Mais 40 por cento de espécies identificadas no Gorringe
A "Lusoexpedição2006" aos cumes submarinos de Gorringe, em pleno Oceano Atlântico, acrescentou 43 por cento de espécies às que já tinham sido registadas no local, incluindo uma esponja que produz um composto com actividade anti-HIV.
Seis dias e nove mergulhos depois do navio Creoula deixar Lisboa com a expedição a bordo, os investigadores foram unânimes em avaliar a missão, que regressou hoje à Base Naval do Alfeite, como "um sucesso".
O principal objectivo da "Lusoexpedição 2006", era aumentar o conhecimento sobre as espécies do banco submarino de Gorringe, constituído por uma série de ilhas afundadas, aproximadamente a meio caminho entre Portugal e a Madeira, a cerca de 500 quilómetros do Cabo de São Vicente.
Só na fase preliminar, numa primeira triagem das amostras recolhidas, o número de espécies que estavam identificadas no Gorringe passou de 164 para 235, ou seja, um aumento de 43 por cento, dentro dos vários grupos estudados pela equipa de cientistas de diversas universidades e especialidades (algas, esponjas, cnidários, anelídeos, moluscos, crustáceos, equinodermes, ascídeas, peixes, répteis e aves).
No que respeita às esponjas, por exemplo, foram recolhidos 90 espécimes e identificadas 22 novas espécies no Gorringe, onde antes existiam apenas seis.
Esta foi possivelmente a categoria onde foram acrescentados mais novos registos.
"Até ao último mergulho, na manhã de quarta-feira, continuaram a aparecer novos registos, o que significa que a amostragem devia ter sido ainda mais intensa. O ideal seria poder ficar mais uma semana", disse à agência Lusa Joana Xavier, da Universidade de Amesterdão, e especialista da equipa em esponjas.
Explicou que uma destas espécies - a Erylus discophorus - "é extremamente importante para um grupo de química da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que isolou um composto com actividade anti-HIV produzido por esta esponja".
O problema é que "para desenvolver estes estudos são precisas grandes quantidades de biomassa. O Gorringe é uma mina para este tipo de esponja. Conseguimos recolher mais material nesta expedição do que nos últimos três anos", afirmou, satisfeita.
Joana Xavier adiantou que as esponjas captam cada vez mais a atenção dos cientistas devido às suas características químicas.
"São organismos muito dependentes do substrato, com muito poucas defesas, que acabam por encontrar na química o seu principal aliado para competir com outros organismos e se defenderem dos predadores. Os compostos que produzem têm propriedades muito interessantes e a indústria farmacêutica tem demonstrado grande interesse neste tipo de estudos", explicou.
No grupo dos moluscos, o número de espécies identificadas no Gorringe subiu de 44 para 60, incluindo uma nova para a ciência que será baptizada de "Calliostoma creoulensis" em homenagem ao navio que transportou a "Lusoexpedição2006".
Durante os seis dias de expedição, os investigadores fizeram nove mergulhos com cerca de 15 minutos cada e desceram até 42 metros de profundidade, no pico de Ormonde e até 37 no pico de Gettysburg.
"Nestas condições, o tempo é muito limitado.
Estamos mais condicionados pelo facto de ser mar aberto e grandes profundidades", justificou Joana Xavier.
No total, foram identificadas 117 espécies durante os mergulhos efectuados no pico de Gettysburg e 77 nas descidas ao cume de Ormonde.
No grupo dos peixes, as espécies identificadas nestes cumes aumentaram 29 por cento, tendo sido registados alguns de grandes dimensões como o congro, que não estava anteriormente referenciado.
"Trata-se de um grupo mais rastreado em relação ao resto", justificou Frederico Cardigos, do Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores. "Os mergulhadores gostam dos peixes e estão mais sensibilizados para estas espécies. Muitos já tinham sido filmados e identificados anteriormente".
O investigador chamou a atenção para o facto de não terem sido encontrados nem meros, nem tubarões. "Será um efeito das pescas?", questionou.
Foi também encontrada uma espécie "alienígena" - a ascídea (um animal transparente que vive agarrado às pedras),- que não existia neste local e que pode ter vindo parar ao Gorringe "transportado" num casco de um barco, admitiu.
Nuno Álvaro, da secção de Biologia Marinha da Universidade dos Açores, também concretizou a sua principal missão: recolher algas.
"O objectivo era recolher o máximo de algas possível para fazer uma colecção de referência do Gorringe e compreender melhor como funciona este sistema isolado no oceano Atlântico".
Algumas destas algas, como a "Codium elizabetha" ou alga bola, não estavam referenciadas ainda neste local.
A equipa da "Lusoexpedição2006", liderada pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), integrou investigadores da Universidade dos Açores, da Universidade do Algarve, da Universidade de Amesterdão e do Instituto de Oceanografia e um grupo de 35 estudantes universitários que fizeram a triagem das amostras recolhidas.
Frederico Almada, biólogo marinho da ULHT sublinhou, a este propósito, o facto de ser invulgar "ter um grupo de investigadores de diferentes universidades a trabalhar tão bem e tão em sintonia uns com os outros".
"É algo que não se vê muito por cá. As pessoas trabalharam em conjunto disponibilizando-se sempre para colaborar umas com as outras", salientou à Lusa o cientista.
O trabalho vai prosseguir, agora a nível laboratorial, para aprofundar a vertente científica do projecto e avaliar a situação de conservação destes cumes oceânicos classificados como "oásis de biodiversidade".