Manuel Godinho em prisão preventiva até julgamento

por RTP
Manuel Godinho é para já o único detido no âmbito do processo "Face Oculta" Paulo Novais, Lusa

O empresário Manuel Godinho, detido esta semana no âmbito da operação "Face Oculta", ficou em prisão preventiva, depois de ouvido durante toda esta sexta-feira por um juiz de Instrução Criminal no Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro. Ao todo, são já 14 os arguidos neste processo.

Foi em silêncio que Manuel José Godinho deixou as instalações do DIAP de Aveiro. Durante todo o dia, o empresário foi ouvido pelo juiz de Instrução Criminal da Comarca do Baixo Vouga. O seu advogado, Pedro Teixeira, recusou igualmente prestar declarações aos jornalistas.

Manuel José Godinho é para já o único detido da operação "Face Oculta", realizada quarta-feira pela PJ em vários pontos do país, na sequência de uma investigação relacionada com alegados crimes económicos de um grupo de Ovar que integra a O2 - Tratamento e Limpezas Ambientais, empresa a que está ligado o empresário.

José Penedos integra grupo de arguidos

Entre os arguidos do processo estão o presidente da REN, José Penedos, o filho Paulo Penedos, e Armando Vara, que ocupa o cargo de vice-presidente no Millenium BCP.

A Polícia Judiciária confirmava ontem que o administrador da REN José Penedos faz parte do grupo de 14 pessoas constituídas arguidas na sequência da operação "Face Oculta".

José Penedos junta-se assim na condição de arguido ao seu filho, o advogado Paulo Penedos, e a Armando Vara, vice-presidente do Millenium BCP e antigo secretário de Estado da Administração Interna do Governo socialista de António Guterres.

Durante meses, a Polícia Judiciária (PJ) levou a cabo uma investigação que incidiu na actividade de um grupo de empresas que manteria um esquema organizado para beneficiar da adjudicação de concursos e consultas públicas na área de recolha e gestão de resíduos industriais. O processo que agora arranca deriva da operação "Face Oculta", desencadeada pela Judiciária - nomeadamente em instalações da REN (Rede Eléctrica Nacional) e da REFER (Rede ferroviária Nacional) - por suspeitas de crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento de capitais e fraude fiscal na compra e venda de sucata de material ferroviário e num negócio de facturas falsas.

A investigação levou a PJ a mais de 30 locais por todo o país - Aveiro, Ovar, Santa Maria da Feira, Lisboa, Oeiras, Sines, Alcochete, Faro, Ponte de Sôr e Viseu - resultando dessa acção a constituição de 14 arguidos e a detenção de uma única pessoa, o empresário Manuel José Godinho, a quem foi determinada a prisão preventiva até ir a julgamento.

Judiciária terá prova da existência de uma teia de interesses

A Judiciária procedeu já à recolha de milhares de documentos que provam a existência de uma teia de interesses que envolve contactos com as maiores empresas nacionais com capitais do Estado.

Em termos de visibilidade mediática, aparece neste processo o nome de Armando Vara como arguido. De acordo com o Ministério Público, o vice-presidente do Millenium BCP fará parte de uma rede tentacular.

Cândida Almeida lembra que o processo está ainda em investigação

A procuradora-geral adjunta Cândida Almeida comentava ontem a operação "Face Oculta" para sublinhar que o processo se encontra "ainda está em investigação", pelo que o número de arguidos ou detidos tanto "pode aumentar como diminuir".

"É uma questão de se debruçarem sobre os indícios e sobre isso penso que é cedo para falar. Vai haver toda uma investigação para confirmação ou infirmação dos factos", explicou Cândida Almeida à margem de uma cerimónia no Carrascal, Sintra, na qual foi homenageado o seu falecido marido, Rodrigues Maximiano, antigo inspector-geral da Administração Interna.

"Uma investigação é activa e dinâmica, começa com indícios e depois tem que se fortalecer ou enfraquece. O Ministério Público não é obrigado a acusar, é uma magistratura que se rege pelos princípios da objectividade, ou seja, da verdade. Aqueles que em princípio pareciam suspeitos, caso não sejam são retirados da acusação", lembrou a procuradora-geral adjunta.

Explicando que "esta investigação não é do DCIAP, mas sim de Aveiro", Cândida Almeida recusou considerações sobre o grupo de arguidos, sublinhando que apenas precisa "de saber se existe processo, em que fase é que está e se há ligações, antecedentes ou conexões com outros casos".

"O nome e o número (de arguidos) e o futuro não sei porque não é da minha competência", deixou.

Já o primeiro-ministro José Sócrates, instado em Bruxelas a comentar este caso, declarou aos jornalistas que não se pronuncia sobre processos judiciais: "Não tenho mais nada a dizer a não ser isto. Não comento processos judiciais".

Ex-governantes socialistas entre o lote de arguidos
De acordo com a PJ, os documentos recolhidos durante as rusgas efectuadas a meio da semana permitem inferir que estava montada uma autêntica teia de interesses envolvendo grandes empresas de capitais públicos.

Refere a Judiciária que eram frequentes os contactos entre Armando Vara e Manuel Godinho e sabe a RTP que a relação de conhecimento e alegado favorecimento entre o antigo ministro e o então sucateiro de Aveiro terá começado em 1998, durante a Expo.

Outro ex-governante socialista, José Penedos, por três vezes secretário de Estado com pastas da Energia e da Indústria, também fará parte do rol de arguidos neste caso de alegada corrupção. A investigação da PJ envolve o presidente da REN, sendo este citado em escutas.

O filho de José Penedos, o advogado Paulo Penedos, é outro dos arguidos, sendo descrito como figura central em todo este processo.

Já Manuel Godinho é apresentado como o mentor desta rede tentacular. Foi detido para evitar a hipótese de fuga. A RTP apurou que Godinho tem dupla nacionalidade e poderia escapar-se para o Brasil.

Um ano de investigação
A investigação deste caso começou há mais de um ano. Segundo os documentos a que a RTP teve acesso, os alegados actos de corrupção passaram por pagamentos em dinheiro, carros de luxo e até simples sacos de cimento.

A rede, alegadamente dirigida pelo empresário Manuel Godinho, funcionaria de forma tentacular, criando uma cadeia de contactos que garantiam o acesso a informações sobre os negócios das maiores empresas com participações do Estado.

Manuel Godinho garantia com contactos nestas empresas o acesso a informação privilegiada, alegadamente paga em dinheiro ou bens. Há avultadas quantias referidas nos documentos a que a RTP teve acesso e pelo menos dois carros de alta cilindrada entregues por Godinho a dois quadros de empresas onde o Estado é accionista único.

Nos documentos a que a RTP teve acesso fica claro até onde se estendia a influência desta rede: Manuel Godinho chega a falar na necessidade de afastar pessoas que não alinhavam no esquema.

Os investigadores desvendaram a troca de favores e o suborno para conseguir negócios. O despacho antevê acusações de corrupção activa e passiva, tráfico de influências, participação económica em negócio e branqueamento de capitais.

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