Juízes abrem negociações sem abdicar de cenário de greve

por Carlos Santos Neves - RTP
A contraproposta da ASJP chegará nas próximas duas semanas ao Ministério de Francisca Van Dunem Pedro Nunes - Lusa

Reunida em assembleia-geral, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses determinou este sábado a abertura de “um processo negocial” com o Ministério da Justiça sobre a proposta de novos estatutos para a classe. Contudo, mantém-se sobre a mesa a ameaça de uma greve em agosto que, a concretizar-se, pode pôr em causa as eleições autárquicas a 1 de outubro. O primeiro-ministro já reagiu: “É a conversar que as pessoas se entendem”.

“Depois desta assembleia, considerando que o estatuto que nos foi apresentado é um mau estatuto, que põe em causa a independência dos juízes, funcionaliza-osO presidente do Supremo Tribunal de Justiça já solicitou uma reunião com caráter de urgência ao Presidente da República, numa tentativa de solucionar este conflito.
de uma forma acentuada, a direção ficou mandatada para, findo o processo negociado que se vai abrir – e esperamos que ainda nesse processo se possa ter alguns ganhos, chegar a alguns entendimentos –, se continuarmos a considerar que aquilo que nos é proposto pelo poder político é este tipo de soluções que pouco dignificam a classe, para pensar em formas de luta, nomeadamente a greve, que possa abranger efetivamente esse período eleitoral”, afirmou ao início da tarde a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuela Paupério, em declarações aos jornalistas.

A contraproposta da ASJP chegará nas próximas duas semanas ao Ministério de Francisca Van Dunem.

Ouvido pela reportagem da RTP, à entrada para a assembleia-geral em Coimbra, João Paulo Raposo, dirigente da ASJP, quis garantir que “qualquer reação que seja tomada pelos juízes será sempre com grande sentido de responsabilidade e procurando que os cidadãos, que são as pessoas que são destinatários da justiça, para quem os juízes decidem, não sejam afetados”.

Na base do conflito está a revisão dos estatutos da classe. A somar a aumentos salariais tidos como insuficientes, ao cabo de vários anos de cortes, os juízes discordam de regras que a tutela pretende implementar.

“Quando as questões de independência externa se colocam, isto é, a independência face aos outros poderes, muitas vezes é por essa via, por via da compressão da vida dos juízes, do seu estatuto social, do seu estatuto económico, que os ataques à independência são feitos. É isso que os juízes portugueses não estão dispostos a aceitar”, acrescentou João Paulo Raposo.
"Persecutório"

Recorde-se que a validação das listas de candidatos às autárquicas acontece em agosto, pelo que uma greve nesse mês inviabilizaria, na prática, o processo eleitoral marcado de 1 outubro. Uma advertência que será levada a Belém, na próxima quinta-feira, pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar.

Questionado sobre esta situação, Marcelo Rebelo de Sousa não quis alargar-se em comentários.

Também o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) se debruçou este sábado sobre os novos estatutos. Estes profissionais pretendem ver respostas concretas a reivindicações relativas ao aumento do suplemento salarial de exclusividade, progressão na carreira, reforço de garantias de independência e articulação com a reorganização dos tribunais.

“Este estatuto tem normas de tal forma graves que implicam, por exemplo, que um magistrado do Ministério Público que se jubile aos 70 anos de idade, se estiver 75 anos de idade, poderá ser chamado ainda por voltar a trabalhar por imposição do Conselho Superior do Ministério Público”, exemplificou António Ventinhas, presidente do SMMP, em declarações à RTP.

“Existe aqui um feroz ataque aos magistrados do Ministério Público, até à sua liberdade de expressão, que passa a ser punida disciplinarmente. O que está em causa é a construção de um modelo autoritário do Ministério Público, sem respeito pelas liberdades individuais, discriminatório para os magistrados do Ministério Público e persecutório, em alguns casos”, acentuou.

Questionado sobre a possibilidade de a sua estrutura sindical avançar para a greve, António Ventinhas foi taxativo: “Neste momento estão em cima da mesa todos os cenários”.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público terá ainda de realizar nova assembleia-geral, extraordinária, para consolidar o caminho da paralisação.
“Posição bastante construtiva”
Confrontado com a posição assumida pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o primeiro-ministro salientou a “disponibilidade para negociar”.

“O que verifiquei foi uma posição bastante construtiva de corresponderem, com uma contraproposta, à proposta do Governo e a abertura de um processo negocial, o que é saudável e muito positivo”, afirmou António Costa aos jornalistas, ao iniciar uma visita ao evento Serralves em Festa, no Porto.

Sobre a possibilidade de uma greve, Costa assinalou ser necessário auscultar “a opinião” dos juízes “porque é a conversar que as pessoas se entendem”.

c/ Lusa
Tópicos
pub