País
Habitação. "As cooperativas sempre foram uma solução, mas nunca a solução do problema de um país"
Nas últimas eleições, o incentivo às cooperativas fez parte dos programas eleitorais de muitos candidatos da esquerda à direita. Mas os obstáculos são muitos. A Federação Nacional de Cooperativas de Habitação avisa que é preciso "vontade política" para que este modelo faça parte da resposta à crise e lembra que não resolve tudo.
No final da Rua Fernando Maurício, em Marvila, as máquinas fazem os últimos percursos. Os passeios da urbanização estão a ser terminados e faltam apenas os acabamentos finais para dar a obra por concluída. Em breve, numa questão de meses, vão ser entregues as chaves dos últimos lotes da Urbanização da Cooperativa do Vale Formoso de Cima.
“Veja esta vista rio! E é um primeiro andar. Imagine nos pisos de cima”. Jorge Guilherme, vice-presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (Fenache), não esconde o entusiasmo. Ao lado, está o arquiteto Álvaro Silva, o presidente da união de cooperativas responsável por este último projeto. Estamos a visitar um T3. Sala de 25 metros quadrados, varanda com vista para o Tejo, cozinha mobilada e parcialmente equipada, todos os quartos com roupeiros, duas casas de banho, ar condicionado em todas as divisões, prédio com elevadores, estacionamento subterrâneo. O preço? “Os T3 vão custar entre os 260 e os 280 mil euros. Os T2 vão rondar os 200 mil”. Preços muito abaixo dos praticados no mercado, mais ainda nesta localização.
Estes últimos lotes são compostos por 63 apartamentos com tipologias entre os T2 e os T5. Mas a urbanização envolve na totalidade 800 fogos. É nesta altura o único grande projeto de cooperativas na cidade de Lisboa, numa altura em que este modelo de construção volta a ser apontado como uma resposta para a crise que Portugal atravessa.
Nas eleições autárquicas de 12 de outubro, candidatos da esquerda à direita de todo o país incluíram nos programas eleitorais o incentivo à construção de habitação por cooperativas em terrenos municipais. Em Lisboa, por exemplo, fazia parte das propostas de Carlos Moedas pela coligação PSD/CDS/IL, Alexandra Leitão pelo PS/BE/Livre/PAN, João Ferreira da CDU e Bruno Mascarenhas do Chega. As cooperativas podem mesmo ser uma peça da solução?
“As cooperativas nunca foram uma solução de massas”
Há 50 anos, as cooperativas tiveram o grande boom. No final dos anos 70, início dos 80, esta era uma das opções para muitas pessoas conseguirem comprar casa. A procura por habitação crescia, começava a ser possível poupar algum dinheiro, faltavam casas e era preciso construir rapidamente. As cooperativas conseguiam dar resposta para habitação a custos controlados e
foram responsáveis por muitos dos prédios novos que apareceram nessa altura.
Agora, 50 anos depois, podem de novo ser solução? "As cooperativas são uma solução, sempre foram”, defende Jorge Guilherme, “mas não são a solução para tudo, nunca foram. As cooperativas nunca foram uma solução de massas, para resolver um problema de um país. Sempre foram uma solução para resolver o problema de uma determinada franja da população. Pessoas que não tinham capacidade para ir ao mercado tradicional, mas que, por outro lado, também não queriam ir para um bairro social”.
A franja de que fala Jorge, é cada vez menos uma franja. Não sendo uma solução para todos, as cooperativas podem ser uma peça importante. Mas há obstáculos que fazem com que atualmente não seja fácil avançar com esta solução.
Antes de mais, o processo pode ser longo. Por exemplo, no caso da Urbanização do Vale Formoso de Cima. Os terrenos foram cedidos pela Câmara Municipal de Lisboa em 2013 e 2014. A crise imobiliária e a incerteza dos tempos da troika fez com que só em 2016 começassem a ser enviados para licenciamento os primeiros projetos. “Desde o primeiro PIP [Pedido de Informação Prévia] o processo demorou sete anos até ao início da obra e a obra mais dois anos”, conta Álvaro Silva, “nós perdemos sete anos que significaram 70% a mais no valor de construção”.
Aqui, tempo é mesmo dinheiro. Há cinco anos, T2 da mesma urbanização foram vendidos por 130 mil euros. Os que em breve vão ser entregues custam cerca de 200 mil - são mais 70 mil euros.
“Coisas de secretaria” e legislação mais sensível
Os atrasos devem-se principalmente a questões burocráticas, “coisas de secretaria, nunca são problemas técnicos” afirma Jorge Guilherme. “Os problemas técnicos rapidamente são resolvidos; o arquiteto e o técnico da autarquia conversam, mais parede, menos pilar... são coisas que rapidamente são solucionadas. Tudo o que tem a ver com burocracias e com questões que estão mal definidas até em termos de legislação, é que acabam por comprometer toda a parte do licenciamento”.
Agilizar o processo é urgente, defende Álvaro Silva, que recupera a ideia em tempos falada de uma via verde - quem promove este tipo de empreendimentos de habitação a custos controlados devia ter um caminho simplificado para os licenciamentos.
O arquiteto defende que também a legislação para este tipo de construção devia ser sensível ao objetivo de casas a preços controlados. “Na realidade, este empreendimento está feito exatamente com os meus princípios técnicos e com as mesmas exigências que uma construção tradicional de um cliente ou de um promotor privado. E os custos também são os mesmos”.
O vice-presidente da Fenache acrescenta que os custos de construção aumentaram muito nos últimos anos – a subida dos materiais e a falta de mão-
de-obra fazem com que o controlo seja mesmo muito difícil. E se os parâmetros para os projetos de cooperativas são iguais aos de um promotor normal, não é possível limitar os preços.
Ar condicionado em todas as divisões? Estacionamento subterrâneo?, questiona Jorge Guilherme, “as pessoas precisam, é de uma casa para viver. Nem sequer querem ter um carro”.
Depois, claro, é preciso terrenos para construir com alguma dimensão, que permitam volume de obra. Para isso, as autarquias e o Estado têm de fazer um levantamento rigoroso das áreas que podem vir a receber habitação. O responsável da Fenache diz que há espaço. “Se houver um repensar da própria cidade, há muitos outros terrenos que não estão projetados com essa vertente mas que podiam ser opção. Para não falar de uma outra área que é a reabilitação de património que está devoluto e que pode vir a dar novos fogos de habitação”.
E depois, salienta Jorge Guilherme, era importante manter estas casas a preços controlados.
“É preciso vontade política”
Nas cooperativas, um grupo de pessoas – os cooperadores –, juntam-se para construir casas. O terreno é cedido pelas autarquias em troca de contrapartidas (no caso da urbanização do Vale Formoso de Cima, foram entregues oito apartamentos para habitação pública e uma creche). Por ser um volume de obra grande e por não ter intermediários, os apartamentos ficam mais baratos do que o que é praticado no mercado. Para pagar a casa, os cooperadores podem recorrer a um empréstimo bancário normal e também podem vender a casa. E é aqui que é preciso intervir, defende o vice-presidente da Fenache.
“O Estado e as câmaras têm exercer o direito de preferência para manter estas casas a preços controlados”, diz. Se não for assim, estes apartamento vão entrar no mercado com os valores praticados no mercado. “Se quiser vender uma casa, vai comparar com o que está novo no mercado. O que está novo está muito inflacionado para o que é o valor normal, porque estamos a falar de habitação de luxo. Não há outro tipo de habitação a ser construída. Portanto, o barómetro [da habitação a preços controlados] deixou de existir”. Um T3 nesta urbanização vai custar ao proprietário cerca de 260.000 euros. A menos de 500 metros daqui há um empreendimento de luxo em que o preço médio dos T3 é de 1.200.000 euros – e a diferença de um milhão. “A habitação cooperativa tem de ser considerada de interesse público”, defende Jorge Guilherme. É isso que vai evitar a especulação.
Álvaro e Jorge garantem que não faltam interessados em fazer parte deste modelo. "São centenas de pessoas. Temos centenas de pré-inscrições”. Mas neste momento, não há projetos. Da lista de prioridades necessárias para que as cooperativas façam parte da solução para crise que Portugal atravessa, Jorge Guilherme aponta outra – “aqui é mesmo vontade política”.
“Veja esta vista rio! E é um primeiro andar. Imagine nos pisos de cima”. Jorge Guilherme, vice-presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (Fenache), não esconde o entusiasmo. Ao lado, está o arquiteto Álvaro Silva, o presidente da união de cooperativas responsável por este último projeto. Estamos a visitar um T3. Sala de 25 metros quadrados, varanda com vista para o Tejo, cozinha mobilada e parcialmente equipada, todos os quartos com roupeiros, duas casas de banho, ar condicionado em todas as divisões, prédio com elevadores, estacionamento subterrâneo. O preço? “Os T3 vão custar entre os 260 e os 280 mil euros. Os T2 vão rondar os 200 mil”. Preços muito abaixo dos praticados no mercado, mais ainda nesta localização.
Estes últimos lotes são compostos por 63 apartamentos com tipologias entre os T2 e os T5. Mas a urbanização envolve na totalidade 800 fogos. É nesta altura o único grande projeto de cooperativas na cidade de Lisboa, numa altura em que este modelo de construção volta a ser apontado como uma resposta para a crise que Portugal atravessa.
Nas eleições autárquicas de 12 de outubro, candidatos da esquerda à direita de todo o país incluíram nos programas eleitorais o incentivo à construção de habitação por cooperativas em terrenos municipais. Em Lisboa, por exemplo, fazia parte das propostas de Carlos Moedas pela coligação PSD/CDS/IL, Alexandra Leitão pelo PS/BE/Livre/PAN, João Ferreira da CDU e Bruno Mascarenhas do Chega. As cooperativas podem mesmo ser uma peça da solução?
“As cooperativas nunca foram uma solução de massas”
Há 50 anos, as cooperativas tiveram o grande boom. No final dos anos 70, início dos 80, esta era uma das opções para muitas pessoas conseguirem comprar casa. A procura por habitação crescia, começava a ser possível poupar algum dinheiro, faltavam casas e era preciso construir rapidamente. As cooperativas conseguiam dar resposta para habitação a custos controlados e
foram responsáveis por muitos dos prédios novos que apareceram nessa altura.
Agora, 50 anos depois, podem de novo ser solução? "As cooperativas são uma solução, sempre foram”, defende Jorge Guilherme, “mas não são a solução para tudo, nunca foram. As cooperativas nunca foram uma solução de massas, para resolver um problema de um país. Sempre foram uma solução para resolver o problema de uma determinada franja da população. Pessoas que não tinham capacidade para ir ao mercado tradicional, mas que, por outro lado, também não queriam ir para um bairro social”.
A franja de que fala Jorge, é cada vez menos uma franja. Não sendo uma solução para todos, as cooperativas podem ser uma peça importante. Mas há obstáculos que fazem com que atualmente não seja fácil avançar com esta solução.
Antes de mais, o processo pode ser longo. Por exemplo, no caso da Urbanização do Vale Formoso de Cima. Os terrenos foram cedidos pela Câmara Municipal de Lisboa em 2013 e 2014. A crise imobiliária e a incerteza dos tempos da troika fez com que só em 2016 começassem a ser enviados para licenciamento os primeiros projetos. “Desde o primeiro PIP [Pedido de Informação Prévia] o processo demorou sete anos até ao início da obra e a obra mais dois anos”, conta Álvaro Silva, “nós perdemos sete anos que significaram 70% a mais no valor de construção”.
Aqui, tempo é mesmo dinheiro. Há cinco anos, T2 da mesma urbanização foram vendidos por 130 mil euros. Os que em breve vão ser entregues custam cerca de 200 mil - são mais 70 mil euros.
“Coisas de secretaria” e legislação mais sensível
Os atrasos devem-se principalmente a questões burocráticas, “coisas de secretaria, nunca são problemas técnicos” afirma Jorge Guilherme. “Os problemas técnicos rapidamente são resolvidos; o arquiteto e o técnico da autarquia conversam, mais parede, menos pilar... são coisas que rapidamente são solucionadas. Tudo o que tem a ver com burocracias e com questões que estão mal definidas até em termos de legislação, é que acabam por comprometer toda a parte do licenciamento”.
Agilizar o processo é urgente, defende Álvaro Silva, que recupera a ideia em tempos falada de uma via verde - quem promove este tipo de empreendimentos de habitação a custos controlados devia ter um caminho simplificado para os licenciamentos.
O arquiteto defende que também a legislação para este tipo de construção devia ser sensível ao objetivo de casas a preços controlados. “Na realidade, este empreendimento está feito exatamente com os meus princípios técnicos e com as mesmas exigências que uma construção tradicional de um cliente ou de um promotor privado. E os custos também são os mesmos”.
O vice-presidente da Fenache acrescenta que os custos de construção aumentaram muito nos últimos anos – a subida dos materiais e a falta de mão-
de-obra fazem com que o controlo seja mesmo muito difícil. E se os parâmetros para os projetos de cooperativas são iguais aos de um promotor normal, não é possível limitar os preços.
Ar condicionado em todas as divisões? Estacionamento subterrâneo?, questiona Jorge Guilherme, “as pessoas precisam, é de uma casa para viver. Nem sequer querem ter um carro”.
Depois, claro, é preciso terrenos para construir com alguma dimensão, que permitam volume de obra. Para isso, as autarquias e o Estado têm de fazer um levantamento rigoroso das áreas que podem vir a receber habitação. O responsável da Fenache diz que há espaço. “Se houver um repensar da própria cidade, há muitos outros terrenos que não estão projetados com essa vertente mas que podiam ser opção. Para não falar de uma outra área que é a reabilitação de património que está devoluto e que pode vir a dar novos fogos de habitação”.
E depois, salienta Jorge Guilherme, era importante manter estas casas a preços controlados.
“É preciso vontade política”
Nas cooperativas, um grupo de pessoas – os cooperadores –, juntam-se para construir casas. O terreno é cedido pelas autarquias em troca de contrapartidas (no caso da urbanização do Vale Formoso de Cima, foram entregues oito apartamentos para habitação pública e uma creche). Por ser um volume de obra grande e por não ter intermediários, os apartamentos ficam mais baratos do que o que é praticado no mercado. Para pagar a casa, os cooperadores podem recorrer a um empréstimo bancário normal e também podem vender a casa. E é aqui que é preciso intervir, defende o vice-presidente da Fenache.
“O Estado e as câmaras têm exercer o direito de preferência para manter estas casas a preços controlados”, diz. Se não for assim, estes apartamento vão entrar no mercado com os valores praticados no mercado. “Se quiser vender uma casa, vai comparar com o que está novo no mercado. O que está novo está muito inflacionado para o que é o valor normal, porque estamos a falar de habitação de luxo. Não há outro tipo de habitação a ser construída. Portanto, o barómetro [da habitação a preços controlados] deixou de existir”. Um T3 nesta urbanização vai custar ao proprietário cerca de 260.000 euros. A menos de 500 metros daqui há um empreendimento de luxo em que o preço médio dos T3 é de 1.200.000 euros – e a diferença de um milhão. “A habitação cooperativa tem de ser considerada de interesse público”, defende Jorge Guilherme. É isso que vai evitar a especulação.
Álvaro e Jorge garantem que não faltam interessados em fazer parte deste modelo. "São centenas de pessoas. Temos centenas de pré-inscrições”. Mas neste momento, não há projetos. Da lista de prioridades necessárias para que as cooperativas façam parte da solução para crise que Portugal atravessa, Jorge Guilherme aponta outra – “aqui é mesmo vontade política”.