O longo processo de um ex-católico que quis apostatar em Lisboa
Gonzalo Benard, um português residente em Barcelona, demorou quase oito meses para que a sua paróquia, nos Olivais Sul, Lisboa, reconhecesse o seu direito a apostatar - abandonar publicamente a fé cristã -, uma opção pouco conhecida em Portugal.
Em declarações à Lusa, Benard explicou o longo processo que iniciou em Fevereiro de 2005 e que terminou apenas em Outubro desse ano, quando a paróquia o informou de que tinha sido apostatado, mas que, antes, tinha sido excomungado.
"Fiz votos budistas quando vivi no Tibete e não tinha sentido ser baptizado católico e budista", explicou à Lusa, justificando a decisão de abandonar a fé católica.
"Os governos continuam a pagar à Igreja Católica consoante o número de fiéis que têm. Eu não quero que receba, em meu nome, uma igreja que vai contra a minha maneira de ser e de viver. Seria incoerente e desonesto", sublinha o cidadão português a residir em Espanha.
A questão do financiamento da Igreja em Espanha tem sido particularmente questionada no último ano, com o Governo socialista a insistir na necessidade de se concretizarem os acordos que determinam que a Igreja Católica se deve auto-financiar.
Anualmente, o Estado Espanhol concede à Igreja Católica centenas de milhões de euros em subsídios directos ou através de descontos que cidadãos voluntariamente escolhem fazer na sua declaração de impostos.
Apesar do processo ter sido concluído, Benard manifesta-se surpreendido por ser tão complicado e demorado, explicando que vários amigos fizeram processos idênticos em Espanha onde, em muitos casos, a demora foi de apenas um mês.
No caso mais recente, esta semana, uma família de dez irmãos apresentou em conjunto um pedido para renegar a fé cristã junto da diocese de Sevilha, registando essa vontade no notário e exigindo às autoridades religiosas a remoção dos seus nomes do censo da cidade.
Perante um aumento significativo de espanhóis que querem renegar a fé cristã - foi até criada no ano passado uma associação para esse feito na Galiza - algumas dioceses têm acelerado o processo.
Noutras, as respostas ficam por receber durante meses, e até anos, com muitos a terem que recorrer à Agência de Protecção de Dados.
Gonzalo Benard explica que, no seu caso, o primeiro pedido foi enviado por carta registada para o Patriarcado de Lisboa em Fevereiro de 2005.
"Três semanas depois ainda não tinha havido resposta e tinha confirmação de que a carta tinha sido entregue. Acabaram por me dizer que se tinha perdido", explicou.
Vários telefonemas depois surgem novas exigências do Patriarcado, que pede testemunhas e nova carta a explicar os motivos da decisão.
"Recusei. Não tenho que dar explicações a ninguém. Também as não me pediram quando me baptizaram", justifica, notando que acabou por ser informado de que teria que enviar o pedido directamente para a paróquia onde foi baptizado.
"Mandei a carta para o padre do sítio onde nasci, o pároco Hélder Franco, falei com ele depois e ele, repetidamente, disse-me que ninguém me daria a apostasia", disse.
Benard explica que nesse dia procurou, por várias vezes, falar com o pároco, que sempre se mostrou indisponível.
"No dia seguinte sou informado de que tinha morrido, nessa noite, com um ataque cardíaco", recorda.
O processo passa para o seu sucessor, o padre Bruno Machado, para quem enviou, em Junho, uma nova carta expondo o seu pedido nos moldes "que o Patriarcado explicou serem necessários".
Vários meses depois, a 08 de Novembro, recebe finalmente a carta, datada de 27 de Outubro e assinada por Bruno Machado, em que é informado ter sido averbado no assento de baptismo "a nota `apostatou da fé católica, cânon 751` por acto formal assinado".
Na carta, a que a Agência Lusa teve acesso, o pároco informa Gonzalo Benard que, "no pleno exercício da sua liberdade decidiu apostatar a fé católica" e que "segundo o código de direito canónico e de tradição eclesiástica, o apóstata da fé incorre na excomunhão late sentenciae".
"A fé da Igreja considera que o baptismo - pelo qual os homens são libertados dos pecados, se regeneram como filho de Deus, são configurados com Cristo por um carácter indelével e se incorporam na igreja - tem um carácter absolutamente definitivo", escreve o pároco.
"Isto é, mesmo que se apaguem os registos, o que não é possível, nunca deixará de ser baptizado na fé da Igreja Católica.
Pelo facto de estar excomungado não significa que deixa de estar baptizado. Significa, isso sim, que por livre e espontânea vontade você feriu brutalmente abandonando o vínculo de comunhão que o liga à Igreja Católica", sustenta.
Contactado pela Lusa, o pároco Bruno Machado explica que o pedido de Gonzalo Benard foi o primeiro que recebeu, que a prática é pouco comum em Portugal e que ele próprio não sabia como proceder.
"É uma coisa de facto muito pouco habitual. Também não sabia como proceder e fui informado pela Cúria", explicou.
"Aqui em Portugal é prática entre as testemunhas de Jeová.
Como a maioria foi baptizada em criança, escrevem à paróquia e dizem que querem deixar de o ser. Isso é impossível, por isso anexamos essa declaração ao seu registo de baptismo", afirmou.
Apesar do pedido, no entanto, Bruno Machado explica que "não se pode rasgar o assento de baptismo", que é "algo eterno".
"Acho que em Portugal, mesmo os que não concordam com algumas coisas do magistério, nunca estão separados totalmente. Nem mesmo os que não estão na vida prática ligados à igreja, acabam por fazer isso", sublinhou.