Meco. Portugal condenado a indemnizar família de uma das vítimas

por RTP
Rafael Marchante - Reuters

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condena Portugal no caso dos seis alunos que morreram em 2013 na praia do Meco. Considera que a investigação criminal não foi eficaz e põe em causa as análises forenses feitas durante a investigação.

O Estado português foi condenado a pagar uma indemnização de 13 mil euros a José Carlos Soares Campos, pai de Tiago Campos, um dos jovens da Universidade Lusófona que morreu na praia do Meco em 2013. Portugal terá ainda de pagar 7.118,51 euros de custas à família.

Os factos remontam a dezembro de 2013, altura em que seis jovens morreram na praia do Meco enquanto participavam numa atividade da praxe na praia. Na altura, o processo foi arquivado em julho de 2014 e reaberto em outubro do mesmo ano, quando o único sobrevivente, João Gouveia, foi constituído arguido.
Já em março de 2015, o tribunal decidiu não enviar o caso para julgamento e a Relação de Évora concordou com a deliberação, considerando que as vítimas em causa eram adultas e não haviam sido privadas da sua liberdade durante a praxe, pelo que não havia responsabilidade criminal sobre João Gouveia.

Em 2016, os pais das vítimas avançaram com ações cíveis contra João Gouveia e contra a Universidade Lusófona, no valor de 150 mil euros por cada vítima. No mesmo ano, o pai de Tiago Campos apresentou a queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

A decisão foi conhecida hoje e o TEDH considerou que a investigação não cumpriu com os requisitos e que as autoridades não protegeram a integridade das provas.

O Tribunal concluiu que a investigação não foi ao encontro dos requisitos da legislação europeia e que uma série de medidas urgentes podiam ter sido tomadas imediatamente após a tragédia.

Em particular, o TEDH destaca que a casa onde os jovens estavam alojados deveria ter sido "guardada" e ter "acesso condicionado" a terceiros que não estavam ligados à investigação de forma a impedir qualquer perda de provas.

"O Tribunal foi particularmente impressionado com o fato de J.G. (João Gouveia, o único sobrevivente da tragédia) e os seus parentes, as famílias das vítimas e terceiros tenham tido acesso irrestrito à casa", lê-se na nota.

Aponta também que a inspeção forense à casa onde os estudantes estavam alojados foi tardia, tendo ocorrido quase dois meses após a tragédia.

O TEDH considera ainda que as roupas usadas na noite da tragédia pelo único sobrevivente, assim como o seu computador, poderiam ter sido apreendidos imediatamente e submetidos a exame forense, mas isso apenas aconteceu em março de 2014.

Outra das medidas que o tribunal considera que deveria ter sido tomada com mais urgência foi a reconstrução dos acontecimentos na praia, com o envolvimento do único sobrevivente, algo que também não aconteceu até fevereiro de 2014.

O TEDH lamenta igualmente que não haja explicação para que as autoridades não tivessem recolhido com a brevidade que se impunha os testemunhos de pessoas presentes nas proximidades, incluindo os vizinhos e o encarregado da casa onde os estudantes estavam hospedados.

Aponta ainda o facto de a investigação não ter avançado até ser assumida pelo Ministério Público no Tribunal de Almada, mais de um mês após a tragédia.

Em reação à decisão do tribunal, o advogado das famílias das vítimas, Vítor Parente Ribeiro, defende que o acórdão vem mostrar que a investigação do Ministério Público teve várias falhas, começou tarde e não preservou a prova.

"Esta investigação começou mal, começou tarde e com um objetivo pré-definido. Partiu-se para esta investigação com a conclusão que aquilo que tinha acontecido era um acidente. A partir daí, tentou-se preencher essa conclusão com várias premissas", aponta.

O advogado considera ainda que a investigação condicionou irremediavelmente todo o processo penal.

"O que este acordão vem dizer é que, efetivamente, o Ministério Público andou mal, a investigação foi mal feita, começou tarde, não se preservou a prova e condicionou irremediavelmente o processo penal", acrescentou.

Vítor Parente Ribeiro explicou ainda que o processo foi apresentado ao TEDH por apenas uma família de forma a "desmistificar" alegações em como as famílias apenas pretendiam dinheiro, mas que o processo "representa todas as famílias".

O pai, José Carlos Soares Campos, alegou também a ausência de um enquadramento legal das praxes académicas, tendo por base a alegação de que Portugal tinha violado o artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo que prevê o direito à vida.

No entanto, o TEDH considerou que não havia vazio legal no que se refere às praxes uma vez que a legislação nacional continha já uma série de "disposições penais, civis e disciplinares destinadas a prevenir, suprimir e punir circunstâncias que ponham em risco a vida das pessoas ou a sua integridade física ou psicológica".

"Embora reconheça a natureza indubitavelmente trágica do presente caso, a Corte não considerou que o Estado  tenha fracassado nas suas obrigações relativas ao artigo 2.º e (que pudesse) por isso ser responsabilizado pela morte do filho de Soares Campos (pai de Tiago André Campos)", refere o TEDH.

c/ Lusa
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