Médicos podem denunciar casos extremados de violência doméstica

Um parecer do departamento jurídico da Ordem dos Médicos veio clarificar o caminho que os médicos podem seguir quando confrontados com o dilema do dever de sigilo profissional vs denúncia de casos de violência doméstica em que esteja em causa proteger a vida e integridade física das vítimas. Os médicos podem ficar livres do segredo profissional e fazer a denúncia em casos extremados e emergentes, mesmo antes de uma autorização do Presidente da Ordem dos Médicos.

RTP /
Imagem do vídeo da Campanha Nacional de Combate à Violência Doméstica 2011

O parecer surge na sequência de dúvidas levantadas por uma médica de família sobre a forma ideal de agir em caso de ser confrontada com um caso de violência doméstica. O documento, publicado na Revista da Ordem dos Médicos e aprovado em Conselho Nacional Executivo, veio assim definir e clarificar as linhas de orientação para os médicos.

No documento, é assumido que o segredo médico definido estatutariamente não tem caráter absoluto e, consequentemente, "comporta exceções".

A obrigação de denúncia às autoridades já existe sempre que crianças, idosos, um deficiente ou um incapaz são vítimas de sevícias ou maus tratos.

Lê-se no parecer: “Em todas as outras situações em que a intensidade ou a reiteração da conduta do agressor são evidentes e põem em causa, de forma grave, a saúde e a integridade física ou a própria vida da vítima, poderá o médico, ponderando à luz dos princípios éticos da justiça e da benevolência, desvincular-se do segredo e efetuar a denúncia”.

O documento diz ainda que o médico pode requerer ao presidente da Ordem a escusa de sigilo e efetuar a denúncia. “Tal pedido de escusa não pode prejudicar situações emergentes que devem ser imediatamente comunicadas às entidades de investigação criminal, designadamente ao Ministério Público que tem competência de desencadear os mecanismos de proteção das vítimas”.

Paula Rebelo, José Luís Carvalho, Rui César - RTP

O parecer diz que, por norma, o dever de sigilo médico/doente deve permanecer sempre que a vítima não der consentimento para a revelação dos factos, mas elenca as exceções. “A justificação ocorrerá quando a revelação de segredo seja necessária para afastar o perigo iminente que ameace interesses sensivelmente superiores, compreendendo-se como tal a saúde ou a vida”, pode ler-se no documento.

No plano jurídico-penal, o parecer diz assim que nestes casos de denúncia o médico “poderá afastar a ilicitude penal do seu comportamento por via de uma justificação que se prende com a resolução de um conflito de interesses em que a sua ponderação foi levado a prosseguir aquele que para ele foi considerado o preponderante”.

As exceções ao dever de sigilo acontecem em casos extremados, ou seja, naqueles em que “a intensidade ou reiteração sejam evidentes e as vítimas se encontrem numa posição de tão grande fragilidade que obrigue o médico, independentemente da vontade daquelas [das vítimas], a denunciar a situação às autoridades de investigação criminal para proteção da saúde, da integridade física ou até da própria vida das vítimas”.
A violência doméstica é, perante a lei, um crime público. Ou seja, basta que o Ministério Público adquira notícia do crime para que dê início ao procedimento criminal.
A decisão de denúncia quando não haja consentimento da vítima deverá ser ponderada caso a caso. Ponderação no que toca aos efeitos da participação às autoridades, perante a possibilidade de quebra de confiança e ruptura da sua relação com o doente o que pode acarretar um eventual aumento do perigo para a saúde ou vida da vítima por reação do agressor.

Nos casos em que deverá haver denúncia estão ainda situações que envolvem menores, idosos, deficientes ou uma pessoa incapaz, tal como está claramente definido no artigo 53 do Código Deontológico da Ordem dos Médicos.

Em resposta às dúvidas suscitadas pela médica de família, o parecer vem ainda dizer que não cabe à médica conduzir uma vítima de violência doméstica a uma associação de apoio à vítima, sem o consentimento expresso desta.
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