Manuel Abrantes nega acusações e diz só ter sabido de 3 casos de abuso

O antigo provedor adjunto da Casa Pia Manuel Abrantes negou segunda-feira que tivesse abusado de algum estudante da instituição e afirmou mesmo que fez de "justiceiro" em duas situações em que alunos mais velhos abusaram de mais novos.

Agência LUSA /

Manuel Abrantes, que hoje à tarde começou a prestar depoimento no julgamento do processo Casa Pia, afirmou-se inocente de todas as acusações - crimes de abuso sexual de pessoa internada, abuso sexual de menores, lenocínio e peculato de uso -, e manifestou a convicção de que "esta +maldição+ resultou e vem de quem está dentro da instituição".

Disse em tribunal que, desde que entrou para a instituição, como aluno, em Outubro de 1965, com 15 anos, apenas teve conhecimento de três situações em que alunos mais velhos abusaram sexualmente de mais novos, no Colégio Pina Manique.

Explicou que era praxe no Pina Manique quando eram detectados estes abusos que os alunos mais velhos punissem os abusadores e que ele próprio participou como "justiceiro" em duas situações.

Nas palavras do homem que entrou na Casa Pia aos 15 anos e que desempenhou vários cargos na instituição, chegando mesmo a assumir as funções de provedor por apenas um dia, afirmou que estas praxes eram importantes porque decorriam no pátio principal do Pina Manique, frente à janela do refeitório, à hora do almoço, para os alunos verem os castigos infligidos aos abusadores.

Estas foram as únicas situações de abusos sexuais que afirmou ter tido conhecimento nos longos anos que esteve na instituição, negando também que alguma vez ele próprio tivesse abusado de algum aluno.

"Se tivesse abusado de quem quer que fosse teria de o ter feito de forma consciente e lúcida. Estou a recusar atenuantes como a classificação de +coitado, perdeu a cabeça, coitado passou-se, coitado embriagou-se+. Felizmente nunca me aconteceu, nem nunca abusei de jovens ou adultos", garantiu o ex-provedor adjunto, que responde em tribunal por 51 crimes.

Manuel Abrantes começou o seu depoimento por uma declaração sobre o processo, mas após ter atirado umas farpas ao juiz do primeiro interrogatório (Rui Teixeira) e ao Ministério Público, acabou, por sugestão da juíza presidente do colectivo, Ana Peres, por responder a perguntas da magistrada.

Visivelmente nervoso, Manuel Abrantes começou por explicar que entrou para a Casa Pia aos 15 anos, em 1965, e que todo o seu percurso profissional, desde que, como ainda estudante, começou como tarefeiro, seguindo-se a licenciatura em 1983, o cargo de técnico superior, de director de serviços, de provedor adjunto e provedor, apenas por um dia, após rebentar o escândalo de pedofilia.

Contou ainda que foi na Casa Pia que conheceu a primeira mulher e mãe dos seus filhos, a segunda namorada, com quem viveu vários anos, e a mulher com quem agora vive, depois de um namoro prolongado.

Manuel Abrantes explicou as incumbências que teve em vários cargos e que trabalhou nos três procedimentos disciplinares que foram colocados ao antigo funcionário casapiano Carlos Silvino da Silva ("Bibi") e principal arguido no processo, após queixas de abuso sexual apresentadas por um dos educadores da instituição, o mestre Américo Henriques.

Disse que, no âmbito do primeiro processo disciplinar, em 1984, "Bibi" levou uma repreensão escrita e ficou proibido de entrar no Colégio Pina Manique, mas acabou por não cumprir e ser ali visto a jogar futebol, sendo alvo de novos processos em 1986 e 1989.

Afirmou que em 1991 foi surpreendido com um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que mandou reintegrar Carlos Silvino na instituição e só então soube que o seu afastamento tinha sido relacionado com abusos sexuais de menores da Casa Pia.

Disse também que Carlos Silvino fez vários serviços para ele e com ele, depois de ter entrado para motorista da provedoria, reputando- o até como um funcionário cumpridor e eficaz.

Questionado pela juíza se tinha telemóvel e Via Verde pagos pela instituição, o antigo provedor respondeu afirmativamente.

Quanto aos restantes co-arguidos do processo, com excepção de Carlos Silvino, disse só os ter conhecido após o rebentar do escândalo de pedofilia, uns durante o debate instrutório outros na cadeia.

Ao apresentador de televisão Carlos Cruz e ao médico João Ferreira Diniz disse que os conheceu no Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária, onde estiveram detidos preventivamente, e afirmou que, desde então, criaram "estima" e "amizade".

Disse também não conhecer as principais testemunhas no processo, os menores alunos da Casa Pia, tendo apenas ouvido falar no nome de uma delas durante a apreciação de um processo interno.

Palavras que confirmou aos jornalistas à saída da audiência, afirmando que também ele estranha que "ninguém soubesse de nada" sobre os casos de abuso de menores da instituição.

Estranho também, disse, é que o antigo provedor da Casa Pia Luís Rebelo, à frente da instituição mais de 16 anos, não tenha sido chamado a depor nas fases que antecederam o julgamento.

E quanto questionado sobre a "maldição" que vem de quem está dentro da Casa Pia o arguido não disse nomes mas afirmou que era uma pessoa incómoda dentro da instituição.

"Era e sou", afirmou, referindo-se a irregularidades financeiras às quais quis por cobro e ao orçamento da Casa Pia que, disse, suportou muitas despesas.

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