Imigrantes brasileiros procuram vida nova e saudavel para os filhos em Vila do Rei
Quatro famílias brasileira s deixaram para trás Maringá, uma cidade de 300 mil habitantes no estado do Para ná, para viverem em São João do Peso, uma aldeia do concelho de Vila de Rei, cuj a população ronda apenas os 5.000.
Chegaram na quinta-feira e são as primeiras famílias com que a Câmara l ocal pretende inverter a tendência de desertificação do concelho, no âmbito de u m projecto de acolhimento de imigrantes oriundos daquela cidade brasileira, com que Vila de Rei está geminada.
Os recém-chegados ficaram surpreendidos com a cobertura mediática de qu e foram alvo desde a chegada a Portugal: "Tem sido inexplicável. A nossa saída t ambém foi notícia no Brasil, mas nada como isto", refere Cecília Fraga, de 42 an os.
Divorciada, Cecília era assessora de imprensa da prefeitura. Não se que ixa da vida no Brasil, mas veio com os dois filhos - Rebeca, de catorze anos e A rtur, com três - em busca de "uma vida nova".
Nasceu em São Paulo e a mãe chama-lhe nómada, porque já viveu em vários lugares do Brasil, mas nunca tinha saído do seu país. Desde que teve conhecimen to do projecto de Vila de Rei, levou cinco meses a amadurecer a ideia.
"Eu tinha um bom salário lá, mas não ia passar daquilo. Prefiro dar um passo atrás e começar uma vida nova", descreve Cecília, que não esconde a ambiçã o de frequentar estudos superiores em Portugal.
O ambiente pacato é outro dos argumentos a favor de Vila de Rei: Não te m as mesmas diversões que Maringá, mas "de que vale um centro comercial ou um ci nema se não temos tempo para lá ir", questiona.
Cecília acredita que em Vila de Rei há tempo para tudo, sobretudo para os filhos crescerem mais saudáveis. Esta é razão apontada por todos os pais quan do justificam a deslocação.
Letícia Duarte, 34 anos, psicóloga, tratava da mãe que faleceu vítima d e doença prolongada no final de 2005.
"Por melhor que estivesse na vida, sempre procurei uma oportunidade par a mudar. Mas só se pudesse levar toda a família. Por isso, este projecto foi o i deal, com liberdade e sem problemas de emigração", diz.
Letícia recorda também a sua ascendência portuguesa, com um avô que era natural de Salvaterra do Extremo, concelho de Idanha-a-Nova, igualmente no dist rito de Castelo Branco.
O marido, Marcelo Duarte, 30 anos, deixou a empresa de informática em q ue trabalhou ao longo de 11 anos: "Lá, eu podia ser promovido em breve, mas só s e mudasse de cidade", explica.
E entre outra cidade brasileira e Vila de Rei, optaram pelo que pensara m ser "o melhor" para os seus filhos": Helena, de 11 anos e Mateus, com seis.
Quanto ao futuro - diz Marcelo - "vamos devagarinho. A vida é uma escad inha que vamos subindo degrau a degrau". "No Brasil há mais concorrência e aqui há mais oportunidades", consider a Daiane, de 21 anos e que era vendedora. Acompanha o seu irmão e a cunhada Regi ane numa "aventura em busca de uma nova vida".
"Também quero estudar. Se puder, vou fazer um curso de medicina", desta ca.
O irmão, Daniel Padilha, de 25 anos, prepara-se para sair e fazer as pr imeiras compras em terras lusas, enquanto a esposa, Regiane Padilha, de 19 anos, fica no quarto a recuperar de uma indisposição.
"Têm sido dias muito agitados", refere o confeiteiro que continua apaix onado por Maringá.
"Adoro a minha cidade, mas falta tempo para fazer as pequenas coisas da vida que às vezes são muito importantes", ilustra.
Após uma passagem pela Câmara de Vila de Rei, para tratar de alguns ass untos com a presidente, parte dos brasileiros aproxima-se da banca de legumes e frutas estacionada em frente aos Paços do Concelho, em que Rita Silva vende algu ns dos ingredientes para o primeiro almoço do grupo em Portugal.
"Se vierem com vontade de trabalhar, acho que é bom", comenta a vendedo ra.
Pouco depois, no café da vila por onde passa, o grupo é outra vez alvo das atenções, mas as opiniões não são unânimes.
"Não acho bem, nem acho mal", refere Márcio Ventura. "Há aqui quem prec ise de emprego", acrescenta, enquanto espreita para os imigrantes recém-chegados .
Marco Ramos é menos contido nas palavras: "Para mim não está correcto. Em dois anos houve 40 nascimentos aqui na vila, por isso, isto não vai ficar des erto", garante.
Cá fora, na esplanada, há quem comente "se fosse para trabalhar não est avam cá", mas depois esconde-se no meio dos presentes.
Entretanto, Cecília recebe um telefonema dos pais. Apesar de estar pres tes a almoçar, "lá ainda são oito e 38. O meu celular ainda está pela hora do Br asil", ressalva.
A compra de telemóveis portugueses está na lista das próximas aquisiçõe s e os imigrantes confessam que já esqueceram os reais.
"Já só pensamos em euros", atalha Letícia.
Na cozinha da casa senhorial de São João do Peso, Adélia Oliveira, de 2 8 anos, já prepara o primeiro almoço em Portugal, enquanto o marido, Pedro Olive ira, ainda está no parque da aldeia com os filhos: Lauren, de sete anos e Vinici us, de três - o mais novo de toda a comitiva brasileira.
"Vamos ter arroz, feijão e frango, uma ementa tipicamente brasileira". "Se um dia voltar ao Brasil, os meus filhos vão poder dizer que estudaram na Eur opa", ressalva a mãe, que era cabeleireira.
Em Vila de Rei, os imigrantes recém-chegados vão para já trabalhar na á rea da restauração e no centro de acolhimento para idosos de São João do Peso.
"Ainda estamos a acertar detalhes com a responsável por esse sector na Câmara", refere Cecília Fraga. Segundo explica, todos vão começar por ganhar o s alário mínimo nacional, nas funções que esperam iniciar na próxima semana. "Depo is, cada dará os seus espaços e terá as suas oportunidades", acrescenta.
Todos têm um visto de residência com prazo de 180 dias que deve ser ent retanto ser regularizado em Castelo Branco, para assegurar a permanência em Port ugal.
Na próxima semana, os pais vão tratar de inscrever as crianças nas esco las de Vila de Rei, cada qual no grau de ensino mais adequado. Apesar de o ano l ectivo estar quase no fim, "ainda vão frequentar as aulas, para nós organizarmos a nossa vida de adultos", acrescenta Cecília.
"Nós vimos abrir caminho para outros brasileiros que ainda vêm e por is so é natural que possamos sofrer mais alguma dificuldade de início. Mas espero q ue não seja preciso mais de um mês para conhecermos a região", considera Letícia .
Para já, as quatro famílias decidiram viver juntas numa casa senhorial disponibilizada pela Câmara em São João do Peso. Alugarem as suas próprias casas é uma etapa futura.
"Eu só conto voltar ao Brasil de passeio", confessa Letícia. Cecília su bscreve: "A única coisa que me faria voltar seria algo relacionado com os meus f ilhos". "Viemos para ficar. Mesmo Lisboa, só de passeio", dizem, em uníssono.
A presidente da Câmara, Irene Barata, disse à Agência Lusa que o object ivo "é até ao final deste mandato fixar 50 famílias brasileiras com este project o".
O concelho de Vila de Rei, com uma área de 193 mil quilómetros quadrado s e 94 povoações, tem apenas cerca de cinco mil habitantes, um terço dos quais c om mais de 65 anos.
Em breve vai começar a ser construído em Vila de Rei um centro de lazer e bem-estar para 300 utentes, enquanto nas freguesias de São João do Peso e Mil reu já estão em fase adiantada as obras de dois lares, cada um com capacidade pa ra 70 utentes.
As três obras representam um investimento estimado da ordem dos nove mi lhões de euros.
Para o próximo ano, a autarquia prevê o aparecimento de mais investimen tos privados na área da restauração.
A autarca realça que "o desemprego no concelho é praticamente inexisten te, pelo que este projecto não prejudica a população".
"Do que precisamos é de mais residentes (...) "Temos orgulho neste noss o projecto inovador, com o qual queremos rejuvenescer e repovoar o concelho e in verter a tendência de desertificação. Garantimos emprego para fixar a população e ao mesmo tempo dando garantias de mão-de-obra qualificada para os novos invest imentos", afirma Irene Barata.