"O meu nome é Pedro Santana Lopes e assumo tudo o que fiz"

Pedro Santana Lopes candidata-se pela quinta vez à presidência do PSD e declara-se pronto para regressar à liderança do Governo de Portugal, cargo que desempenhou durante um breve e atribulado período.

Em junho de 1989, Pedro Santana Lopes fazia uma descontraída peladinha com os seus amigos, quando uma equipa de reportagem da RTP o surpreendeu em plena ação.

Numa jogada estudada, o jornalista Francisco Figueiredo fugiu à marcação defensiva e perguntou ao então jovem advogado e dirigente nacional do PPD/PSD se era ou não candidato à presidência do Sporting Clube de Portugal nas eleições antecipadas que aconteceria poucos dias depois.

O clube de Alvalade vivia tempos conturbados, na sequência da curta e tempestuosa liderança de Jorge Gonçalves, e havia uma vaga de fundo que tentava convencer Santana Lopes, ilustre leão, sócio desde os 4 anos de idade, a avançar pela cadeira do poder, que estava a ser disputada pelo próprio Bigodes, nome pelo qual Gonçalves era conhecido, por Miguel Catela, por António Simões e por Sousa Cintra.

À RTP, um ofegante Santana Lopes exibiu o seu poder de finta, dizendo que ainda estava a pensar na hipótese. O resto é do conhecimento geral: o apelo da política continuou a falar mais alto, mas o seu destino e o do Sporting haveriam de voltar a cruzar-se, não muito mais tarde.


O início
Pedro Miguel de Santana Lopes nasceu em Lisboa, a 29 de junho de 1956. Tem atualmente 61 anos, é divorciado e pai de cinco filhos. Foi aluno do Liceu Padre António Vieira e da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde iniciou uma forte e competitiva amizade com Durão Barroso, das mãos de quem viria, anos mais tarde, a receber a liderança do Governo de Portugal. Através do Movimento Independente de Direito, que ajudou a fundar, chegou à presidência da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito.

Em 1978, terminada a licenciatura, com 22 anos de idade e dois de filiação no PPD/PSD, para o qual foi atraído pelo carisma e pelas ideias de Francisco Sá Carneiro, Santana Lopes desempenhou pela primeira vez funções de responsabilidade governativa, como adjunto de Álvaro Monjardino, ministro-adjunto do primeiro-ministro Mota Pinto. Com o intuito de aprofundar a sua bagagem académica, foi estudar para Colónia, na Alemanha. Mas passados poucos meses, recebeu o chamamento do seu ídolo político e não resistiu ao regresso a Portugal.

Em janeiro de 1980, no seguimento da maioria absoluta obtida pela Aliança Democrática nas eleições do mês anterior, Pedro Santana Lopes é eleito deputado à Assembleia da República e torna-se assessor jurídico do primeiro-ministro Sá Carneiro, funções que desempenha até ao falecimento do chefe do Governo, em dezembro, no desastre aéreo de Camarate.

Os tempos que se seguiram não foram favoráveis às convicções políticas de Santana Lopes, que enfileirava entre os opositores do Bloco Central (tal como Durão Barroso e Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo), solução que foi experimentada entre 1983 e 1985 num governo liderado pelo socialista Mário Soares, com o social-democrata Mota Pinto como vice.
A afirmação
Com a chegada de Cavaco Silva à chefia do Governo, a carreira política de Santana Lopes reavivou-se e em 1986 chegou a secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Em 1987, encabeça a lista do PSD para as eleições europeias (as primeiras em Portugal) e parte para Estrasburgo, onde exerce a função de vice-presidente da Comissão dos Assuntos Políticos.

Abandona o mandato ao fim de dois anos, interrompendo o seu percurso político para fazer uma incursão no domínio da Comunicação Social, associado com Rui Gomes da Silva (que viria a ser seu ministro). Ambos fundaram o grupo "Projetos, Estudos, Informação", que comprou o jornal Record e o agora extinto Diário Popular e ajudou ainda à constituição do jornal Liberal, da Rádio Geste e da revista Sábado.

Os resultados insatisfatórios do projeto devolvem Santana Lopes à política, mais uma vez pela mão de Cavaco Silva, de quem se torna, entre 1990 e 1994, secretário de Estado da Cultura. Mas demite-se em dezembro desse ano, agastado com a estratégia do PSD no famoso conflito institucional que opôs o então Presidente da República Mário Soares e o primeiro-ministro Cavaco Silva.

Em 1995, após a saída de Cavaco da direção do PSD, Santana lança-se pela primeira vez na luta pela liderança do partido. Candidata-se contra Fernando Nogueira e Durão Barroso, mas desiste da corrida antes de ir a votos.
Breve aventura no Reino do Leão
É desta forma que o Sporting Clube de Portugal se volta a atravessar na vida de Santana Lopes - e vice-versa. Depois do passo em falso no congresso no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, que deu a liderança do PSD a Fernando Nogueira, Santana fez nova pausa na política e aceitou o convite do empresário José Roquette para ser a figura-de-proa do seu projeto de renovação do Sporting e assumir a presidência do clube.

As eleições de junho de 1995 deram-lhe a vitória mas, menos de um ano e alguma polémica depois, Pedro Santana Lopes já "estava noutra" - que era "a de sempre": a vida política ativa. Desafiado por Marcelo Rebelo de Sousa, comparece ao congresso de Santa Maria da Feira como candidato à presidência do PSD. Desta vez, vai até ao fim, mas é derrotado pelo atual Presidente da República.

Um ano depois, Marcelo convida Santana Lopes a candidatar-se pelo PSD à Câmara da Figueira da Foz, nas autárquicas de 1997. O convite é aceite e a consequência é a vitória social-democrata na Figueira, com perto de 60 por cento dos votos.

Em 2000, pela terceira vez em cinco anos, Santana volta a concorrer à liderança do PSD, medindo forças com Marques Mendes e, de novo, com Durão Barroso, que acaba por conquistar o lugar.

Com Barroso no comando do partido, Santana volta a surpreender e, contra a maioria das expectativas, ganha a Câmara de Lisboa, batendo o socialista João Soares nas autárquicas de dezembro de 2001.



Em junho de 2004, após a demissão do então primeiro-ministro Durão Barroso, que abandonou o executivo PSD/CDS-PP para assumir a presidência da Comissão Europeia, deixando também a liderança do PSD, Santana Lopes é apontado como o sucessor natural e ratificado em reunião do Conselho Nacional do partido.

Confrontado com uma situação política delicada e inédita, o Presidente da República, Jorge Sampaio, leva algum tempo para decidir entre convocar eleições antecipadas ou permitir a Santana Lopes que formasse um novo Governo assente na maioria parlamentar existente.

Sampaio acaba por se decidir pela segunda opção e Ferro Rodrigues, que defendia a primeira, demite-se da liderança do PS, em protesto contra aquilo que considerava "uma decisão errada e perigosa" do Chefe de Estado. O ambiente político está ao rubro.
A famosa tomada de posse do XVI Governo
Em julho de 2004, o Palácio da Ajuda acolhe a tomada de posse do XVI Governo Constitucional, mais uma vez resultado de um acordo de incidência parlamentar entre PSD e CDS, com Pedro Santana Lopes a chefiá-lo.

Foi uma cerimónia que muitos ainda hoje recordam, por causa de várias peripécias que a celebrizaram. Logo a começar pelo atribulado discurso de Santana Lopes que, a dada altura, começou a saltar páginas para encurtar a oratória, exibindo dificuldades para retomar o fio à meada, enquanto manifestava visíveis e crescentes sinais de desconforto. Ficou famosa a tirada do, então, novo líder do principal partido da oposição, José Sócrates: [Santana Lopes] "andou ali aos papéis".

Inesquecível é também o ar de estupefação de Paulo Portas, quando foi apresentado como ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar.

Poucos dias depois, na tomada de posse dos secretários de Estado, Teresa Caeiro constava da lista previamente divulgada como secretária de Estado adjunta do ministro da Defesa e dos Antigos Combatentes, mas o dia acabou com a centrista a assumir a Secretaria de Estado das Artes e Espetáculos.

E Mário David, secretário de Estado dos Assuntos Europeus, só tomou posse, sozinho, alguns dias depois. A este propósito, o então comentador político Marcelo Rebelo de Sousa, um dos maiores críticos de Santana Lopes neste período, falava de uma equipa governativa que era uma autêntica "manta de retalhos", formada sem critério e "às pinguinhas".

A partir do seu púlpito televisivo na TVI, desempenhando o papel de analista político que o tornou num rosto familiar em todos os lares portugueses, Marcelo era uma das vozes que, na Comunicação Social, mais criticavam o Governo Santana, semana após semana: começando pela composição da equipa ministerial, passando pela estratégia governativa, até à falta de preparação e desadequação do próprio Pedro Santana Lopes para o exercício do cargo de primeiro-ministro.

Às críticas permanentes, o Governo respondia a Marcelo de forma cada vez mais acrimoniosa, normalmente por intermédio de Rui Gomes da Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares e santanista férreo. Em vez de aliviar, o braço-de-ferro intensificou-se, até que Marcelo decidiu terminar a colaboração com a estação de Queluz, deixando implícito que o fazia devido a pressões externas que o impediram de exercer a sua análise política de forma livre. Foi um caso ultra-mediático e escaldante, que se manteve no topo da atualidade nacional durante vários dias.
Os dias do fim
Santana Lopes havia sido eleito presidente do PSD "por esmagadora maioria" no Conselho Nacional do partido realizado no dia 2 de julho de 2004, na sequência da partida de Durão Barroso para Bruxelas, mas a sua aclamação em congresso só aconteceria em meados de novembro, em Barcelos, numa altura em que o seu Governo mostrava cada vez mais sinais de instabilidade.

No fim desse mês, uma sequência de acontecimentos precipitou o fim. É célebre o artigo de Cavaco Silva no semanário Expresso no qual, sem alguma vez nomear Santana, usa a Lei de Gresham para estabelecer um paralelismo entre a boa e a má moeda, os bons e os maus políticos. Cavaco verifica que em ambos os casos há uma tendência para o que tem menos valor se sobrepor ao que tem mais valor e conclui que cabe à classe política assegurar que isso não aconteça. Santana acusou o toque e devolveu a "cortesia".

Nesta altura, com o seu Governo a perfazer quatro meses de duração, marcados por agitação e controvérsia, não era Cavaco Silva o único dos ilustres sociais-democratas a criticar abertamente o mandato de Santana Lopes.

O fogo cerrado de que era alvo no interior do seu próprio partido levou a uma célebre declaração do primeiro-ministro, que ainda hoje é recordada: o discurso do "bebé na incubadora, vítima de estalos e pontapés de alguns irmãos mais velhos".

São momentos que ficam no folclore do Portugal político da primeira década do séc. XXI, mas o agente acelerador do descalabro do executivo liderado por Santana Lopes foi a demissão repentina de Henrique Chaves, entre acusações públicas - e escritas - dirigidas ao primeiro-ministro, e amigo pessoal, imputando-lhe "falta de lealdade e de verdade".

Estávamos a 28 de novembro e a remodelação governamental ocorrida três dias antes havia esvaziado substancialmente a responsabilidade de Chaves: de ministro-adjunto, passava a tutelar apenas a pasta da Juventude e Desporto. Henrique Chaves sentiu-se diminuído e bateu com a porta. As repercussões públicas desta nova crise interna convenceram o Presidente da República, Jorge Sampaio, de que o Governo, gravemente ferido na sua credibilidade,  não tinha mais condições para continuar em funções.

A 22 de dezembro, Sampaio dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições antecipadas. Pedro Santana Lopes apresentou a sua demissão do cargo de primeiro-ministro e o XVI Governo Constitucional caiu em bloco. Santana regressou à presidência da Câmara de Lisboa, de onde tinha saído para liderar o executivo.



Praticamente sozinho e apostando numa estratégia de vitimização. Pedro Santana Lopes conduziu o PSD no caminho para as legislativas antecipadas para 20 de fevereiro do ano seguinte, mas o seu partido foi rotundamente derrotado pelo PS que, comandado por José Sócrates, conquistou a sua primeira maioria absoluta.
"Vou andar por aí"
Após o descalabro eleitoral de fevereiro de 2005, Santana Lopes ainda levaria o PSD ao congresso seguinte, que se realizaria em abril, em Pombal, de onde emergiria Marques Mendes como presidente do partido.

Na passagem de testemunho, mais um discurso que ficaria na memória, revelador da sua personalidade política marcada pela perseverança. Santana não se despede; afasta-se, mas continua próximo: "Não vou estar por aqui, mas vou andar por aí", promete.

Não se pode dizer que Pedro Santana Lopes tenha defraudado a promessa feita no congresso de Pombal. Terminado o mandato como líder autárquico em Lisboa, assumiu a presidência da bancada parlamentar do PSD, entre 2007 e 2008. Em 2009, tentou o regresso à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, mas foi derrotado por António Costa.

Dois anos depois, em 2011, foi nomeado Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cargo no qual seria reconduzido em 2016 pelo atual primeiro-ministro, líder de uma maioria de esquerda criada na sequência das eleições legislativas de 2015, em que o PSD obteve uma vitória que não conseguiu materializar em solução governativa.

A candidatura à liderança do PSD pós-Pedro Passos Coelho foi apresentada no dia 22 de outubro com uma frase carregada de dramatismo: "O meu nome é Pedro Santana Lopes e assumo tudo o que fiz".

Catorze anos depois da sua atribulada experiência como chefe do Governo e aos 61 anos de idade, este social-democrata declara-se pronto para fazer nova tentativa. Mas primeiro tem de vencer sucessivamente dois grandes obstáculos: primeiro, as eleições partidárias de 13 de janeiro; depois, as legislativas - quando acontecerem.