"Freedom Fighter" continua à espera de pedido de desculpas de Portugal
Goa, Índia, 28 abr (Lusa) - Aos 82 anos, continua à espera de um pedido de desculpas de Portugal pelas "atrocidades" cometidas em Goa. Prabhakar Sinari, um veterano do movimento "Freedom Fighters", diz que depois podem "ser amigos".
"Se [os portugueses] querem ter uma relação amigável, então devem pedir desculpa aos goeses. Aí, podemos ser amigos", diz à agência Lusa.
Prabhakar Sinari afirma nada ter contra os portugueses em geral, mas repudia "os que, de uma forma ou de outra, querem mostrar a sua presença", mantendo "aquele tipo de sentimento" próprio de um colonizador, com um certo esgar de superioridade, como se ainda o fossem mais de meio século volvido desde a "libertação" ou "invasão", conforme o ponto de vista.
"Quando o embaixador português veio a Goa disse que outros colonizadores fizeram muito mais. O que é isto? É a justificação para crimes de guerra?", questionou, advogando o contrário: "Os ingleses, eram de longe, muito mais tolerantes do que os portugueses, brutos e cruéis, cuja "especialidade era torturar", recuando até à "entrada" de Afonso de Albuquerque, em 1510.
O antigo "revolucionário" fazia referência à primeira visita oficial de Jorge Roza de Oliveira como embaixador da Índia ao pequeno estado, em meados de abril de 2011, altura em que, segundo a imprensa local, o diplomata afirmou não perceber o que pretendiam os "Freedom Fighters", uma vez que "os goeses perdoaram Portugal em 1974", aquando da visita de Mário Soares, então na qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros.
Mas, na perspetiva dos "Freedom Fighters", a referência ao período de repressão, eliminada com a conquista da democracia, e saudada pelos goeses, não constituiu, contudo, um pedido de desculpa.
Prabhakar Sinari também mantém a sua posição em relação às instituições de matriz portuguesa, as quais "não estão a ajudar os goeses" e, a seu ver, fazem parte de uma "frente" que "recolhe informação", sob o chapéu da promoção cultural, mas com a real intenção de preservar uma atmosfera portuguesa e m Goa, como referiu várias vezes.
Sinari integrou as fileiras da "Azad Gomand Tak Dal" ainda novo. "Eles costumavam chamar-nos terroristas", lembra, invocando os "inúmeros" ataques da organização armada em que participou, dissolvida com a "libertação" em 1961, e o caso de Bala Raya Mapari, o "primeiro mártir" dessa luta pela liberdade.
Desses tempos lembra ainda as diferenças face à postura dos adversários: "Em Dadrá e Nagar-Aveli capturámos cerca de 200 agentes, mas não os matámos. Mas os portugueses, quando nos capturavam, torturavam e matavam. Nós só matámos em ação, no confronto".
Para muitos goeses, a noite de 18 para 19 de dezembro de 1961, foi uma "invasão", perspetiva que Sinari contesta. "Dizem que 40 mil soldados `roubaram` Goa e esse tipo de disparate. Não há nada mais importante para o ser humano do que a liberdade e definitivamente tenho-a".
Por isso, sente-se "orgulhoso": "O meu pai não estava muito satisfeito, sobretudo por ter sido preso, mas ficava sem resposta quando lhe perguntava se achava que não devia fazer aquilo. Alguém tinha de fazer".
Aposentado dos serviços de polícia indianos, Prabhakar Sinari apresenta um ar afável, ri muito enquanto fala e recorre muito à formulação retórica.
"Tenho vergonha de contar, e provavelmente você não gostaria de saber, quão selvagens eram. Também estavam habituados a isso em Portugal, estou correto?" - apontou, quando questionado sobre a "tortura" de que afirmou ter sido alvo, ainda imberbe.
Sinari demorou a explicar em que consistia. "Fizeram-me de tudo", generalizou, acabando a mostrar cicatrizes nas pernas, fruto das cacetadas com um "palmatória" que, diz, o incapacitaram temporariamente de andar, e a tortura da privação do sono.
"Tinha 14 anos quando fui feito prisioneiro dos portugueses", atirou Prabhakar Sinari, recordando os tempos do cativeiro no Forte da Aguada e no dos Reis Magos, em jeito de resposta a uma pergunta que não existiu, logo no arranque da conversa, na Associação dos "Freedom Fighters" de Goa, Damão e Diu, na rua do Clube Vasco da Gama, de frente para o Jardim Garcia da Horta, que conta, atualmente, com 250 membros.
"Não estamos a contar os mortos", garante Sinari, entre risos.
Sem campainha e à falta de outro acesso, a entrada fez-se por uma galeria de arte, cumprindo a indicação de um senhor, também avançado na idade, quem revelara a melhor hora para aparecer, após várias tentativas goradas.
A conversa fluiu em inglês, mas as primeiras palavras saíram em bom português: "Toma chá ou café?", perguntou.
Prabhakar Sinari tem um genro e também "vários amigos portugueses". Nunca foi a Portugal, mas "definitivamente" gosta de fado. As suas "referências" têm, porém, raízes em Goa. Recorda o nome de uma (a fadista Sónia Shirsat), mas não se lembra da outra.
O vinho português é bom - não nega -, mas "há melhores", diz, enquanto ajeita o bigode.