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Jornalistas param na quinta-feira. Mesmo com "amor à camisola", o frigorífico não se "enche com camisolas"
A precariedade no jornalismo marcou o 5.º Congresso dos Jornalistas, realizado em janeiro, e é um dos motes para a greve geral que acontece esta quinta-feira.
Foto: Nuno Veiga - lusa
As principais concentrações estão previstas em Lisboa, no Porto, em Coimbra e em Ponta Delgada. Luís Filipe Simões espera uma “grande adesão” pelo cenário que o setor atravessa.
E por onde passa a precariedade? Em 2016, um estudo do Observatório da Comunicação já destacava que mais de 40 por cento tinha vínculos laborais precários (freelancers, colaborações à peça e por avença, contratos a termo certo e estágios curriculares e profissionais).
Uma percentagem expressiva - 64,2 por cento - assumia já ter ponderado o abandono do jornalismo. “Entre as razões encontram-se o baixo rendimento, degradação da profissão ou condições de trabalho, precariedade contratual e ainda stress”, é apontado no documento.
No ano passado, num novo trabalho, era novamente realçado este aspeto: 48 por cento sentiam-se inseguros com a sua situação precária, enquanto 82 por cento afirmavam que o ritmo de trabalho transformou as rotinas produtivas na redação. Olhando para o salário, “1.225 euros é a remuneração média líquida dos jornalistas respondentes no ativo”, é referido no Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Jornalistas.
Freelancers enfrentam uma “permanente incerteza”
“Falta-me estabilidade laboral para exercer a profissão como devia ser suposto”, lamenta a jornalista Paula Sofia Luz. Tem 51 anos, vive em Leiria e é freelancer há dez anos, isto é, não tem um vínculo contratual permanente com uma empresa.
"Dentro da precariedade, até me considero de alguma maneira privilegiada”, diz Paula, que recebe uma avença do órgão para o qual trabalha: “é quase um salário, porque depois não tens todas as regalias salariais dos assalariados”.
A jornalista Sara Araújo de Almeida relata a história de Paula que, apesar do “esforço sobrehumano” que faz para manter estabilidade laboral e emocional, não pensa desistir da profissão.
Estágios com vencimentos abaixo do salário mínimo
O mesmo não pensa Catarina Marques, que atualmente é professora de Língua Portuguesa Não Materna. Trabalhou durante um ano e meio como jornalista, mas acusou o cansaço associado ao ritmo acelerado da redação de rádio onde trabalhava, juntamente com os baixos salários.
“Vamos ser sinceros: se este cansaço fosse compensado com mais remuneração, talvez tivesse ponderado continuar no jornalismo”, confessa. Durante seis meses recebeu 150 euros mensais enquanto tinha contratos de estágio. Depois esteve um ano com contrato sem termo a receber o salário mínimo - cerca de 760 euros.
Para poderem ter a carteira profissional, os jornalistas têm de realizar um estágio profissional durante um ano (se tiveram formação nesta área) ou 18 meses (se a formação for de outra área). Os estágios curriculares e extracurriculares, feitos ao abrigo de acordos com faculdades ou por iniciativa própria, que podem não ser remunerados, não contam para a contagem destes tempos.
Insatisfeita com o salário, com as horas extra que fazia e com as constantes mudanças de turno, Catarina acabou por mudar de rumo: “costuma-se dizer que devemos ter amor à camisola, mas eu não como com camisolas e não encho o frigorífico com camisolas. Eu encho o meu frigorífico com dinheiro”. O jornalista Gonçalo Costa Martins conheceu também a história de Mariana (prefere não revelar o apelido). Há três meses que começou a estagiar e recebe 200 euros, com um horário a tempo inteiro. Lamenta que estes valores sejam “transversais” ao setor.
Embora tenha em conta as dificuldades dos órgãos, “neste momento entrar no jornalismo está para poucos e para quem consegue viver com muito pouco”, considera Mariana. Diz conseguir viver com o salário que tem por causa das poupanças do trabalho anterior e por viver com os pais.