Moradores do Bº da Encarnação pedem exclusão de prédio do prémio Valmor
Moradores do Bairro da Encarnação, em Lisboa, pediram a exclusão de um prédio onde funciona uma associação de integração de pessoas com deficiência do concurso ao prémio Valmor, atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa (CML).
O edifício, construído recentemente na Rua da Portela, já tinha sido contestado por habitantes daquele bairro lisboeta, através de uma providência cautelar que foi rejeitada no ano passado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAFL).
Em carta enviada às entidades que integram o júri do prémio Valmor e a que a agência Lusa teve acesso, os moradores alegam que o edifício viola o Plano Director Municipal (PDM).
Os moradores, representados por Carlos Gonçalves, que assina a carta, sustentam que no edifício "são prestados serviços de saúde", pelo que "não obedece aos comandos do PDM", que qualifica o bairro como zona habitacional.
Na opinião dos habitantes, o edifício "destoa totalmente" das características da rua e do bairro da Encarnação, nomeadamente ao nível da altura, cobertura e fachada.
"A admissão preliminar deste edifício na lista das obras premiáveis é, por si só, um desafio às normas do PDM que defendem a imagem do Bairro da Encarnação e até um incentivo a futuras novas violações dessa imagem, desde que `absolvidas` por um `embrulho` de projecto mais ou menos conseguido", sustentam os moradores.
A carta refere ainda que decorre no TAFL uma acção contra o município e o proprietário do prédio, "em que se pede que seja declarada a nulidade da aprovação do projecto e das licenças de obras e de utilização, bem como a condenação daquele a impedir a utilização para serviços e determinar as alterações da obra necessárias para a tornar conforme o PDM".
Na opinião dos moradores, que sempre afirmaram não estar contra o fim a que se destina o prédio, a candidatura ao prémio Valmor "visa criar uma situação de embaraço à execução de uma sentença condenatória".
O edifício, gerido pela Associação para o Estudo e Integração Psicossocial (AEIPS), funciona como uma residência comunitária para dez pessoas com doença mental que não têm família ou cujos familiares não podem prestar apoio, integrando os utentes na vida da comunidade local.
Contactada pela Lusa, a presidente da associação, Fátima Jorge Monteiro disse desconhecer que o prédio será avaliado pelo júri do prémio Valmor.
"O edifício valoriza o bairro. Trata-se de uma residência para dez pessoas em situação de dependência. É um espaço habitacional, não de serviços", sublinhou a responsável.
Na opinião da presidente da AEIPS, o "reconhecimento" do prémio Valmor seria "importante para a valorização dos apoios sociais para as pessoas em situação de dependência e um contributo para a qualidade destas habitações".
Instada a comentar a carta dos moradores, Fátima Jorge Monteiro considerou que estes "são livres de fazer o pedido", mas sublinhou que "a decisão caberá a quem dirige o prémio".
"Esperemos que haja imparcialidade", afirmou.
Contactada pela Lusa, fonte do gabinete de Gabriela Seara, vereadora do Urbanismo da autarquia, explicou que todos os prédios que tiveram licenças de utilização atribuídas em 2005 serão contemplados para o prémio Valmor.
O prémio, instituído pela Câmara Municipal, destina-se a "promover e incentivar a qualidade arquitectónica, quer de novas edificações, quer na recuperação ou remodelação de imóveis que contribuam significativamente para a valorização e/ou salvaguarda do património arquitectónico de Lisboa".
O júri é constituído pelo presidente da autarquia, pelos vereadores da Cultura e do Urbanismo e por representantes da Academia Nacional de Belas Artes, Ordem dos Arquitectos e Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.
Na decisão de 22 de Março de 2005, o TAFL considerou improcedente a providência cautelar interposta pelos moradores, considerando que o edifício tem um uso habitacional e não de serviços, pelo que não viola o PDM.
O TAFL rejeitou também a argumentação de que o prédio ultrapassa a altura das casas envolventes, afirmando que "tem a mesma cércea (no alinhamento da fachada) dos edifícios confinantes".
O tribunal deu no entanto razão aos moradores na alegação de que "as varandas e o terraço de cobertura da nova edificação, bem como a pérgola nesta existente, não têm qualquer correspondência nos dominantes na rua e no bairro, onde as moradias não têm varandas e apresentam cobertura em telhado de quatro águas".
Também as fachadas da nova edificação apresentam janelas diferentes das existentes nas restantes moradias, como sustentavam os moradores, que contestavam nomeadamente a existência de uma montra no piso térreo.
O tribunal afirma ainda que os residentes podem ter razão quanto à compatibilidade do PDM com a "linguagem arquitectónica assumidamente moderna, contemporânea, sem qualquer intenção mimética em relação à linguagem dos edifícios confiantes".
Na sua decisão, o TAFL adianta que a providência cautelar pode ser recusada quando, depois de "devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa".
Lembrando que a AEIPS já seleccionou alguns dos doentes mentais, "actualmente em situação precária de alojamento", que virão a habitar nesta residência, o tribunal concluiu que da aceitação da providência cautelar resultariam danos maiores que da sua recusa.