Grafia alterada utilizada por adolescentes pode comprometer futuro da Língua Portuguesa

* * * Por Helena de Sousa Freitas, da agência Lusa * * *

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Lisboa, 30 Jul (Lusa) - Um Acordo Ortográfico, por mais imaginativo que fosse, dificilmente conseguiria acompanhar o uso que os adolescentes fazem do Português, pois transformam-no até ficar irreconhecível, podendo, na opinião de alguns docentes, comprometer o futuro da Língua.

"Esta nova linguagem não tem regras, pois os adolescentes tanto usam o `x` para substituir `ss`, `ch` e `os` como no lugar do `ç`, havendo palavras que ficam bastante diferentes das originais, como `tamx` (estamos) ou `kuraxao` (coração)", contou Rosário Antunes, professora de Português.

Actualmente a exercer no Estabelecimento Vilamar (Funchal) - depois de ter passado por Castelo de Paiva, Lousã, Portalegre e pela Ilha de Porto Santo - a docente, de 29 anos, contou à agência Lusa que "uma palavra como `qualquer` passou, na sua forma abreviada, a escrever-se `kk`, ao passo que `quando` se tornou `kd`".

Segundo outra docente, Conceição Pereira, professora de Biologia na Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, "a intenção dos miúdos será poupar letras mas as palavras acabam por se transformar num código que parece não fazer sentido, é muito difícil decifrá-lo".

Rosário Antunes concorda e - para dar um exemplo concreto desta nova grafia - cedeu à Lusa uma mensagem escrita que lhe foi enviada por uma aluna.

"Oi xtora!!! ta td ben knsg? nox tamx kom mtx xaudadx xuax poix ja ñ temx akela xtora kida à k nux habituamx bjtx, nunka nux vamx exkexer d xi! Ass: xara", lê-se no SMS enviado para o telemóvel da docente.

Traduzindo: "Olá professora, Está tudo bem consigo? Nós estamos com muitas saudades suas, pois já não temos aquela professora querida a que nos habituámos. Beijos. Nunca nos vamos esquecer de si. Assinado: Sara".

"É extraordinário como até o nome é alterado", assinalou a professora, que considera algumas substituições "incompreensíveis", questionando "a vantagem de escrever `kom` em vez de `com` ou `nox` em vez de `nós`".

Preocupada com o futuro da Língua Portuguesa, Rosário Antunes lamenta que os mais jovens estejam "a esquecer-se da pontuação, a escrever com maiúsculas indiscriminadamente, usando-as no meio e no fim das frases, e a abandonar cedilhas e acentos".

"Como não os utilizam nas mensagens de telemóvel, também não os põem quando escrevem à mão, pois deixaram de saber onde os colocar", revelou à Lusa.

Renato Nunes, um colega de profissão que lecciona História na Escola Básica Integrada dos Biscoitos, na Ilha Terceira, Açores, também se afirma "apreensivo" com a transformação do Português.

"A língua é um instrumento vivo e em constante mutação mas também é um bem valioso e a simplificação pode empobrecê-la, na medida em que afecta a sua diversidade", declarou Renato Nunes, para quem esta tendência "vai agudizar-se no futuro".

Para Rosário Antunes, que diz ter encontrado este cenário em todas as escolas por onde passou "e abrangendo alunos dos 10 aos 17 anos", é possível encontrar exemplos desta nova escrita "até nos testes".

"O pior é que há colegas de outras disciplinas que não estão para se maçar a corrigir o Português", lamenta.

Uma atitude criticada por João Malaca Casteleiro, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

"Não posso admitir que um aluno substitua a palavra `que` por um `k` num trabalho ou nas respostas de um exame e que os docentes sejam permissivos, pois cabe-lhes zelar pela Língua Portuguesa. E refiro-me a todos os professores pois todos são, também, professores de Português", sublinhou.

Afirmando que "há sempre o risco de essas formas de escrever corromperem o Português", Malaca Casteleiro contou à Lusa que "quando uma pessoa aprende a escrever, aprende a ortografia de forma mecânica, intuitiva e memoriza uma imagem gráfica das palavras".

"Por isso, se os alunos manifestam dúvidas quanto à grafia correcta de um termo é porque - de tanto o escreverem alterado - na sua memória já se instalou a confusão", explicou o linguista.

Rosário Antunes acredita que o problema é precisamente esse.

"O desconhecimento da língua é tal que, quando o corrector ortográfico detecta um erro, os miúdos - em vez de verem o termo correcto sugerido - adicionam a palavra errada ao dicionário do computador por pensarem que este é que não a reconhece", contou.

As deficiências nesta área vão, porém, mais longe, "chegando ao ponto de muitos estudantes não conseguirem perceber que existem diferenças entre o Português de Portugal e o do Brasil".

E qual é a reacção dos alunos quando um professor faz a distinção entre a grafia certa e a errada, quando lhes explica que não é assim que se escreve determinada palavra?

Segundo a professora do Estabelecimento Vilamar, "a resposta é, invariavelmente, `mas assim percebe-se na mesma o que queremos dizer`. Para eles, é apenas isso que importa".

HSF.


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