Médico Rui Dias diz que processo Casa Pia "é um tremendo equívoco"

O ex-médico chefe da Casa Pia Rui Dias, que hoje começou a ser julgado pelo crime de participação económica em negócio, na sequência de análises prescritas a alunos da instituição, afirmou que o processo "é um tremendo equívoco".

Agência LUSA /

"Este processo é fruto de um tremendo equívoco. Fui envolvido por circunstâncias várias que nada têm a ver comigo", afirmou o médico, que é acusado de, entre 1996 e 2003 (ano em que saiu da Casa Pia), ter determinado que 700 alunos internos da instituição fossem sujeitos semestralmente a análise de despiste de doenças sexualmente transmissíveis, alegadamente sem qualquer justificação clínica.

O Ministério Público (MP) sustenta que Rui Dias, que coordenou os serviços médicos da Casa Pia de Lisboa entre 1992 e 1996, com estes exames médicos terá provocado uma despesa ao Estado superior a 800 mil euros e desconfia que o clínico recebia em troca uma avença do laboratório onde as análises eram realizadas.

No julgamento, que hoje teve início nos Juízos Criminais de Lisboa, na Rua Pinheiro Chagas, com um juiz singular (o magistrado judicial João Amaro), o médico garantiu que mandou fazer o conjunto de análises clínicas apenas para despiste e que o seu nome foi envolvido por "arrastamento" de outros processos, como o de pedofilia, que está também a correr nos tribunais, com sete arguidos.

"Este processo está cheio de falácias de correlação e raciocínios enviesados. Uma coisa não tem nada a ver com outra", sustentou, justificando as "baterias de exames", como diz o Ministério Público, com o facto de estar "junto de uma população com características especiais e de alto risco".

Para Rui Dias, "o perfil sanitário" na Casa Pia de Lisboa (CPL) era "terrível", em virtude de muitos dos jovens internos terem pais toxicodependentes e seropositivos, ou com hepatites B ou C, e que o "importante era rastrear".

Rui Dias disse em Tribunal que muitos dos exames eram prescritos pelos médicos da equipa que o acompanhava (a maioria dos quais, admitiu, entraram na CPL a seu convite) e "não lhe competia policiar os actos" dos seus colegas, considerando que estavam a fazer um trabalho útil de rastreio.

O médico afirmou que, quando entrou para a instituição, havia já um relatório vasto de competências nesta área, que ele adaptou "com bom senso, no âmbito da boa `praxis medica`".

"Quanto ao rastreio imunológico sistemático, eu não inventei nada", referiu, dizendo que nunca ninguém se opôs a esta prática, com excepção de Catalina Pestana, quando assumiu a provedoria da instituição, mas por razões de política financeira.

Contudo, a opinião do médico de que se justificam as "baterias de exames", dado os períodos de incubação de algumas doenças, não foi corroborada por dois dos peritos chamados a depor, Rui Vitorino e Maria Esmeraldina Ramôa Correia Júnior.

O catedrático Rui Vitorino afirmou que as "baterias de exames" repetidas semestralmente em alunos de tenra idade (entre os quatro/cinco e os 10-12 anos) lhe "causavam uma certa estranheza" e que tinha "dificuldade em configurar a realização destes testes numa população destas".

Na opinião daquele perito, o projecto de executar as "baterias de exames" aos alunos internos deveria ter sido sujeito a uma comissão de ética e apenas para acompanhar um conjunto de acções muito restritas.

Maria Esmeraldina Ramôa Júnior, que presidiu ao colégio cessante da especialidade de Patologia Clínica da Ordem dos Médicos, defendeu que os "exames não deviam ser pedidos por calendarização", mas apenas "num contexto clínico, por observação directa do doente e perante a sintomatologia que apresentasse".

"Em rastreio nunca!", vincou, por diversas vezes.

José Maria Silva Henrique, do Colégio de Medicina Geral e Família da Ordem dos Médicos, chamado a depor em virtude da morte, entretanto, do anterior perito, Carlos Mendes Leal, afirmou-se favorável à realização dos exames por rastreio.

De acordo com fontes ligadas ao processo, este relatório baseou-se num outro que Carlos Mendes Leal deixou e numa carta enviada por Rui Dias, a justificar por que motivo tinha autorizado as "baterias de exames".

O julgamento, em que o Ministério Público é representando pela procuradora Manuela Pereira e a Casa Pia é assistente, prossegue terça-feira, com a audição das primeiras 20 testemunhas.


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