"Gansos" acabam os dias junto da "mãe" que os acolheu no início da vida
Seis dezenas de "gansos" escolheram acabar os d ias junto da mãe que os acolheu no início da vida e vivem na Associação Casapian a de Solidariedade, rodeados de obras de arte de antigos alunos e de memórias da instituição.
Almejada há décadas por gerações de alunos da Casa Pia, a Associação Ca sapiana de Solidariedade (ACS) foi inaugurada em Outubro passado para apoiar "a integração social e comunitária da família casapiana, a sua protecção na velhice e em todas as situações de falta ou diminuição da capacidade para o trabalho".
Um dos casapianos que mais defendeu a criação desta associação é August o Poiares, o mais antigo ex-aluno vivo e que sempre lutou por "uma instituição o nde os casapianos tivessem, no final da vida, o mesmo que tinham tido no seu iní cio dentro dos muros da Casa Pia: o amparo".
Amparo que 60 antigos alunos e trabalhadores da Casa Pia de Lisboa, seu s familiares e amigos encontram nesta "casa dos afectos", como lhe chama o presi dente da ACS, Luís Vaz, recentemente empossado.
A ACS fica situada em Lisboa, num edifício desenhado pelo arquitecto ca sapiano Cândido Palma de Melo e localizado em terrenos cedidos pelo Casa Pia Atl ético Clube, outra instituição da Casa Pia de Lisboa.
No interior do edifício constam centenas de obras de arte doadas por ar tistas plásticos casapianos como Martins Correia, Gil Teixeira Lopes, Hélder Bat ista, Maria Matilde Marçal, Francisco de Aquino, entre muitos outros.
Como uma grande casa onde vive uma grande família, a ACS organiza os se us horários consoante as actividades dos seus residentes.
Os residentes e funcionários passam o dia entre a limpeza dos quartos e dos espaços comuns, a preparação das refeições, as actividades lúdicas e ocupac ionais, as consultas na biblioteca ou as idas ao cabeleireiro.
Um centro de fisioterapia - gerido por um grupo privado na área da saúd e - proporciona ainda aos residentes ou visitantes serviços vários, contando com uma piscina e um ginásio.
Igualmente disponível na ACS está um centro médico que conta com a pres ença permanente de um enfermeiro e visitas regulares de um médico.
O director da ACS, Luís Vaz, disse à Agência Lusa que um dos seus princ ipais objectivos é tornar os utentes mais participativos nas actividades da ACS.
Um dos exemplos dessa participação é dado por Agostinho Ribeiro que, co m 82 anos, é responsável pela irrepreensível organização da biblioteca da associ ação que conta com 2.000 títulos devidamente registados em ficheiros por obra e autor.
"A Casa Pia é a minha casa. Fui para lá com 12 anos e nunca deixei de p articipar nas várias iniciativas da instituição", contou orgulhoso à Lusa.
O passado comum de casapiano une os residentes no lar da ACS, onde o pe sadelo da pedofilia não tem lugar nas conversas, apesar de continuar a dominar m uitas das notícias televisivas que são seguidas atentamente por todos.
Para um futuro breve, a ACS aposta na criação de uma unidade que preste serviços de apoio domiciliário aos utentes da área envolvente, conforme disse L uís Vaz.
O objectivo desta aposta é "acompanhar os casapianos - ex-alunos, ex-tr abalhadores e seus familiares - que precisem de ajuda, mas não queiram sair das suas residências", adiantou.
A ligação dos antigos alunos à Casa Pia não termina com a sua morte. Mu itos casapianos doam à instituição o seu espólio, existindo ao longo do edifício várias obras de arte e até mobílias que foram deixadas em testamento à institui ção.
Nesta "casa dos afectos", a imagem do ganso - o símbolo dos casapianos - é permanente, seja em pinturas, esculturas ou nas lapelas de muitos utentes e funcionários.
Apesar de terem visto o nome da Casa Pia associado ao crime da pedofili a, os casapianos ainda acreditam na credibilidade da instituição.
Como escreveu o ex-aluno casapiano José dos Santos Pintos, no livro "A Feliz Sementeira", "muitos apresentam a sua condição de casapianos como penhor d e honestidade e competência nas mais diversas manifestações da vida activa, desd e a fábrica ou a repartição até ao gabinete ministerial ou à cátedra universitár ia, quer em Portugal quer por esse mundo fora".