Odemira. Manto de silêncio protege negócio das agências de trabalho temporário

por RTP

Milhares de imigrantes que trabalham no sudoeste alentejano estão presos à dívida que as redes de tráfico lhes cobram para saírem do país de origem. Para conseguirem um visto para a Europa são obrigados a pagar somas avultadas. Quando chegam a Portugal são explorados por agências de trabalho temporário.

Um ano depois da cerca sanitária, voltamos a Odemira para ver o que mudou e descobrimos que o processo de licenciamento das casas temporárias nas explorações agrícolas demorou mais de sete meses. É por isso que nenhum dos novos alojamentos está ainda pronto para habitar.

Muitos migrantes vieram do Bangladesh, da India e do Nepal. Cada um pagou 15 mil euros para entrar na Europa. Imigrantes e famílias estão reféns de uma dívida que esperam poder pagar com trabalho nos próximos anos.

Na costa alentejana há medo de falar das redes que se aproveitam da pobreza nos países de origem e a troco de milhares de euros traficam pessoas, mas a cada casa, a cada saída das explorações agrícolas, as histórias repetem-se.

É raro Portugal ser a porta de entrada. Vêm pela Polónia, Eslovénia ou Grécia, e só depois fazem o caminho até ao litoral do Alentejo

As duas primeiras semanas de maio são a época alta da apanha do mirtilo. O SEF faz uma operação surpresa para verificar se os trabalhadores estão legais em Portugal. Dos 416 fiscalizados, só um não tem o pedido de residência submetido.

Há 29 inquéritos crime a decorrer nos tribunais do Alentejo por tráfico de pessoas e auxílio à emigração ilegal. Neste momento estão a ser investigados 44 indivíduos e 26 entidades patronais.

O tráfico acontece sobretudo no recrutamento dos trabalhadores estrangeiros pelas empresas de trabalho temporário, muitas delas já lideradas por outros estrangeiros das mesmas nacionalidades. A troco de trabalho prometem alojamento e salário, subsídios e transporte, mas a realidade quando os imigrantes chegam a Portugal é bem diferente.



No ano passado o SEF sinalizou 54 vítimas de tráfico de pessoas e 45 vítimas de exploração laboral. Crimes que muito dificilmente as vítimas vão denunciar ou confirmar. É que para estes homens não há como voltar atrás. Recuperar o dinheiro que pagaram às redes vai implicar aceitarem as condições que lhes derem em Portugal. São as empresas de trabalho temporário que tratam das autorizações de residência e do alojamento.

Dezassete imigrantes vivem num antigo restaurante de Vila Nova de Milfontes - duas salas transformadas em camaratas. Cada um paga à agência Dourado Solo 100 euros para dormir aqui, 1700 euros ao mês por salas sem portas, uma cozinha sem condições, um espaço improvisado para rezar.

Um ano depois de o país ter acordado para a falta de condições dos milhares de trabalhadores imigrantes no sudoeste alentejano pouco ou nada mudou.

Calcula-se que na época alta da apanha de frutos vermelhos estão aqui mais de 10 mil trabalhadores estrangeiros e o negócio atraiu dezenas de novas agências de trabalho temporário. São elas que prestam serviço às grandes empresas. Ganham uma percentagem dos contratos de trabalho e algumas sujeitam os imigrantes a condições de vida miseráveis. Numa morada de São Teotónio estão registadas duas empresas que nem sequer existem.

A Autoridade para as Condições de Trabalho nem sequer respondeu quando a RTP quis fazer a prova dos factos sobre quantas fiscalizações fizeram no último ano e quantas situações ilegais encontraram. Também a Autoridade de saúde do litoral alentejano, responsável por fiscalizar as condições de salubridade das casas deixou a RTP sem resposta.

A concorrência entre as novas empresas que recrutam trabalhadores é tão grande que o único empresário que aceitou falar esconde a cara por medo. Para enfrentar o problema de habitação dos trabalhadores no sudoeste alentejano, o Governo decidiu no ano passado autorizar a construção de alojamentos temporários amovíveis e aceitar pedidos de licenciamento dos que já existiam em situação ilegal.

Na empresa LogoFruits, em Odemira, a instalação dos contentores está na fase final. Gastou-se aqui quase um milhão de euros, o Estado comparticipa 17% do investimento. Cada uma das unidades tem quatro quartos, sala comum. O espaço tem uma cantina para os trabalhadores adaptada às diferentes culturas.

A empresa tem 100 hectares de plantação, neste momento mais de 400 homens a trabalhar. As casas temporárias só vão resolver uma parte do problema, mas mesmo assim foram precisos sete meses até à licença para instalar os contentores. A Câmara de Odemira fala em mais 2000 camas, mas em rigor nenhuma nova cama está ainda disponível.

Cinco empresas pediram licenciamento para a instalação de alojamentos temporários Das cinco, nenhum projeto está ainda concluído. Tudo o resto eram camas que já existiam, mas estavam ilegais, como os contentores instalados na Summerberry.



Foi autorizado o licenciamento, com um prazo de três meses para as alterações impostas por lei. O departamento de saúde e segurança do trabalho da empresa esclarece que foi diminuída a lotação de 300 para 280 trabalhadores. O resto, adaptar a cantina e instalar painéis solares, está orçamentado, para ser executado até ao final do ano.

Um ano depois Odemira tenta recuperar da imagem que mostrou ao país e ao mundo dos imigrantes que trabalham oito horas por dia debaixo do calor das estufas em troca de um salário mínimo e que vivem em casas sobrelotadas. Presos à dívida que deixaram para conseguir um visto.

Os imigrantes continuam a chegar. Cinco anos de trabalho em Portugal dão acesso a uma nacionalidade, ao passaporte português. Cinco anos de trabalho duro em troca de um passaporte europeu, um bilhete de ida para o resto do mundo.
pub