Opus Dei com 75 anos em Portugal e uma influência maior do que os 1.625 membros

por Lusa

Olhada frequentemente como uma das organizações com maior influência na sociedade portuguesa, nomeadamente entre a elite católica, o Opus Dei tinha, no início deste ano, apenas 1.625 membros em Portugal, 75 anos depois de ter chegado ao país.

Aparente ou real, a influência propalada parece não influir na gestão da “Obra de Deus” por parte do vigário regional, monsenhor José Rafael Espírito Santo, engenheiro civil que se deixou conquistar pelo serviço à Igreja.

“A realidade é outra. O Opus Dei é mais uma entre todas as realidades da Igreja Católica e como todas elas quer ter uma influência religiosa para bem da sociedade”, diz José Rafael em entrevista por escrito à agência Lusa, acrescentando que “a fé influencia tudo” e “só as pessoas mais influenciadas por Deus – os santos – é que foram verdadeiramente transmissores desta influência”.

O vigário regional do Opus Dei rejeita, por outro lado, qualquer influência além da religiosa: “À parte essa influência da fé, para a Igreja é hoje fundamental, no exato sentido de que ‘constitui um fundamento’, o respeito pela liberdade de opinião e pela autonomia de atuação dos cristãos em tudo o que não é de fé. É muito de saudar que haja pluralismo de convicções e opções. E é muito de censurar servir-se do pretexto religioso para fins não religiosos. Este aspeto é intrínseco ao modo de ser e de atuar do Opus Dei”.

“Sei que há quem faça (…) leituras (…) contrárias ao que acabo de dizer. Continuaremos a tentar esclarecer”, diz, lamentando que “em Portugal, muito mais que na maioria dos países”, o Opus Dei seja “muitas vezes referido em público por pessoas sem qualquer relação direta com a instituição, criando um problema de comunicação pouco habitual que se caracteriza por uma notoriedade da instituição muito maior do que seria natural para a dimensão que tem”.

Dos 1.625 membros, segundo dados disponibilizados pelo próprio vigário, a maioria são mulheres – quase o dobro do número de homens – e mais de 1.100 são casados ou solteiros sem compromisso de celibato. O Opus Dei conta também com 89 padres em Portugal. Existem ainda cerca de 3.000 cooperadores, que não pertencem ao Opus Dei, e podem não ser católicos, nem crentes, mais apoiam o serviço que o Opus Dei presta.

“O Opus Dei é uma mensagem dirigida a todos, e é, além da mensagem, uma instituição que reúne as pessoas que sentem, por parte de Deus, o apelo a viver esta mensagem. Por se dirigir a todos, as atividades de formação católica que o Opus Dei organiza são abertas e não estão reservadas aos membros, nem carecem de convite prévio”, explica o padre José Rafael Espírito Santo, contrariando a imagem de algum secretismo que, habitualmente se “cola” à Prelatura.

Quando há 75 anos, o farmacêutico espanhol Francisco Martinez, de 24 anos, chegou a Portugal para iniciar o caminho do Opus Dei no país, o objetivo era o mesmo que a instituição tem hoje, ou seja, “tornar presente a Igreja Católica pela difusão da mensagem de que aos olhos de (…) Deus a vida do cristão comum, talvez rotineira, tem muito valor”.

“Vejo três notas nestes 75 anos: o amadurecimento, feito de acertos e desacertos; a contínua atualidade da mensagem da santificação do trabalho e da vida corrente, tanto mais urgente e necessária quanto maior vem sendo o esquecimento de Deus nesta sociedade apressada; e a crescente perceção do contributo desta instituição no contexto da Igreja Católica”, afirma o vigário, para quem faz todo o sentido, face ao frenesim quotidiano, apostar na “santificação do trabalho”.

“Sabendo que (…) Jesus trabalhou, viveu a sua condição de cidadão servindo os outros com o seu trabalho, e necessariamente trabalhou bem, teremos cada vez mais, e só, razões para fazer as coisas do melhor modo possível, com desejos de servir os outros e o bem comum. E podemos oferecê-las a Deus, que é mais ou menos o mesmo que faz quem dedica um livro, um feito, um golo, ou uma vitória”, explica.

Uma das imagens frequentemente associada ao Opus Dei prende-se com as mortificações corporais, como o uso do cilício.

“Para o cristão comum, cumprir os deveres diários, manter a boa qualidade das relações familiares, e até o simples sorriso habitual, são as formas mais importantes que encontra todos os dias – e que não deve desperdiçar - para mostrar um amor disposto a sacrificar-se, a ir para além do interesse próprio”, afirma, explicando que “as expressões de penitência corporal (…) embora pertençam à vida da Igreja e são por ela aceites (o Papa Francisco em 2017 afirmou ter feito a experiência e referiu o seu sentido positivo), não são de todo essenciais, e a maioria das pessoas do Opus Dei não as vive”.

Quem as vive na Igreja, “e em concreto as pessoas do Opus Dei que o fazem, vive-as sempre voluntariamente, dando-lhes o sentido positivo de união à paixão de Cristo, portanto como manifestação do amor pelos que se afastam de Deus e assim da sua verdadeira felicidade”, sublinha, advertindo que “isto não se entende sem uma lógica de vida de fé”.

Com atividade visível na educação, presente em vários colégios e na formação de quadros, o vigário do Opus Dei rejeita a ideia de que a ação da “Obra” esteja voltada para os mais favorecidos.

“As coisas não são assim. Ao prelado do Opus Dei, o Papa Francisco disse que queria que o Opus Dei divulgasse a mensagem do Evangelho na periferia que hoje encontramos na classe média da sociedade, referindo-se àqueles ambientes onde já não há lugar para Deus, e onde escasseiam valores e ideais”, diz o padre José Rafael Espírito Santo.

As escolas “estão claramente situadas nesse contexto. O Opus Dei deseja ter uma parceria com esses projetos formativos e educacionais para, sempre com respeito pela liberdade religiosa das pessoas que aí trabalham ou beneficiam dos seus serviços, abrir mais uma possibilidade de aproximação à fé católica, pois a experiência de Deus permite o maior conhecimento da realidade”.

“Além disso, muitos fiéis do Opus Dei intervêm estavelmente, por sua iniciativa, em ações e organismos de apoio a desfavorecidos, e algumas pessoas do Opus Dei são pessoas desfavorecidas e em dificuldade. Um exemplo é a iniciativa a propósito dos 75 anos da presença em Portugal, dos 75 cabazes para 75 famílias, que, em Lisboa, Porto e Braga, procura ajudar em cada cidade 75 famílias que agora sofrem mais pela pandemia, conseguindo um cabaz cada mês e ajudando a assumir uma meta de melhoria”, refere o sacerdote.

Aos 62 anos de idade, José Rafael Espírito Santo, natural de Lisboa, que diz ser “padre com tudo o que isso implica (…) sem deixar de ser uma pessoa limitada e com muitos defeitos”, admite que a sua formação em engenharia civil “marca muito” o seu serviço à Igreja e “o modo de enfrentar as questões”, enquanto “a formação filosófica facilita uma proteção para não cair na superficialidade”.

Com rotinas definidas, abrindo o dia com tempo de oração e missa, a que se segue o “estudo dos vários assuntos” durante a manhã, o vigário regional do Opus Dei dedica algumas tardes “a trabalho sacerdotal como o acompanhamento espiritual pessoal e o sacramento da confissão”. Porém, este padre que chegou, em Roma, a tocar Eagles para o Papa João Paulo II, confessa que continua a ter interesse pela música quando tem tempos livres.

“Ultimamente tenho-me interessado pelos ‘Quatro e meia’, do ponto de vista da música portuguesa”, diz, adiantando que também a literatura ocupa algum do seu tempo: “tenho a intenção de ir lendo as obras de Sándor Márai, traduzidas para português”, que ainda não leu.
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