"Lapso de escrita". Sócrates fala em "artimanha" para "manipular prazos" da Operação Marquês

O antigo primeiro-ministro José Sócrates apresenta esta terça-feira, em Bruxelas, uma queixa-crime contra o Estado português no Tribunal dos Direitos do Homem relativa à Operação Marquês, em que é acusado e que se arrasta há 14 anos. Em conferência de imprensa, José Sócrates explicou a decisão, apontando um "lapso de escrita" que "ressuscitou" e manipulou o processo e que terá sido a "gota de água" que levou à queixa contra o Estado português.

Inês Moreira Santos - RTP /
Ana Serapicos - RTP

"O processo estava morto e foi trazido à vida por um lapso de escrita", começou por declarar, referindo-se à Operação Marquês. Segundo o ex-chefe de Governo, este "lapso de escrita" refere que "quatro procuradores se enganaram".

"Enganaram-se todos ao mesmo tempo", frisou. "E enganaram-se logo na parte mais nobre da acusação: a qualificação jurídica da conduta das pessoas que são acusadas".

Além disso, Sócrates considerou "igualmente extraordinário" que o referido "lapso de escrita" tenha demorado "quatro anos a ser identificado", visto que a acusação foi apresentada em 2017 e o lapso invocado em 2021.

Um ano depois desta acusação, continuou Sócrates, o Tribunal terá sido notificado pelo Ministério Público por haver "lapsos de escrita" que deveriam ser corrigidos. Num documento de 16 páginas, salientou, estão identificados "vários lapsos de escrita que todos aceitaram" mas não havia "nenhuma referência àquele lapso de escrita".

"Isto significa o seguinte: o lapso de escrita nunca existiu. O lapso de escrita é uma fabricação do sistema judicial".

O antigo primeiro-ministro considerou que o “lapso de escrita” é “uma artimanha que serviu apenas para manipular os prazos de prescrição e querer levar” o processo a julgamento: “O lapso de escrita é apenas isso”.

“Foi a gota de água que me levou a decidir por uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). É demais”, disse José Sócrates ladeado pelo advogado Christophe Marchand.

Quatro anos depois da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, José Sócrates advogou que as juízas “inventaram um lapso de escrita”, criticou.

Nesta declarações, José Sócrates acrescentou que este "lapso de escrita agravou o crime, agravou a moldura penal e estendeu o prazo de prescrição".

"Não consigo pensar em maior modificação essencial".

"Em 2021, o Tribunal de Instrução considerou todas as alegações do processo Marquês como fantasiosas e especulativas. Foi essa a decisão do juiz Ivo Rosa. E considerou também que todos os crimes da acusação estavam prescritos. Quatro anos depois, em 2024, um Tribunal da Relação, com dois juízes, inventou um lapso de escrita. Mudaram o crime de acusação e manipularam os prazos de prescrição", denunciou.

José Sócrates apresentou um outro ponto para justificar esta queixa-crime: "é de direito ter o seu caso julgado num tribunal previsto na lei".

O antigo primeiro-ministro nega-se a ser julgado pelo Tribunal de Instrução a quem acusa de ter "manipulado a distribuição do processo Marquês" tendo procedido à "falsificação da escolha do juiz Carlos Alexandre".

"Só as ditaduras escolhem os tribunais para os processos", acusou.

Por fim, outro ponto que motivou Sócrates a apresentar queixa está relacionada com a "campanha mediática do caso e a presunção de inocência".

"Durante 10 anos, as autoridades promoveram uma campanha de difamação, contra o direito ao segredo de justiça", disse, acusando que o "jornalismo português nunca foi isento neste caso". E neste aspeto salientou o que considera ser o momento mais significativo: "a entrevista televisiva ao juiz Carlos Alexandre".

"Essa entrevista diz tudo sobre a parcialidade do juiz e sobre a violação do princípio da presunção da inocência", considerou, afirmando que "dez anos depois tudo continua igual, com a mesma campanha" contra si.

O advogado de Sócrates, da firma Jus Cogens, também considerou na conferência de imprensa que este é um "julgamento político" muito "instrumentalizado".

Está previsto começar a 3 de julho o julgamento da Operação Marquês, um processo inédito em Portugal que pela primeira vez senta no banco dos réus um ex-primeiro-ministro, mas já uma década depois de conhecida a investigação. A juíza Susana Seca, do Tribunal Central Criminal de Lisboa, vai presidir ao coletivo de julgamento do processo.

Da detenção na noite de 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa quando chegava de Paris, até aos dias de hoje passou mais de uma década de um dos processos mais mediáticos de sempre em Portugal.

O arrastar do processo, que só em março deste ano viu finalmente ser agendada uma data para o arranque do julgamento, motivou críticas à justiça, e da justiça, à morosidade que sucessivos recursos podem impor, com pedidos de reflexão, propostas de alteração e mais críticas a tudo isso.

A acusação imputava 189 crimes a 28 arguidos, num processo de suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal que envolviam, não só o Governo e o Estado, pela alegada participação de um ex-primeiro-ministro, mas grupos de construção civil, o maior banco português na altura, o BES, uma das empresas nacionais de maior dimensão, a Portugal Telecom, entre outros.
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