Observatório diz que falta orientação estratégica na área da saúde

por RTP
Hospital de campanha montado para responder à pandemia de covid-19 Lusa

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) aponta a falta de orientação estratégica na saúde e diz que é preciso responder com inteligência para sair da crise agudizada pela pandemia com maior capacidade de resiliência e aponta soluções.

Para conquistar a dedicação permanente dos profissionais de saúde ao serviço público é necessária uma reforma profunda na forma como o SNS é governado. De acordo com o relatório, a reforma passa por mais autonomia dos hospitais, salários mais atrativos que concorram com os do setor privado e flexibilidade.

O SNS tem agora mais 30 mil profissionais do que em 2016 e os custos aumentaram, mas não houve um aumento proporcional de produtividade.
No Relatório de Primavera 2022 pede-se ainda tempo para os médicos investigarem, fazerem formação e sentirem que podem progredir nas carreiras e claro terem tempo para a vida privada.

Este relatório enuncia os maiores desafios do Serviço Nacional de Saúde (SNS), aponta as tentativas de resposta "recentes e ambiciosas" que constam do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas insiste na necessidade de definir uma orientação estratégica estrutural para o setor.

O documento aponta logo de início os três grandes desafios do SNS - o acesso aos cuidados de saúde, os recursos humanos e a saúde pública -, enunciando igualmente as "tentativas de resposta", como a reforma da saúde mental, a digitalização da saúde, a Lei de Bases da Saúde e o Estatuto do SNS, a dedicação plena "apenas para alguns profissionais" e a criação dos Sistemas Locais de Saúde.

Dando como exemplo a digitalização na saúde, os especialistas perguntam com que base de modelo de cuidados será desenvolvida, de que modo será motor da transformação e como contribuirá para os três princípios fundamentais: a centralização dos cuidados na pessoa/família, a integração e a continuidade de cuidados.

Lembram que o trabalho de refundar o SNS e o sistema de saúde não foi ainda realizado.

Quanto à Lei de bases da Saúde, o observatório diz que falta saber qual a arquitetura que se pretende no futuro para o sistema de saúde português. "Se, de facto, se pretende que os setores privado e social sejam complementares, faltam indicações claras sobre como o SNS responderá às maiores necessidades, evitando que o recurso aos privados, com graves implicações financeiras para as famílias, continue a ser indispensável", sublinha. "E faltam indicações sobre a adequada gestão desta complementaridade”.
Inovações da pandemia
Para os autores, num documento cheio de interrogações, persistem igualmente muitas dúvidas sobre as inovações que a pandemia promoveu, lembrando: "Falta saber de que forma a digitalização da saúde, ponto central e promissor do PRR, será desenvolvida".

"Como poderá a saúde digital ser efetivamente um contributo central para a integração e continuidade de cuidados centrados na pessoa/família? Será a saúde digital o instrumento que nos permita aumentar a capacidade de resposta, no presente e nas futuras pandemias?", questionam.

Sobre os cuidados de saúde em casa, dizem que também está por saber se será "uma forma de aumentar e melhorar as respostas" e se serão dadas melhores condições aos cuidadores informais/familiares, que consideram "essenciais para a estratégia de cuidados domiciliários".

Finalmente, falta saber "que destino será dado a outras inovações dos tempos mais duros da pandemia", como o acesso de proximidade aos medicamentos, os mecanismos de apoio ao desenvolvimento e à avaliação rápida de testes e vacinas e a adaptação dos processos para que esta inovação seja acessível a todos.
Atividade anterior à pandemia não recuperada
O documento lembra a redução na atividade assistencial, mas sublinha o esforço dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).

"Os Cuidados de Saúde Primários, apesar de algumas quebras, evidenciaram um esforço notável na procura de formas alternativas de resposta aos seus utilizadores, a par com o seguimento de doentes com covid-19 e de todo o trabalho que foi necessário desenvolver no processo de vacinação", sublinha.

O OPSS recorda a redução nas consultas presenciais nos CSP no período 2019/2020 e o aumento de 14,3% em 2020/2021, mas sublinha que este não foi suficiente para recuperar a atividade pré-pandemia, "uma vez que se regista uma redução de 29,7% entre 2019/2021".

Os cuidados ao domicílio seguem a mesma tendência, que é alterada nas consultas não presenciais, que mais do que duplicaram no período 2019/2020, continuando a aumentar em 2020/2021, refere o documento, que destaca o facto de o serviços terem procurado formas alternativas de dar resposta aos utentes.

Nas consultas médicas hospitalares, sublinha que a atividade anterior à pandemia ainda não foi completamente recuperada, tendência que se repete para as primeiras consultas. A mesma tendência de queda é encontrada nos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT) entre 2019/2020.

No período 2020/2021, o documento aponta para um aumento total de 39% dos atos aceites de MCDT, referindo que o aumento é generalizado em praticamente todas as áreas, com exceção da neurofisiologia (redução de 29,7%).

Em relação aos níveis de atividade, o relatório defende que em Portugal se deve ponderar se no pós-pandemia se pretende repor em todas as linhas os níveis verificados na pré-pandemia.

"Por exemplo, tendo em conta as queixas dos hospitais relativamente ao excesso de procura nas urgências antes da pandemia, sugerindo que os problemas poderiam e deveriam ser resolvidos noutras áreas de cuidados, nomeadamente nos CSP, esta reposição poderá ser equacionada e estendida a outras áreas de cuidados", sugere.

Diz ainda que a análise da redução global na utilização de serviços de saúde e os níveis que se pretendem repor, bem como o aumento das necessidades não satisfeitas em saúde, devem ser analisadas em conjunto para ajudar na definição de estratégias coerentes que respondam às necessidades identificadas e que permitam melhorar a saúde de forma eficiente.

Sobre o recurso à telemedicina e outras variantes da telesaúde - alternativas encontradas para responder à necessidade de respostas alternativas aos utentes -, o Relatório de Primavera defende que deve ser garantida "a sustentabilidade dos respetivos investimentos necessários nesta área (infraestruturas, tecnológicos, humanos, formação, etc.).

No entanto, alerta, a adoção da telessaúde "deverá ser equacionada para perceber se responde integralmente às necessidades da procura que se verificaram nos diversos níveis de cuidados, não podendo ser adotada como uma panaceia para todas as atividades de saúde".

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde e produz anualmente um relatório síntese da evolução do sistema de saúde português.

c/ Lusa

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