Mulheres sem resposta do Hospital de Setúbal compram abortivos em Espanha
Mulheres que se dirigem ao Hospital de São Bernardo, em Setúbal, para interromper uma gravidez indesejada são encaminhadas pelo estabelecimento hospitalar para os centros de saúde, acabando por recorrer a medicamentos abortivos em Espanha.
Cristina Cruz, de 32 anos, ela própria ex-funcionária do Hospital de São Bernardo, começou por se dirigir a esta estrutura em meados de Junho, "grávida de seis semanas na sequência de um erro de contas", contou à agência Lusa.
"Como não posso tomar a pílula, geralmente utilizo o preservativo como método contraceptivo ou vou acompanhando o período fértil através do calendário, de modo a evitá-lo mas, desta vez, falhei", revelou.
Mãe de dois rapazes, um com 5 e outro com 14 anos, assegura que não decidiu abortar "de ânimo leve", até porque "gostava de ter uma menina".
"Mas actualmente não tenho condições, pois a renda de casa é muito alta e eu estive desempregada até há pouco tempo, com o meu marido a suportar sozinho todas as despesas" - justifica-se.
Tendo-se dirigido ao Hospital Distrital de Setúbal para interromper a gestação, foi atendida por uma funcionária administrativa que lhe disse que "o hospital ainda se estava a reger pela lei antiga e que, além disso, discordava da nova legislação".
"Dessa vez voltei para trás mas, poucos dias depois, regressei, acompanhada por uma responsável do Movimento Democrático de Mulheres, e disse que estava grávida e que tinha de ser vista por um médico", acrescentou, explicando que a médica que a assitiu disse "que ainda era muito cedo e que a lei só entrava em vigor a meio de Julho".
Não desistiu e contactou a administração hospitalar no mesmo dia, para ouvir que devia solicitar uma ecografia no centro de saúde e que "podia perfeitamente esperar até 15 de Julho, pois nessa data a gravidez ainda não teria atingido as 10 semanas", limite máximo que a nova lei estipula para se proceder legalmente a um aborto.
"Sem saber o que fazer, dirigi-me ao Hospor [hospital privado em Setúbal], onde uma enfermeira do serviço de ginecologia me falou nos comprimidos abortivos Citotec, que em Espanha se vendem sem receita médica", revelou Cristina Cruz.
Apesar de ainda ter contactado a Clínica dos Arcos, em Setúbal, optou mesmo pelo país vizinho, "porque na clínica pedem 475 euros para fazer a interrupção da gravidez e, com esse dinheiro, dá para ir a Espanha comprar o medicamento e voltar - e ainda sobra bastante".
"Em Espanha o Citotec custou-me cerca de 12 euros e, no passado fim-de-semana, depois de tomar os comprimidos, consegui parar a gestação", declarou à agência Lusa.
Cristina Cruz contou ainda o caso de uma amiga "de 30 anos e já com um filho", que agora se debate com uma situação similar.
"A minha amiga, que também está grávida de seis semanas, dirigiu-se ao Hospital de Setúbal e disseram-lhe o mesmo que a mim, que não lhe faziam o aborto", assegurou, acrescentando que, "como ela está em vias de se separar do marido e não quer ficar sozinha com duas crianças, em princípio irá a Espanha".
Regina Marques, da direcção regional de Setúbal do MDM, relatou ainda à agência Lusa a situação de uma mulher que, apesar de usar o dispositivo intra-uterino (DIU) há dois anos, engravidou recentemente.
"Mãe de três filhos e não desejando mais nenhuma criança, ela recorreu ao médico particular que lhe disse que a série de dispositivos intra-uterinos que ela usava tinha algumas falhas, o que justificava a gravidez", conta Regina Marques, inquirindo em seguida: "Se ele o sabia, porque razão nunca avisou a paciente?!"
O médico optou então por "prescrever à grávida um medicamento que ela devia tomar num dia, tendo combinado com ela que se dirigisse ao Hospital de São Bernardo no dia seguinte, para um acompanhamento discreto", adiantou.
"Ou seja, apesar de não o poder fazer às claras no hospital, este médico reencaminha pacientes do particular para o público porque tem consciência de que ali é mais seguro e tem melhores condições", afirma Regina Marques, revelando-se ainda indignada por o clínico ter dito à grávida que não praticava o aborto por ela ter direito a decidir "mas por saber que, naquele caso concreto, fora uma falha da contracepção".
Confrontado pela agência Lusa com as situações vividas pelas mulheres e denunciadas pelo MDM, o Centro Hospitalar de Setúbal (CHS), que agrupa o Hospital de São Bernardo e o Hospital Ortopédico Sant`Iago do Outão, esclareceu que o serviço de ginecologia e obstetrícia da estrutura "tem respondido às necessidades da legislação anterior relativa à Interrupção Voluntária da Gravidez ainda em vigor".
"No que concerne à Lei de 16/2007 de Exclusão da Ilicitude nos Casos de Interrupção Voluntária da Gravidez e sua portaria regulamentadora (Portaria 741-A/2007 de 21 de Junho) que entra em vigor a 15 de Julho, o serviço está em fase de organização para o seu cumprimento", acrescentou.
"Esclarecemos, contudo, que, de acordo com a referida legislação, existe todo um processo de apoio e orientação à mulher na prestação de cuidados de saúde que não permite a resolução do problema no imediato, pelo que não é aconselhável o recurso à urgência com essa expectativa", informou ainda o CHS.
De acordo com a mesma fonte, cabe à utente dirigir-se aos centros de saúde ou a uma consulta externa hospitalar, onde deve ser atendida "com a celeridade necessária à resolução da situação".