbrio da balança entre o que faz bem, o que faz mal e como é que se prova e com que meios e andar assim”, disse à RTP Helena Margarida Ribeiro, professora na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Em 2019, também o Grupo de Trabalho Mercúrio Zero, uma coligação internacional com mais de 110 organizações não-governamentais de todo o mundo, testou 158 produtos, em 12 países, 60 por cento continham altos níveis de mercúrio.

Mais de dois terços foram comprados através da Internet em sítios como a Amazon ou eBay, mas apenas alguns foram retirados do mercado. Muitos dos produtos continham altos níveis de mercúrio em várias amostragens e em anos diferentes. A maioria com origem na Ásia, especialmente no Paquistão, Tailândia e China.

“O meu conselho é em primeiro lugar comprar produtos europeus. Tentar evitar a compra de cosméticos, há muita gente que compra infelizmente, cosméticos com origem em países onde a legislação não é tão forte. Cosméticos vindos da China eu diria ou de outros países, níveis elevados de mercúrio por exemplo. Como é que há mercúrio num cosmético num produto branqueador. Isto não é suposto acontecer. Nós devíamos estar protegidos não é?”, questiona a investigadora Ana Catarina Sousa.

A esta constatação soma-se a lentidão na gestão da informação, já assumida pela Comissão Europeia.

Mas a produção de milhares de produtos não para e contrasta com o ritmo lento dos processos de avaliação das substâncias que, por enquanto, continuam a ser usadas.