Juízes não aceitam suspender julgamento de Ricardo Salgado

por RTP

No âmbito da Operação Marquês, o coletivo de juízes recusa suspender o julgamento de Ricardo Salgado, com base no argumento de que o ex-banqueiro tem a doença de Alzheimer.

A defesa de Ricardo Salgado tinha invocado a doença do ex-banqueiro para apresentar na semana passada um pedido de suspensão do julgamento, com base num atestado médico  e alegando que as capacidades neurológicas do banqueiro estão diminuídas, com impossibilidade de responder e de se defender. O atestado assinado pelo médico neurologista, o Professor Doutor Joaquim Ferreira (que tem seguido clinicamente o arguido), em 12 de Outubro de 2021, foi apresentado pela defesa do ex-banqueiro, servindo de base ao requerimento submetido a 14 de outubro.

Os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce sustentaram que "se a restrição ou limitação da sua capacidade advém de anomalia psíquica (p. ex., doença de Alzheimer), então é porque, nestes casos, o processo não pode prosseguir, sob pena de violação do direito de defesa do ora arguido".

"Em face da comprovada anomalia psíquica da Doença de Alzheimer diagnosticada ao ora arguido, (...) requer-se que V. Ex.ª se digne determinar a suspensão do presente processo", peticionaram.

Mas a decisão do juiz é de prosseguir com o julgamento e a sessão está marcada para amanhã, da parte da manhã.

É também possível que o juiz titular do processo avance para as alegações finais.

Ricardo Salgado responde neste julgamento por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros no âmbito da Operação Marquês, do qual este processo foi separado.
Sem sustentação
Ao justificar a decisão, o presidente do coletivo de juízes, Francisco Henriques, entende que as afirmações do requerimento, que invocam um estado de degradação do antigo presidente do BES, de 77 anos, ao ponto de não ter capacidade para se defender ou não compreender o alcance do julgamento, "constituem uma petição de princípio que não têm sustentação no atestado" médico junto aos autos do processo e valorizado como “meio de prova”.No despacho a indeferir o pedido, o coletivo de juízes refere que “não discute a qualificação da doença de Alzheimer como uma doença neurológica, trata-se de matéria factual”.

Não é indubitável que as capacidades de defesa do arguido estejam limitadas de tal forma que o impeçam de se defender de forma plena. Não parece decorrer do teor do atestado médico que o arguido esteja mental ou fisicamente ausente”, refere.

O despacho considera ainda “a degradação das faculdades cognitivas” uma “consequência natural da longevidade humana”. “Em regra, o ser humano na faixa etária do arguido sofre de natural decréscimo das capacidades cognitivas”, lembra.

“Por outro lado, a prestação de depoimento ou de declarações em Tribunal não constitui uma atividade similar à prestação de provas académicas. Não é isso que se exige a um arguido, assistente, demandante ou testemunha. A prestação de declarações ou de depoimento constituem os meios de prova avaliados mais falíveis, precisamente devido à variável humana e à imprecisão da formação de memórias”, frisa o coletivo.

“Assim sendo, a limitação cognitiva do arguido não é algo que lhe seja coercivamente imposto, mas, apenas, uma limitação da natureza do ser humano, potenciado por uma doença neurológica degenerativa. Ou seja, não é o Tribunal que impõe qualquer limite ao direito de defesa do arguido, é o próprio arguido que autolimita as suas capacidades de defesa ao optar por não prestar declarações em Tribunal”, concluiu, para justificar a continuidade processual.

Mesmo considerando que o “arguido está limitado na sua capacidade de prestar declarações em Tribunal”, como afirma a defesa com base no atestado apresentado, “essa limitação não é impeditiva da prestação de declarações” e, mesmo que afete a “capacidade de reproduzir memórias”, “não é de todo impeditiva do exercício do direito de apresentar pessoalmente em julgamento a versão dos factos passados”, consideram os juízes.
Prematura

O juiz presidente faz ainda notar que a questão colocada foi "manifestamente prematura".

Integrar tal situação clínica no conceito de anomalia psíquica impõe uma subsunção jurídica que claramente não pode ser efectuada neste momento processual, em que a produção dos meios de prova não terminou”, sublinha. “Fazer qualquer consideração sobre o assunto seria antecipar uma apreciação jurídicovalorativa que neste momento não é admissível”.

Os juízes descartaram ainda o argumento de "violação do direito à defesa do arguido" invocado no requerimento apresentado pela defesa.

Referindo que “as afirmações “o arguido está demente” ou o "arguido não tem capacidade para se autodefender por si" ou “o arguido não entende o alcance do julgamento”, constituem "uma petição de princípio que não têm sustentação no atestado médico junto aos autos”, concluem com certa severidade que, “de qualquer forma, face à defesa apresentada pelo arguido neste processo é um pouco forçado afirmar que não lhe é garantido o due and fair Trial."

"Afigura-se difícil de conceber que no caso presente se esteja a infringir o disposto no artigo 6.º n.º 3 alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, mantém.

O despacho sublinha igualmente que “a suspensão do processo tem causas bem definidas (cfr., artigo 281.º do Código Processo Penal)”, “não podendo o arguido beneficiar de qualquer suspensão do processo, nem sequer por analogia”.

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro o requerido in totum”, conclui.
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