Mais de 20 mil abortos clandestinos por ano e apenas 906 "oficiais"

por Agência LUSA

No ano passado realizaram-se em Portugal 906 abortos ao abrigo da lei, mas números internacionais estimam que o número de interrupções de gravidez clandestinas seja de 20 a 30 mil por ano, revela hoje a imprensa.

Segundo o jornal Público, foram oficialmente registados 73 casos de aborto ilegal, porque chegaram aos hospitais portugueses, mas números a partir de dados internacionais permitem estimar que serão mais de 20 mil as interrupções de gravidez clandestinas em Portugal.

O Público realça que a maior parte dos 906 abortos feitos dentro dos critérios estabelecidos pela lei foi feita devido a malformações fetais.

Por seu lado, o Correio da Manhã (CM) refere que o "Aborto legal vai custar 20 milhões ao Estado" e que, no ano passado, "os 906 casos aceites nos hospitais custaram ao Estado 973 mil euros".

O CM salienta que, se o aborto for despenalizado e se as 25 a 30 mil intervenções clandestinas estimadas em Portugal pela Associação para o Planeamento Familiar e outras fontes na área da saúde contactadas pelo CM forem feitas pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), isso "pode custar ao Estado português entre 20,7 milhões de euros e 26,8 milhões".

O jornal adianta que cada um dos abortos no SNS custou ao Estado 1.074 euros nos casos em que houve internamento e cirurgia e 829 euros nos casos em que a interrupção foi feita medicamentos, podendo o total ter chegado aos 973 mil euros, "sem ter em conta eventuais complicações e materiais clínicos".

Um terço destes abortos dentro da lei foi feito através de pílula abortiva e dois terços com intervenções cirúrgicas, custando neste último caso ao Estado, por cada dia de internamento, segundo a tabela do SNS, entre 71 e 414 euros.

O CM salienta que o negócio das clínicas privadas e parteiras que fazem abortos em Portugal à margem da lei pode render 11,2 milhoes de euros (cerca de 450 euros cada) e que o volume de negócios das clínicas espanholas que realizam abortos oficialmente ronda os 36 milhões de euros.

Entre as estatísticas divulgadas pelos jornais ressalta ainda que os abortos registados oficialmente como "espontâneos" em Portugal são 4.454, representando quase metade dos 10.551 internamentos devido a interrupções de gravidez registados no SNS.

Dados estatísticos da DGS apontam 1.861 como abortos "não especificados", um grupo que segundo o Público incluirá "casos de complicações surgidas na sequência de abortos clandestinos" e que tem vindo a diminuir ao longo dos anos (eram 3.020 em 1995).

No ano passado foram ainda vendidas 230 mil pílulas do dia seguinte em Portugal.

Apesar da lei portuguesa ser considerada restritiva, o Público salienta o caso da Clínica de Oiã, perto de Aveiro, onde são realizados cerca de 500 a 600 abortos por ano desde há décadas.

O director da clínica, Amílcar Pereira, salienta que a IVG é apenas uma pequena parcela do trabalho da clínica, que estas interrupções são feitas "ao abrigo da lei" e que cerca de metade das mulheres que ali acorrem acaba por desistir depois de uma conversa prévia com psicólogos.

Amílcar pereira salienta que "Oiã é procurada por cerca de três ou quatro mulheres por dia", sobretudo do Centro e Norte do país, que pagam entre 450 a 500 euros, mas cerca de metade acaba por desistir depois da conversa prévia.

Segundo o Público, quase todos os abortos são realizados a coberto do artigo que despenaliza a IVG quando está em causa a saúde psíquica da mulher, que também é o motivo mais invocado pelas mães que interrompem a gravidez em Espanha.

Amílcar Pereira salienta que a lei é igual em Portugal e Espanha, em relação a permitir abortos em algumas circunstâncias, como malformações fetais, violação ou sempre que a vida ou a saúde da mãe esteja em grave risco.

"A mentalidade cá é que é diferente", afirma, explicando a evolução dos dois países em sentidos diferentes e considerando que se em Portugal "os médicos tivessem tido uma posição única e exclusivamente técnica, o problema do aborto já estaria resolvido há muito tempo em Portugal".

Em declarações ao Público, Luís Graça, do Colégio da Especialidade de Ginecologia-Obstetrícia da Ordem dos Médicos, considera que a clínica está interpretar a lei "com ligeireza" e salienta que as leis portuguesa e espanhola têm a diferença de, em Portugal para um aborto ser necessária a assinatura de dois médicos, quando em Espanha é apenas necessária uma.

O Código Penal refere no número 2 do artigo 142 que "a verificação das circunstâncias que tornam não punível a Interrupção da Gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por um médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada".

Luís Graça defende que "os hospitais não tem vocação para fazer abortos a pedido" e que se a nova lei for aprovada, as clínicas "vão aparecer como cogumelos".


pub