Jardim Botânico do Porto mantém memórias da infância de Sophia Andresen e Ruben A.
As primeiras folhas avermelhadas no enorme liquidâmbar já anunciam o Outono, altura em que o Jardim Botânico do Porto, onde brincavam na infância dois nomes de vulto da literatura portuguesa, adquire um novo colorido, mais adequado à nova estação.
O jardim, uma antiga quinta oitocentista na zona do Campo Alegre, estende-se por cerca de quatro hectares e, além das árvores e plantas, tem o atractivo especial de ser o local onde os primos Sophia de Mello Breyner Andresen e Ruben A. brincavam quando eram crianças.
"Nenhum deles nasceu aqui, mas ambos tiveram a sua infância e adolescência muito ligada a esta quinta", salientou Teresa Andresen, actual directora do jardim.
Não é, por isso, de estranhar que, logo nos bosquetes de entrada seja possível ler extractos de obras de Sophia e Ruben que descrevem a quinta, um dos quais refere as tílias existentes na frente da casa.
Da mesma forma, é possível admirar a árvore de papel, cuja casca - que se desprende como folhas de papel - era utilizada pelas crianças para construir o que diziam ser as casas dos anões, no local onde hoje existe o Jardim dos Anões.
"Este jardim tinha um grande carvalho e um conjunto de faias, que estão descritos nas histórias de Sophia. Sabemos que era o local onde as crianças brincavam e faziam as casas dos anões, sendo o cenário do conto `A Floresta`, escrito por Sophia", salientou Teresa Andresen.
A poucos metros de distância encontra-se o Jardim do Rapaz de Bronze, outra referência importante na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, dominado por um pequeno lago com uma estátua de onde jorra água.
"O `Rapaz de Bronze`, outra história de Sofia, também cá está, só que nunca foi um rapaz, sempre foi uma senhora, que ela ficcionou como sendo um rapaz", frisou a directora do Jardim Botânico.
"Num lugar sombrio, solitário e verde, havia um pequeno jardim rodeado de árvores altíssimas. No meio desse jardim havia um lago redondo sempre cheio de folhas. No centro do lago havia uma ilha muito pequena onde cresciam fetos e no centro estava uma estátua que era um rapaz de bronze", pode-se ler numa placa junto ao lago, que cita um trecho da obra `O Rapaz de Bronze`.
Os denominados jardins literários, pela sua ligação com as vivências de Sophia e Ruben, estão situados em volta da casa principal, sendo possível ao visitante sentar-se no banco de azulejos descrito pela escritora, observar a glicínia de que fala na sua obra e mesmo o bucho que entra num dos seus contos.
"A opção de manter as vivências de Sophia foi uma coincidência. Quando a Universidade do Porto comprou a quinta, em 1949, encarregou um alemão, Franz Koepp, de transformar o espaço num jardim botânico. Muito sabiamente, ele não mexeu na estrutura inicial do jardim e tivemos a sorte de a conseguir manter", salientou Teresa Andresen.
Os jardins literários são apenas uma das vertentes do Jardim Botânico do Porto, que também se assume como um jardim histórico, por ser um dos últimos exemplos de como eram as quintas de recreio no Porto oitocentista.
"O que aqui temos é um jardim histórico, como já existem poucos actualmente no Porto", frisou Teresa Andresen, recordando que a antiga quinta, enquanto casa de recreio, tinha vários espaços ajardinados, estufas e um roseiral.
Na sua vertente de jardim botânico, este espaço tem como um dos principais atractivos cerca de 500 metros de camélias centenárias, além de colecções de suculentas, azálias e cactos.
Mais afastado da casa principal, no arboreto, destaca-se uma colecção de fetos, mas também um enorme eucalipto, que Teresa Andresen diz parecer "prateado", uma faia de grandes dimensões e uma gigantesca tília-chorona.
"Esta árvore parece uma catedral, é uma das mais espectaculares do jardim botânico. É linda, linda, linda", afirmou a directora do jardim, que se escusou a dizer qual a sua árvore preferida, numa lista que também inclui o "notável" liquidâmbar que já anuncia a chegada do Outono.
Um roseiral e um jardim de plantas aquáticas, onde se destaca uma espécie de trevo em vias de extinção, rodeada de nenúfares e papiros, são outros dos espaços abertos aos visitantes, assim como o Jardim dos Jotas, ocupado com plantas bolbosas.
No renovado espaço do Jardim Botânico do Porto apenas destoam as estufas, que estão encerradas ao público por não apresentarem condições de segurança mínimas devido ao estado de degradação em que se encontram.
No seu interior, encontram-se colecções de orquídeas, de fetos e de plantas carnívoras, entre outras, mas a direcção do jardim ainda não sabe quando as estufas poderão ser abertas ao público.