O que é a imunidade diplomática?

por Sandra Salvado - RTP
João Carvalho - Wikicommons

O princípio da imunidade diplomática foi definido pela Convenção de Viena, em 1961. Existe para proteger os diplomatas de abusos, coação ou pressões nos países onde estão a trabalhar. Ao site da RTP o especialista em Direito Internacional Armando Marques Guedes disse que o caso das agressões a Ruben Cavaco em Ponte de Sor, que envolve os filhos do embaixador do Iraque em Portugal, tem três hipóteses de desfecho.

Armando Marques Guedes considera que vai haver um “esfriamento muito grande” que pode levar a uma suspensão temporária do relacionamento diplomático entre Portugal e o Iraque e considera mesmo que o embaixador iraquiano em Portugal irá ser substituído.

Para o especialista, a primeira hipótese de desfecho implicará o pedido ao Estado iraquiano do levantamento da imunidade diplomática, uma solução que lhe levanta muitas dúvidas.

A segunda hipótese é que Portugal “mande uma carta rogatória, o ministro dos Negócios Estrangeiros ou o Primeiro-ministro, se assim o entender, ao Governo iraquiano a pedir para eles serem julgados, relativamente a este caso, no Iraque e segundo as leis iraquianas, em sintonia com as leis portugueses, no quadro de direito internacional privado", alvitra.
 
"O que também duvido que venha a acontecer", acrescenta, "e é, pelo menos, imprudente tentar fazer, porque o sistema judicial iraquiano tem falhas e carências muito grandes, que certamente vai certamente tentar proteger os seus cidadãos como Portugal tentaria, certamente, numa situação semelhante ou qualquer outro Estado”.

A terceira hipótese é a declaração como persona non grata do embaixador e a sua expulsão de Portugal. Mas, para Marques Guedes, isso iria “ferir não sabemos de quão forte, o relacionamento bilateral entre Portugal e o Iraque”.

“A parte iraquiana invoca uma narrativa relativamente ao que aconteceu, pormenorizada, e põe o ponto de aplicação principal, ou seja, a legítima defesa dos filhos do embaixador e foi já desencadeado um processo de maneira a garantir que os seis portugueses que, rotativamente, terão agredido os dois iraquianos são postos em Tribunal, são processados”.

Na opinião de Armando Marques Guedes, à parte o processo que está a decorrer há o relacionamento diplomático próprio e a imunidade diplomática aplicada a este caso concreto.
Embaixador pode ser substituído
O especialista considera que vai haver um “esfriamento muito grande” que pode levar a uma suspensão temporária do relacionamento diplomático entre Portugal e o Iraque e considera mesmo que o embaixador iraquiano em Portugal irá ser substituído.

“O que eu acho que vai acontecer é que este embaixador irá ser substituído. O que eu faria era tentar convencer este embaixador a sair pelo seu próprio pé, ou seja, não o declarar persona non grata mas dizer: ou você sai ou é retirado pelo seu Estado ou então nós desencadeamos o processo de expulsão (…) Acho que há boas perspetivas para que ele seja substituído. Há maiores perspetivas de que o Estado português consiga convencer o Estado iraquiano a retirá-lo e ele sair como se fosse pelo seu próprio pé, embora de facto seja sob pressão do Estado português”.

Ainda assim, o especialista em Direito Internacional disse à RTP que é difícil prever o que vai acontecer “como é típico quando há litigação e conflitos”.

E acrescenta: “A reação neste caso foi o ministério dos Negócios Estrangeiros iraquiano convocar de urgência o embaixador iraquiano a Bagdade para consultas. Possivelmente, o que vai acontecer a seguir é que o embaixador português em Bagdade vai ser chamado de urgência cá, o que de alguma maneira esfria os acontecimentos porque deixam de estar presentes os presumíveis prestadores dos atos de violência sob o jovem de 15 anos”.
Deveres e direitos
De recordar que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas foi um tratado adotado em 18 de abril de 1961pela Conferência das Nações Unidas sobre Relações e Imunidades Diplomáticas, que se reuniu no Palácio Imperial de Hofburg, em Viena, Áustria.

Na prática, diz respeito aos direitos e deveres dos Estados na condução das relações diplomáticas entre si, regulando, inclusive, os privilégios e imunidades de que gozam os funcionários das missões diplomáticas e familiares que com ele vivam em território nacional diverso de seu país de origem.A Convenção entrou em vigor em 24 de abril de 1964 e Portugal aderiu por meio do Decreto-Lei n.º 48.295, de 27 de março de 1968.

A imunidade diplomática é uma forma de imunidade legal que assegura às missões diplomáticas inviolabilidade e, aos diplomatas, salvo-conduto, isenção fiscal e de outras prestações públicas, assim como de jurisdição civil e penal e de execução.

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas prevê também no artigo 9.º que o "Estado acreditador" possa, a qualquer momento, "e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata".



Na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, admitiu pedir ao Iraque que renuncie à imunidade diplomática dos filhos do embaixador iraquiano em Portugal, se essa diligência for solicitada pela justiça.
Alteração da Convenção
Para o especialista em Direito Internacional Armando Marques Guedes, a Convenção devia ser alterada de modo a permitir alguma flexibilidade. Contudo, considera que esta não é uma matéria fácil ”porque qualquer abertura de flexibilidade na impunidade pode ser politicamente explorada pela outro lado e, certamente, o será em palcos internacionais, cada vez mais agressivos como estão. A continuarem casos destes, ela [a Convenção] vai ser mudada”.

Marques Guedes deu ainda como exemplo, o caso do embaixador norte-americano na Líbia que foi morto há um ano e meio por rebeldes líbios, para realçar a necessidade de haver alterações à Convenção.

“Ser [morto] pelos rebeldes líbios ou pelo Estado líbio não é igual mas é particularmente indiferente à luz da responsabilidade do Estado. O Estado líbio em última instância é sempre o responsável. Talvez por aí haja uma porta para a alteração das convenções. Acho que elas precisam ser revistas para evitar que casos destes caiam sob a alçada da Convenção, o que não me parece fácil”, concluiu.
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