Homens do realejo quase extintos por culpa das "lojas dos 300"

Durante muitos anos percorreram as ruas e estradas do velho Portugal anunciando, através do som inconfundível do realejo, o arranjo imediato de guarda-chuvas, sombrinhas, tachos, panelas, facas e tesouras.

Agência LUSA /

Hoje, verdadeiros resquícios do passado, restam muito poucos, entre os quais José Martins, 42 anos, um dos últimos amoladores portugueses ainda em actividade.

"Já ando nisto há 30 anos, mas os clientes são cada vez menos. às vezes, mal dá para a bucha. As pessoas preferem ir à `loja dos 300` e comprar umas tesouras ou um guarda-chuva novos do que arranjar o material avariado. Mas se fizessem bem as contas, iam perceber que perdem muito dinheiro com isso", assegura à agência Lusa José Martins.

Morador em Samora Correia, no Ribatejo, José Martins anda, por estes dias, pelo Norte, juntamente com um irmão e um sobrinho, cada qual com a sua "oficina" montada numa bicicleta.

Os três saíram de casa a 25 de Fevereiro e só lá voltarão daqui a uns dias, para matar saudades das mulheres e dos filhos. No entanto, logo de seguida rumarão a sul, para mais uma quinzena longe dos seus.

As três bicicletas-oficina são transportadas numa carrinha, a mesma utilizada pelos amoladores para pernoitarem, que os tempos são difíceis e a arte é "muito ingrata", com dias em que não conseguem facturar sequer 10 euros.

"Eu até gosto disto, mas o que mais me `amola` são as saudades da família, especialmente das minhas filhas mais novas [09 e 14 anos]. Ligo-lhes duas vezes por dia", confessa José Martins.

Em tempos não muito remotos, os amoladores pululavam um pouco por todo o lado, eram presença assídua e familiar nas aldeias portuguesas e não tinham mãos a medir para satisfazer os clientes da sua área de residência.

Actualmente, garante José Martins, "não serão mais de uma dúzia" os que ainda se dedicam à actividade, metendo os pés ao caminho, numa vida de autênticos saltimbancos.

"Penso que é uma profissão com os dias contados.

Acha que, hoje, há algum jovem que se queira sujeitar a andar na rua a tocar realejo?", questiona.

A prova da decadência da actividade está também no facto de hoje "ser muito difícil" encontrar os realejos à venda.

"Estou a precisar de substituir o meu, mas a verdade é que em Portugal não os encontro em lado nenhum.

Dizem que em Espanha há. Um dia destes dou lá um saltinho", afirma José Martins, filho e neto de antigos amoladores.

Quando começou a sua carreira, levava 40 escudos por amolar umas tesouras. Por vezes, um dia não lhe chegava para atender os clientes de uma só rua. Hoje, o preço pode elevar-se a seis euros, ou seja, quinze vezes mais. Os clientes contam-se pelos dedos.

Costureiras, fábricas de confecções, talhos e barbeiros são, actualmente, os melhores "fregueses" dos amoladores, cada um deles com três ou quatro clientes certos em cada uma das cidades, vilas e aldeias que calcorreiam.

Rui Tavares, 34 anos, é sobrinho de José Martins e será, porventura a mais recente aquisição dos amoladores de Portugal, uma vez que exerce a actividade há apenas quatro meses, depois de uma carreira frustrada "e mal paga" como carpinteiro.

"Hoje, só para um restaurante [em Viana do Castelo], amolei quatro facas e fiz seis euros. Até agora [perto das 14:00], consegui juntar cerca de 25 euros. Nunca pior", refere, por entre umas sopradelas no seu realejo, para avisar que há amolador à porta.

Depois do realejo, solta-se o pregão "Amolador à porta. Arranja-se guarda-chuvas, sombrinhas, facas, tesouras. Se tem para arranjar, é hoje".

Nas suas típicas bicicletas, sobressai a pedra de esmeril, usada para amolar através de um engenhoso sistema movido pelos pedais.

Mas nas mesmas bicicletas, e além de varetas, alicates, arrebites e toda a ferramenta necessária para "acudir" a um guarda-chuva, a uma tesoura ou a um tacho, os amoladores carregam igualmente memórias e melodias que marcaram várias gerações.

"Sabe quando passa na rádio uma música antiga, que já não se ouvia há muito? É o mesmo que acontece quando `aparece` o som do realejo dos amoladores", afirmou à Lusa, nostálgico, um transeunte.

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